III – Para onde os ventos sopram?
A sociedade de consumo, com suas ficções e vertigens, promete satisfazer tudo e todos, e falaciosamente identifica felicidade com o estar saciado. Saciados, cheios, preenchidos, domesticados – assim estamos, resolvidas, na festa do consumo, as nossas necessidades (ou o que pensamos que sejam). A saciedade que se obtém pelo consumo é uma prisão do desejo, reduzindo a um impulso de satisfação imediata. O verdadeiro desejo, porém, é estruturalmente assinalado por uma falta, por uma insatisfação, que se torna princípio dinâmico e projetivo. O desejo é literalmente insaciável porque aspira àquilo que não se pode possuir: o sentido. Nesta linha, o desejo não se sacia, mas aprofunda-se.
José Tolentino Mendonça, “Libertar o tempo”, p. 70
♦ Os franciscanos são pessoas habitadas por um desejo de plenitude. Isso deve ficar bem claro. Não basta a satisfação de pequenos anseios. O desejo não se sacia. Aprofunda-se. Tolentino está coberto de razão. Vivemos um tempo de profundas transformações, dúvidas, incertezas, torturantes inquietações. Os franciscanos não escapam deste furacão. Mundo plural. Nossas fraternidades forçosamente serão lugares e espaços para estudo e discussão dos grandes temas da sociedade e da fé. Importante dias de estudo, retiros, reflexão. Somos convidados a ler e estudar. Os que querem construir o futuro praticam o discernimento. Não somos partidários numa religião feita para sempre, arrumadinha, definitiva. Inserimo-nos numa Igreja em busca de caminhos novos. Discerniremos os sinais dos tempos, para onde os ventos estão soprando.
♦ O amanhã da Ordem Franciscana Secular não se consegue apenas com mudanças organizacionais. Depende, antes de tudo, da transformação do coração de cada irmão. Em nossas fraternidades locais somos convidados a viver em estado de conversão, de penitência e de transformação. O amanhã será viçoso na medida em que os irmãos e irmãs forem capazes de alimentar a conversão segundo as orientações do Sermão da Montanha (Mt 5, 1-12). Como se opera e se alimenta esta conversão? Vivendo a verdade para consigo mesmo, com leituras do Evangelho, meditação, constantes revisões de vida, nova compreensão do sacramento da reconciliação ou confissão. Não é esse sinal sacramental que celebra a nossa conversão? Ou não?
♦ Trata-se de um propósito de sair da mediocridade, da superficialidade. Para que nos próximos tempos a OFS dê mostras de ser um grupo significativo importante que seus membros tendam, efetivamente, para a santidade. Trata-se de fugir de toda vivência cristã, epidérmica, sem profundidade, rotina. Importante será abeirar-se das fontes, principalmente dos escritos de São Francisco, dos escritos de Boaventura e da mais lídima tradição franciscana.
♦ Cabe aqui uma palavra do Papa Francisco em sua Exortação sobre a chamada à santidade: “Peçamos ao Senhor a graça de não hesitar quando o Espírito nos exige que demos um passo em frente; peçamos a coragem apostólica de comunicar o Evangelho aos outros e fazer de nossa vida um museu de recordações. Em qualquer situação deixemos que o Espírito Santo nos faça contemplar a história na perspectiva de Jesus ressuscitado. Assim a Igreja, em vez de sair cansada, poderá continuar em frente acolhendo as surpresas do Senhor” ( Gaudete et Exsultate, n. 139).
♦ A palavra fraternidade é mágica. Não se pode imaginar o amanhã dos franciscanos seculares sem nítidas expressões de estima e de bem-querer. Pensamos aqui na qualidade humana e cristã dos relacionamentos em nossas fraternidades. A reunião dos irmãos, mormente a reunião geral, sacramento do bem-querer fraterno, será sempre muito bem, preparada e vivida. Ali, a OFS se exprime como uma comunidade cristã de base. Ali se faz a experiência do “vede como eles se estimam”. Mas cuidado! Não apenas uma vivência estre os iguais. Os franciscanos amam servindo discretamente e sem alarido os mais necessitados, os de fora, sempre em saída.
♦ Não podemos imaginar o amanhã de nossas fraternidades e regionais da OFS sem sólidas lideranças. O líder não é alguém que que impõe, que agarra o cargo e quer mandar. Estes agem segundo espírito do mundo. O líder é aquele que se “impõe” pelo exemplo e por seu caráter, por um modo de ser marcado pelo ânimo, pela confiança nos outros e no amanhã. Não se deveria escolher irmãos para os postos de serviços que não tivessem liderança. Que se promova a formação de lideres que, em nosso caso, são pessoas evangélicas até as mais densas de suas entranhas. Claro, com competência humana. Líderes profundamente humanos e santos levam adiante a história do cristianismo segundo os desejos do Espírito. Descortinam paisagens novas.
♦ A OFS terá futuro na medida em que estiver antenada com a cultura do encontro e no exercício do diálogo. Como Francisco somos “atravessadores de fronteiras”. Cultivar o encontro no seio da fraternidade, no ambiente familiar, com os vizinhos, com pessoas de outros credos, com os que mais sofrem, com aqueles que são mandados para governar as cidades. A vida dos franciscanos seculares é como se fosse uma sala de encontros:
>> Reuniões mensais que sejam encontros de vidas e de liberdades, não longas, mas tonificantes.
>> Reuniões que formem pessoas sem modismos e fanatismos.
>> Muitos de nossos encontros deveriam contar com a presença de nossos familiares e de visitantes.
>> Se nos dizemos família será fundamental que jovens participem com certa regularidade de nossos eventos e encontros.
♦ Os irmãos e irmãs da OFS do presente e do amanhã poderão ou deverão ter algumas (ou quase todas) destas características:
>> Êxtase diante do Altíssimo e Bom Senhor e do Senhor Jesus em sua cativante singeleza e pobreza.
>> Postura de simplicidade em tudo.
>> Amar o irmão com amor de mãe.
>> Não querer sobrepor-se aos outros.
>> Trabalhar com diligência sem perder o espírito da santa oração.
>> Ir pelo mundo e, ao mesmo, tempo ter desejo e saudade do eremitério.
>> Exercitar-se na prática da desapropriação.
>> Saber extasiar-se diante de coisas simples: a beleza de uma criança, o esplendor de uma fonte borbulhante, a delicadeza de um ninho de beija-flor.
>> Cuidar com carinho e rigor da casa comum a todos os homens (Laudato Si’).
>> Aderir ao projeto do Papa Francisco quando ele nos impede autorreferencialidade e pede que sejamos uma Igreja em saída.
♦ Um pensamento final: “A primeira coisa que se aprende com Jesus nos evangelhos não é doutrina, mas um estilo de vida, uma forma de habitar o mundo, de interpreta-lo e de construí-lo; uma maneira de tornar a vida mais humana. O característico deste estilo de viver é que ele se inspira em Jesus. Nasce da relação com ele. É-nos transmitido seu Espírito. Aprendemos sua maneira de pensar, sentir, amar, orar, sofrer, criar, confiar e morrer. Pouco a pouco vamos nos convertendo em discípulos e discípulas de Jesus” ( José Antonio Pagola, Voltar a Jesus, Vozes, p. 65).
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Petrópolis, RJ