II. O que pode nos fazer viver e viver bem?
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFm
♦ Viver, viver é o que conta. Viver com gratuidade, sem ser pressionado pelas leis da urgência, da produtividade, da concorrência, do mercado, das oscilações da bolsa. Não toleramos empurrar a história para frente de qualquer maneira, levando uma vida insossa, repetitiva, monótona, rotineira. Queremos ser gente e gente desperta. Aspiramos a viver em plenitude. Nada de pedacinhos soltos sem uma liga. Somos pessoas que gostamos de ser o que somos: ser homem, ser mulher, “curtir” os amigos, chorar com os que choram, viver a alegria dos que se alegram. Gente que gosta de abrir caminhos novos, ainda não pisados, que aprecia caminhar de pés descalços no verde da grama, de arreganhar as janelas de manhã, de par a par e agradecer a chegada do irmão sol ou da chuva mansa que nos aconselha a usar meias de lá e um cachecol de cores variegadas. Não queremos nos sobrecarregar de coisas inúteis e de balangandãs apenas com brilho aparente. Viver é que conta: gostar da brisa suave, de tomar uma xícara de café com os que estimamos e de cantar aquilo que mana das profundezas de nosso ser. Viver e viver em plenitude. Sempre verificando a qualidade do viver para não viver em vão.
♦ “As rotinas têm um efeito saudável: tornando o cotidiano uma cadeia de situações que podem ser aguardadas, que nos permitem habitar com confiança o tempo. Mas o que começa a ser bom esconde também um perigo. De repente, a rotina substitui-se à própria vida. Quando tudo se torna obvio e regulado, deixa de haver lugar para a surpresa. Cada dia é simplesmente igual ao anterior. A nossa viagem passa para as mãos do piloto automático” (José Tolentino Mendonça, A mística do instante, Paulinas, p. 17).
♦ Somos seres humanos. Corpo, coração, inteligência, afeto, sentidos. Estamos sempre aprendendo a arte de viver. Temos certeza de que fomos amados antes mesmo que tivéssemos sido “inventados”. Antes de abrirmos os olhos já éramos queridos pelo Mistério. Fomos tomando consciência de estarmos envolvidos num amor sem limites. “Com amor eterno eu te amei…”. Fomos lançados na vida e temos a vida toda para inventar precisamente uma arte de viver. Fato é que esse Mistério nos impulsiona para frente e promete não nos largar.
♦ Quando fazemos cessar as agitações ruidosas, quando alcançamos uma certa serenidade, olhos fechados, silêncio dentro e fora, quando paramos para pensar damo-nos conta que temos uma sede de plenitude, do infinito. Sede do Mistério, daquele que não vemos com nossos olhos, mas anda nos espreitando, e quem sabe, batendo à nossa porta para verificar se estamos em nós mesmos. Se habitamos nós mesmos. Se estamos em casa.
♦ Somos cristãos e queremos ser discípulos do Senhor. Não se trata apenas do fato que nosso nome esteja inscrito nos livros da paróquia onde fomos batizados ou no registro da Ordem por ocasião da profissão. Fomos crescendo com o desejo e não parar. O Papa Francisco anda questionando nossa vida paralisada, cheia de mesmice. Quer que tenhamos encontros pessoais com Cristo. Seremos seus discípulos, mas não discípulos parados, medroso, mas discípulos missionários, membros de uma Igreja em saída que tem padres e leigos em saída, com bispos que gostam do cheiro das ovelhas, de leigos tinhosos. Na Igreja, sempre na Igreja, não um grupo que olha superiormente sobre os outros. Na Igreja santa e pecadora.
♦ Há aqueles que querem encontrar e buscar uma fonte no seio da família franciscana. Por diferentes caminhos e diversas situações existenciais foram querendo simplificar suas vidas e revestir-se do Evangelho. Jogam fora o que lhes atravanca a vida. Lutam para viver no mundo mas com saudade do eremitério e andam com uma bacia e uma toalha tentando lavar os pés dos peregrinos e caminheiros. Contemplam e agem. Sentem a brisa suave acariciar seu rosto e estão sempre em prontidão para partir em missão. Estão em estado de missão, “em saída”,
♦ As fraternidades franciscanas seculares estão espalhadas pelo mundo afora. São constituídas por homens e mulheres que buscam sair de uma vida cristã rotineira feita quase que somente de práticas religiosas e pontilhada de discursos muito cerebrais. Os franciscanos seculares serão pessoas que desejam fazer uma profunda experiência do Senhor e de seu Cristo. Não se inscrevem numa piedosa associação religiosa pedindo obas e pontilhada de eventos sem ligação uns com os outros. Estão, evidentemente, presentes em dioceses e paróquias. Procuram ser uma presença forte lá onde vivem. Querem e precisam ser sacudidos pela força do Evangelho.
♦ Não convém que ingressem na Ordem Franciscana Secular pessoas casadas ou solteiras que, no fundo, alimentam um misto de “saudade” ou de “desejo” de serem parecidos com os religiosos de votos ou então membros da hierarquia eclesiástica. O lugar, o espaço, o habitat do franciscano é o mundo, o século. Precisam honrar seu nome: franciscanos seculares.
MANDAMENTOS
1. Vivemos num mundo plural. A realidade e nossas organizações de viver encontram-se sem nexo umas com as outras. Nossas fraternidades franciscanas seculares serão espaços de sérias e aprofundadas reflexões. Serão promovidos dias de estudo, círculos de reflexão, retiros que atinjam nó das pessoas. Somos convidados a ler, refletir, estudar. Não somos partidários de uma religião à la carte. Vamos construindo nosso ser de fé no dia a dia por meio de um confronto entre a Palavra e a vida. Oferecerá aos seus e a outros tarde de oração e fóruns onde as pessoas possam se encontrar e encontrar os outros.
2. Num mundo de posturas individualistas a Ordem Franciscana Secular será um espaço de profundas vivências de solidariedade e de fraternismo ad intra e ad extra. Não apenas “amiguinhos que se encontram com amiguinhos”. Mas irmãos no mistério da fraternidade em Cristo.
3. O amanhã da OFS será feito de pessoas muito conscientes de que morreram com Cristo em sua morte e com ele ressuscitaram na manhã de Páscoa. Estão sempre, de alguma forma, a renovar seu batismo. Adentram-se no mistério pascal. Fazem da Eucaristia um especial espaço de morte e vida. Vida pascal.
4. Num mundo que costuma se satisfazer com a superficialidade e a mediocridade, os franciscanos seculares haverão de abandonar os territórios da planície e cultivarão por vários e diferentes meios a santidade.
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