Carisma - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

A respeito da compaixão em São Francisco de Assis

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Chorar e dar

Jubileu extraordinário da misericórdia! Em todos os lugares se ouve falar do tema. Inspiramo-nos aqui numa reflexão de Nicole Granger, terceira franciscana francesa, estampada na Revista Évangile Aujourd’hui (n. 198, 2003, p. 29-35) a respeito da compaixão em São Francisco.
Frei Almir Guimarães

1.   Compaixão e simpatia não são palavras sinônimas. Os dois termos, no entanto, remetem para a mesma ideia: uma aptidão de sofrer com…, de sentir com. Simpatia é a face solar de sentimentos partilhados, a compaixão seu lado dolorido. A compaixão seria doce se pudesse se revestir de sentimentos de simpatia. A simpatia seria indulgente, se ela não ignorasse a compaixão. Em São Francisco os dois sentimentos se unem quando a Regra não bulada afirma: “E devem (os irmãos) estar satisfeitos quando estão no meio de gente comum e desprezada, de pobres e fracos, enfermos e leprosos e mendigos de rua” (Regra não bulada 9,3). Em resumo, os irmãos se façam presentes na vida de todos aqueles que carecem de compaixão.

2. A palavra compaixão não faz parte do vocabulário de Francisco em seus escritos. O termo, porém, é usado frequentemente por seus biógrafos e de maneira muito tocante: “Quem poderia descrever, afirma Celano, sua imensa compaixão para com os pobres?” (2Cel 83). Compaixão aparece na emoção do santo diante das “mãos aleijadas de uma pobre mulher” (1Cel 67), no fato de beijar os rostos desfigurados dos leprosos (Leg. Maior I,6), ao contemplar as misérias e desgraças do coração. Fazia suas as dores dos sofredores e se extasiava dolentemente diante das dores do Crucificado. Fez a experiência da dores do Amado de modo particular no alto do Alverne.

3. Se o corpo de Francisco, quase no final de sua trajetória, é assinalado pelas chagas de Cristo, tantas vezes contempladas e pranteadas com amor, é porque seu caminho de compaixão fez com que de homem em homem, de irmão em irmão ele acolhesse em a si a dor dos outros, não de maneira passiva e estereotipada mas com originalidade própria de tal forma que cada franciscano que contempla o modo de Francisco exercer a compaixão dispõe de um “vade-mécum” , um “modo de fazer” a compaixão, uma “receita do bolo”.

4. Chorar – A compaixão não necessita forçosamente se exprimir por lágrimas. Muitas vezes chorar, gemer, pode significar ensimesmamento, preocupação com a própria sensibilidade, decepção raivosa do próprio ego. E no entanto, as lágrimas não são coisas banais. Chorar pode ser expressão de uma tristeza. Há os que afirmam que aquele que perdura na tristeza anda fazendo aliança com o diabo. O diabo fica alegre quando pode surrupiar a alegria do coração das pessoas. Por pequenas brechas o inimigo tira a candura da mente: “A maior alegria do diabo é quando pode roubar ao servo de Deus o gozo do espírito. Carrega um pó para jogar nos menores meandros da consciência para emporcalhar a candura da mente e a pureza da vida” (2Cel 125). Quando alguém é dominado pela tristeza precisará chorar. “… se não for lavado pelas lágrimas produzirá no coração uma ferrugem que vai ficar” (Idem).

Algo de diferente parece estar representado no famoso quadro que representa Francisco enxugando as lágrimas com um lenço. O quadro nos leva a pensar que a compaixão pelos outros se traduz em abundantes lágrimas. A compaixão é um movimento que atinge o próprio corpo, que suscita e faz nascer intenção de colocar gestos precisos de compreensão e de misericórdia. Lágrimas de compaixão são aquelas que nos permitem ver mais claro, caracterizadas por lucidez e não por um nevoeiro afetivo e sentimental.

5. Dar – Como primeiro gesto de compaixão Francisco costumava se desfazer de alguma coisa que tinha em favor dos outros. “Com relação a todas as coisas que que lhe davam para aliviar as necessidades do corpo, ele estava acostumado a pedir licença aos doadores para poder distribuí-las licitamente se encontrasse alguém mais pobre. Não poupava absolutamente nada, nem mantos, nem túnicas, nem livros, nem sequer os paramentos do altar, sem deixar de dar tudo isso aos pobres enquanto podia para cumprir o dever da piedade. Muitas vezes vemo-lo carregar sobre seus ombros a carga que pobres andavam carregando.

“A mãe de dois frades veio uma vez ter com o santo, pedindo esmola com confiança. Compadecendo-se dela, o santo Pai disse a Frei Pedro Cattani, seu vigário: ‘Podemos dar alguma esmola à nossa mãe?’ Na verdade ,ele dizia que a mãe de algum irmão, era também sua mãe e de todos os irmãos. Respondeu-lhe Frei Pedro: ‘Não há em casa nada que lhe possa ser dado’. E acrescentou: ‘Temos um Novo Testamento em que, por não termos breviários, fazemos as leituras de Matinas. Disse-lhe o bem-aventurado Francisco: ‘Dá o Novo Testamento a nossa mãe para que ela o venda para sua necessidade, porque por ele somos admoestados a ajudar os pobres. Creio realmente que mais agradará a Deus a doação do que a leitura’” (2Cel 91).

Outro dom de Francisco foi o da sua palavra. O santo conhecia bem o desespero, pobreza, sofrimento moral e estado de inanição de seus contemporâneos. Muitas vezes ele lhes dirigia a palavra com tanto fervor que eles se sentiam consolados. Ora, a palavra que consola é uma palavra de compaixão. A palavra que consola alivia o peso que os outros carregam e faz com que sequem as lágrimas de seus rostos.
Referência
Nicole Granger, “La compassion chez saint François” – Évangile Aujourd’hui n. 198, p. 29ss

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