Numa revista, li: “Santo Antônio, São João Batista e São Pedro são os santos que motivam as tradicionais festas de junho no Brasil”. Fiquei curioso e fui pesquisar na Bíblia, dicionários e internet. De fato, os três fazem parte da vida diária do povo.
Santo Antônio
Santo Antônio, em sua curta vida de 36 anos, nasceu em Lisboa (1195) e morreu às portas da cidade de Pádua (1231), onde ia tratar da saúde, “puxado num carro de boi”. As crianças saíram pelas ruas, gritando “o santo morreu, o santo morreu”. Simultaneamente, em Lisboa, “os sinos puseram-se a tocar por si sós e o povo saiu às ruas. Somente, mais tarde, é que souberam do ocorrido”. Não se passou um (01) ano e Gregório IX o canonizou. É o processo mais curto, na História da Igreja.
Esta mesma Igreja o cognominou de “Arca do Testamento”, por conhecer e vivenciar, profundamente, a Bíblia. Chamou-o de “Trombeta do Evangelho” por ser dotado de uma voz forte e clara, de “Martelo dos Hereges” por defender a sã doutrina. É “Doutor da Igreja” por ser um teólogo eloquente e estudioso, e pelos famosos Sermões sobre a Quaresma e os Evangelhos, impressos em dois grandes volumes.
A Igreja lhe atribui, também, o epíteto de “maior taumaturgo de todos os tempos” e “o santo de todo o mundo” porque “em toda a parte se encontra sua imagem e devotos”.
Foi um frade orante, humilde, disponível nos afazeres da casa, atencioso e caridoso com os pobres, defendia-os com “sermões fulminantes contra a ganância dos ricos”.
E o povo… como via Santo Antônio?! Via-o como “um dos nossos”. Representava-o com a Bíblia aberta e sobre ela, o Menino Jesus – dois elementos fundamentais de sua pregação. Outras vezes com o lírio nas mãos, flor mais comum em Pádua e que exala um suave odor.
Sentia-o presente em seu dia a dia e o invocava quando alguma coisa se extraviava, ou mesmo para ter um casamento. É o protetor dos pobres e viajantes, dos pedreiros e padeiros, dos caminhoneiros da cidade de Itabaiana (BA) que são os impulsionadores da economia local.
Duas curiosidades: língua e cordas vocais inatecatas
Dois anos antes de sua morte, veio morar no convento de Ancella, perto de Pádua. Estava muito debilitado pela hidropisia. Logo após a morte, “frades e povo começaram a erguer um santuário em sua homenagem, inaugurado 32 anos mais tarde, em 1263. Quando o sarcófago foi aberto, a língua estava intacta. O Ministro Geral da Ordem,São Boaventura que estava presente, pegando-a em suas mãos exclamou: ‘Oh, língua bendita! Agora nos é permitido avaliar como foram grandes teus méritos perante Deus’. A língua foi colocada num relicário dourado onde está até hoje”.
O corpo foi exumado mais duas vezes: “Em 1350, quando vários ossos foram colocados em relicários próprios”. A outra foi em “1981, por ordem de João Paulo II, quando notaram que as cordas vocais estavam incorruptas”.
A incorrupção da língua e cordas vocais não deixam dúvidas de que a pregação é a grande marca de Santo Antônio. “Essa virtude era tão resplandecente que não havia olhos que não a vissem. Aquela língua e cordas vocais levaram a Deus tantas almas que, mesmo reunindo 30 mil pessoas, não se ouvia um sinal de clamor ou murmúrio. Ao contrário, num silêncio prolongado, todos o escutavam”. “Mais importante que os milagres, é a conversão do coração. Depois que escutavam sua pregação, eram tantos os homens e mulheres que corriam para o confessionário que faltavam sacerdotes para atender tanta gente”.
Mesmo sendo um grande taumaturgo foram a língua e as cordas vocais que não experimentaram a corrupção. Mais que multiplicar pães, curar doentes e ressuscitar mortos – milagres realizados por Santo Antônio – é levar pessoas à conversão e à mudança de vida.
São João Batista
Festas juninas ou joaninas
João é filho único de um casal idoso e estéril. Seu nascimento foi motivo de muita alegria entre os vizinhos e parentes. Por ocasião da circuncisão, no oitavo dia, uma multidão se reuniu para festejar e dar-lhe o nome de seu pai Zacarias, como era costume. Mas a mãe se opôs, categoricamente, dizendo que se chamaria João. O pai confirmou e, de mudo, começou a falar. O menino cresceu e vivia no deserto. O povo se admirava e dizia: “que será deste menino”?! (Lc 1,5-25. 57-80).
Tinha razão porque tudo lhe era estranho e na contramão dos costumes. Mais ainda: como adulto, vivia rudemente, tanto no vestir como no comer (Mt 3,4). Provavelmente era adepto dos essênios – um grupo de pessoas que vivia isolado, em constante penitência, aguardando a chegada do Messias.
De repente, começou a pregar, quase que aos gritos: o Messias está perto e, para acolhê-lo, é necessário conversão e confissão dos pecados. Quem aceitava, recebia um banho no Jordão como sinal de penitência (Lc 3,1-20). Quem não aceitava e, mesmo assim, vinha para o batismo, João os repreendia, taxando-os de “cobras venenosas” (Mt 3,7-12).
Como coadunar um estilo de vida tão rude e pregação contundente com a fartura de comidas típicas das festas juninas, danças, cantos, fogos, fogueiras, balões e bandeirinhas?!…
A origem das festas juninas é agrária. No Hemisfério Norte, em junho, inicia-se a colheita e os agricultores ofereciam os primeiros feixes às divindades, agradecendo a colheita e pedinto proteção contra as pestes e estiagens. Alegria, comida farta, fogueira com saltos sobre as chamas e danças ao seu redor – era a característica desta festa.
Por que o dia 24 de junho?! Neste dia, acontece o solstício do verão, isto é, é o dia mais longo e, consequentemente, a noite é a mais curta. O mesmo, de modo inverso, acontece no solstício do inverno, 25 de dezembro (nascimento de Jesus).
No transcorrer da história, especialmente, na Idade Média, a Igreja Católica, no intuito de cristianizar as “festas pagãs”, adotou a metodologia de, nelas, inserir conteúdos cristãos. João Batista nasceria, então, seis meses e um (01) dia antes do nascimento de Jesus. Por isso é o Precursor.
As festas juninas são realizadas em todos os países lusófonos. Ainda hoje, a cidade do Porto atrai o turismo e milhares de pessoas a festejam nas ruas. Chegou ao Brasil com o nome de “festas joaninas” que, aos poucos, foram assumidas como “juninas”.
É a segunda festa mais popular, perdendo, apenas, para o Carnaval. Está espalhada em todo o Nordeste, particularmente, em Caruaru (PE) e Campina Grande (PB). São verdadeiras alavancadoras da economia local e do turismo.
São Pedro Protagonista da vida do povo
Seu protagonismo começa com o Dia do Pescador, 29 de junho. Ele era profissional e, hoje, há quem viva deste ofício. Há, também, quem diz “vou pescar” e, junto com ele, convida amigos para momentos de lazer, acompanhados de comida e bebida, anedotas e estórias fictícias. É possível que o provérbio – “parece história de pescador” – tenha nascido neste contexto.
São Pedro é, também, “protetor das viúvas e viúvos”. Jesus curou a sogra de Pedro (Mc 1,30), palavra que ocorre uma única vez na Bíblia.
Qual é a filha que não acolhe sua mãe em casa?! No entanto, são muitas as anedotas que se fazem sobre a sogra. Interessante que o texto cita, somente ela, ignorando a esposa de Pedro. Estaria ele viúvo?!
O apóstolo Paulo, em suas viagens missionárias, dizia que ele tinha direito de levar consigo “uma esposa cristã”, como fazem os apóstolos, inclusive, Pedro (1 Cor 9,5).
Pedro tem uma “cultura limitada”. Falava o dialeto aramaico, como tantos outros povos e culturas. Não “pensava muito no que dizia” e “sem um raciocínio mais profundo”. Porém os membros do Sinédrio o admiram pela coragem em testemunhar a ressurreição de Cristo, embora fosse uma “pessoa iletrada” (At 4,5-13).
É o “protetor dos que querem comprar casa própria”. Se Jesus disse “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja” (Mt 16,18), por que não “pedir-lhe ajuda na compra de uma casa”?!
É o “santo da chuva”. Jesus lhe disse “dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus” (Mt 16,19). Ele é o “porteiro” da casa. Então, é a “ele que pediremos para chover ou cassar as inundações”.
Nas três listas dos apóstolos, é o primeiro a ser mencionado (Mt 10,2; Mc 3,16; Lc 6,14). Faz parte do grupo dos privilegiados (Pedro, Tiago e João) aos quais Jesus os leva ao Monte Tabor ((Mt 17,1-13), na ressurreição da filho de Jairo (Lc 8,40-56) e no Getsêmani (Mc 114,32-33).
Jesus o chama de “Feliz és tu, Simão, Filho de Jonas” (Mt 16,17), outorga-lhe o cuidado do rebanho (Jo 21,15-19), o poder de ligar e deligar e, sobre ele (pedra) construirá sua Igreja (Mt 16,18-19).
Líder nato é o primeiro a responder às perguntas de Jesus (Mt 18,21; 19,27), especialmente, no que se refere à messianidade ( Jo 6,68; Mt 16,16).
Com todo esse “acesso fácil”, tem a ousadia e o atrevimento de sugerir o número de vezes que devemos perdoar o irmão (Mt 18,21) e de propor-lhe que não vá a Jerusalém se lá será preso e sofrerá o suplício da cruz (Mc 8,31-33).
De temperamento impulsivo, pede para andar sobre as ondas tumultuadas (Mt 14,28), corta a orelha de Malco com a espada (Jo18,10); em ambos os casos não pensa nas consequências.
Em algumas de suas atitudes, mostra-se volúvel como no Lava-pés: “Tu nunca me lavarás os pés” até ao “então, lava-me por inteiro” (Jo 13,8-11).
Homem prestativo: no Monte Tabor, prontifica-se a construir três tendas (Mt 17,4) e, na pesca milagrosa, diz: “Trabalhamos a noite toda e nada apanhamos, mas em atenção à tua palavra, lançarei as redes” (Lc 5,5). Pedro pecador! Iniciou sua caminhada de apóstolo, declarando-se pecador: “Afasta-te de mim que sou pecador” (Lc 5,8), isto é, ente mim e Ti há uma grande distância de santidade.
Terminou sua vida, segundo a tradição da Igreja, crucificado de cabeça para, isto é, “não mereço morrer de cabeça erguida porque traí o Mestre, homem justo e inocente”.
Por fim, um homem de coração sensível. Jurou que não trairia Jesus e, até, morreria por Ele. No entanto, o negou três vezes, jurando que não o conhecia (Mc 14,66-72). Quando o galo cantou, o olhar de Jesus encontroou o de Pedro e este “chorou amargamente” (Lc 22,60-62).
Após a Ressurreição, Cristo lhe pergunta, três vezes, se O amava. Na terceira vez, “ficou triste” sem dúvida, recordando as três negações. Encontrou forças para o perdão e disse: “Senhor, Tu sabes tudo, sabes que te amo”. A resposta foi “siga-Me”, indicando o tipo de morte com a qual iria “glorificar a Deus” (Jo 21,15-19). O estilo de vida de Pedro e o contínuo processo de “apaixonar-se pelo Mestre” – é e pode ser percorrido por todos os homens de “boa vontade” (Lc 2,14). Por isso, é um protótipo da vida do povo.
FREI LUIZ IAKOVACZ