Elementos de uma pauta para uma visita fraterno-pastoral
O título desta página pode enganar. Não se trata de um rigorosa pauta de assuntos a serem ventilados nas visitas fraterno-pastorais da Ordem Franciscana Secular, mas de elementos que atravessam o coração de um frade quando ele pensa no que deve refletir com os irmãos e irmãs em tais ocasiões. Nada mais. Expressões de convicções ou intuições. Nada completo. Lampejos.
1. Em primeiro lugar: nada está pronto, acabado. Tudo está por ser feito. Ou retomado. Nada de colocar um ponto final antes do tempo. Longe dos cristãos e franciscanos a inércia, a enganadora satisfação. Há riquezas escondidas em cada ser humano, em cada cristão, em cada franciscano que ainda não vieram à noite. Que todos se sintam acordados, despertados. Nada está acabado.
2. Este pensamento de Bernanos deve nos fazer pensar: “A maior parte entre nós assume, de fato, apenas uma parte de sua vida, parte insignificante, ridiculamente pequena de sua existência. As pessoas vivem na superfície de si mesmas, e o solo humano é tão rico que esta fina camada superficial basta para que se tenha uma colheita, ainda que magra e o que dá ilusão de sucesso. O santo não vive dos lucros sobre lucros. Engaja toda a sua vida” (Georges Bernanos).
3. Não errar o endereço da casa do Senhor, do Altíssimo. Não podemos errar na escolha do caminho. Nada de caricaturas de Deus, nada de rotina, de mesmice. Mas uma luta para buscar o Mistério, o Real, o Absoluto. Nada de imagens infantis do Senhor. O endereço da casa do Senhor é nosso ser mais íntimo. É a partir de nosso interior e em nosso interior que o encontramos.
4. Os cristãos não são meros membros de uma religião. São pessoas que têm o selo de Jesus. São tatuados com as marcas de Jesus. São discípulos. Seguem o Mestre vivo e ressuscitado, presente no meio de nós e não apenas “recordado” como um vago personagem. Os cristãos são pessoas que procuram ver o mundo, as pessoas, as coisas, os acontecimentos com o olhar de Jesus. Mais ainda: Tentam refazer em sua vida a vida de Jesus. Por isso, é evidente que os cristãos se fazem íntimos de Jesus.
5. Sabem que existe em seu interior anseios e desejos que nunca podem ser plenamente satisfeitos, nem explicados. Ou seja, essa inquietude nos leva para o Mistério, a Presença, o Real. Há dentro dos cristãos e franciscanos uma sadia inquietude. Ai dos satisfeitos e dos saciados. Felizes os que têm fome e sede.
6. Não se contentam em viver na superfície das coisas. São seres que buscam a profundidade: leitura, silêncio, viagens ao interior, recolhimento, espírito crítico, retiro espirituais densos. Por isso são pessoas avessas à rotina e, como Francisco, costumam ter saudades das grutas. Sua oração mais densa se faz no silêncio externo e quando cessam os berros de seus pequenos interesses.
7. Têm como grande alegria de sua vida celebrar, na liturgia, a presença do Senhor que os envolve. Estão sempre a se desvencilharem da rotina na celebração, sobretudo quando são convidados a fazer parte mais direta na celebração. Celebram a Eucaristia como uma festa e um grande momento de oblação de suas entranhas.
8. Os discípulos do Senhor, os ouvintes da voz do Senhor que fala em seu interior experimentam uma deliciosa convivência com o criado: as flores, os pássaros, as cascatas, a criança que aprende a engatinhar, a mulher que amamenta o filho, o idoso de barbas brancas que caminha olhando para o sol apoiado em sua bengala.
9. Cristãos e franciscanos maduros têm mania de fraternidade, fraternismo, irmandade, simpatia pelo que é humano, vontade de estar perto das pessoas, criar laços, partilhar, lavar os pés, servir. Fraternidade com os de perto e com os de longe. Fraternidade com os de perto que não seja ninho quente e reunião de pessoas vazias e sem nada de essencial a dizer umas às outras. Fraternidade que exclui toda simpatia ou veneração pelas leis do mercado e do consumismo. Mania de viver com gente.
10. Um forte sentido de compaixão nesses tempos de dilaceramento. Compaixão sadia para conosco mesmo. Compaixão para com as misérias vividas no mundo: os desajustes conjugais, os abusos de toda sorte, os filhos esquecidos, os pais velhos que morrem em vida, os migrantes com suas trouxas e sem esperança. Compaixão que nasce do olhar de Jesus que teve compaixão da multidão que parecia ovelhas sem pastor. Os cristãos e os franciscanos serão membros de uma Igreja em saída, uma Igreja que se arranha nos embates da vida, mas não se recolhe em morna paz.
11. Não se coloca vinho novo em odres velhos. Por isso, buscamos o novo. Queremos ser coniventes com o sopro do Espírito que trabalha na Igreja e no mundo. Buscar o novo de verdade. Começar a renovar-se pessoalmente. Não temos o direito de fechar nossa Ordem em esquemas obsoletos. Não se trata de embarcar irrefletidamente no “novidadoso”. “Para vinho novo, odres novos. A novidade do Evangelho. Que nos traz o Evangelho? Alegria e novidade. Para a novidade, novidade; para vinho novo, odres novos. E não tenhais medo de mudar as coisas segundo a lei do Evangelho. Por isso pede-nos a nós todos algumas mudanças. Pede que ponhamos de parte as estruturas caducas; não prestam! E que tomemos odres novos, os do Evangelho. O Evangelho é novidade! O Evangelho é festa! E só se pode viver plenamente o Evangelho com um coração alegre e com um coração renovado. Demos espaço à lei das bem-aventuranças, à alegria e à liberdade que a novidade do Evangelho nos traz. Que o Senhor nos dê a graça de não permanecermos prisioneiros, a graça da alegria e da liberdade que nos traz a novidade do Evangelho” (Meditação matutina na Capela da Casa Santa Marta, Papa Francisco, 5 de setembro de 2014).
Frei Almir Guimarães