Vida Cristã - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

As tentações de Jesus  –  Considerações bíblicas

10/03/2022

Mosaico na Basílica São Marcos de Veneza (domínio público)

Frei Luiz Iakovacz

Comparando os Evangelhos entre si, percebemos que João não fala das tentações e Marcos, apenas, as cita em dois versículos (1,12-13). Já Mateus (4,1-11) e Lucas (4,1-13) as relatam, pormenorizadamente.

Elas aparecem no início da vida pública de Jesus quando, teria, aproximadamente, trinta anos (Lc 3,23). É o Espírito quem conduz Jesus ao deserto para ser tentando por Satanás. Sendo assim, elas fazem parte do Plano da Salvação.

Em Marcos, observam-se dois pormenores: Jesus “vivia entre as feras e os anjos O serviam”. Segundo alguns exegetas, seria uma alusão à harmonia que existia no Paraíso entre os seres humanos e os animais” (Gn 2,18-20). Eles podiam desfrutar de tudo, menos de comer os frutos ou até de “tocar na árvore da ciência do bem e do mal. No dia em que tocardes, morrereis”.

Na tentação, Satanás – ´pai da mentira´ (Jo8,44) – inicia a conversa, perguntado se era verdade que Deus os proibira de comer os frutos de todas as árvores. Já começa mentindo. Ao receber a resposta correta, acrescentou: “De maneira nenhuma morrereis! Sereis como deuses, versados no bem e no mal” (Gn 2,7-9; 3,1-7).

A astúcia e a mentira de Satanás são perigosas porque incitam e envolvem o ser humano na prática do mal, sob a aparência de algo prazeroso ou que lhe traga vantagens pessoais.

Deus tem outro modo de agir: concede ao homem a liberdade de escolher e fica feliz que quando este reconhece que não é Deus, mas criatura e, portanto, limitado e sujeito a quedas. E, se estas acontecerem, não o abandona, ao contrário, busca-o e o incentiva a permanecer na prática do bem.

Se os “anjos O serviam” significa que Deus está presente nas tentações e fortalece quem as sofre.

As mesmas tentações que Israel sofreu no deserto, se repetem nas de Cristo. Lá, o povo sucumbiu; aqui Cristo as vence. O meio utilizado é o mesmo: a observância da Lei Mosaica, a Torá.

No deserto, Israel murmurou porque não tinha pão, carne e água (Ex 16,1-8; 17,1-8), questionando o próprio Deus: “Ele está no meio de nós ou não”. Outros queriam eleger um chefe e voltar ao Egito (Nm 14,1-4).

Jesus, mesmo faminto, venceu a tentação com as palavras da Torá: “Não só de pão vive o homem, mas de toda a Palavra que sai da boca de Deus” (Dt 8,3).

Israel não resistiu à idolatria e fabricou um Bezerro de Ouro, ofereceu-lhe holocaustos e rezava “Foste tu que nos tiraste do Egito (Ex 32,1-6).

Jesus, com a Torá, vivencia e refuta idolatrar dinheiro e poder: “Só a Deus adorarás” (Ex 20,5-6; Dt 6,13).

Satanás é esperto e conhece as Escrituras. Na tentação de lançar-se do pináculo do Templo, Cristo faria uma apresentação pirotécnica, nada lhe aconteceria porque os “anjos o levariam nas mãos para que teus pés não tropecem” (Sl 91,12). Tal proeza extasiaria o povo, deixando-o boquiaberto.

Novamente, com a Torá, Jesus é vitorioso: “Não tentarás o Senhor, teu Deus” (Dt 6,16).

Vendo-se derrotado, mas não vencido, “Satanás deixou Jesus até o momento oportuno”. Não conseguiu derrotar Jesus antes de entrar em campo, no início de sua Vida Pública. Porém, em todos os momentos, tenta dissuadi-lo.

Esperto e oportunista que é, após a multiplicação dos pães (Jo 6,1-15), utiliza-se do povo que O aclama ´rei que resolveria todos os seus problemas´. Percebendo a tentação, despede a multidão e vai à montanha para ´conversar com o Pai´. Seria, mais ou menos assim: Pai! Que faço?! Deixo-me guiar pelo povo?! Qual é o teu Reino?! E o Pai lhe disse: trabalhai não só pelo pão que perece, mas, também, por aquele que dura eternamente (cf. 6,27).

O mesmo acontece na entrada triunfal em Jerusalém onde o povo O acolhe festivamente e com gritos de ´Filho de Davi/ Rei dos Judeus/Messias´!  Tinha tudo para reinar, formar um exército e derrotar os romanos. Mas sua postura é outra: durante o dia ensina no Templo e, à noite, refugia-se nos arredores de Jerusalém (Lc 21,37-38).

Sem êxito, Satanás continua suas investidas, agora, utilizando-se de dois apóstolos: o zelote Judas e o confesso pecador Pedro. O primeiro pressiona para que Jesus se decida em ser rei dos judeus e expulse os romanos. Chega, até, a fazer um pacto com as autoridades. Ao entrega-lo com um beijo, Jesus o chama de “amigo” (Mt 26,50).

O outro, Satanás de apossa dele, contra Jesus: “Simão, Simão! Eis que Satanás me pediu, insistentemente, para te peneirar como trigo. Eu, porém, rezei por ti, para que tua fé não desfaleça” (Lc 22,31-32).

No entanto, a maior tentação é o desafio das autoridades religiosas: “Se, de fato, és o Rei dos Judeus, se és o Messias, desça da cruz e, então, creremos em ti” (Mc 15,31-32).

Ele não desceu; ao contrário suplicou: “Pai, perdoai-lhes… eles não sabem o que fazem” (Lc 23,34).

Estas considerações mostram um Jesus vencedor das tentações, não fazendo uso do seu poder sobrenatural, mas vencendo o mal pela prática do bem, tendo Deus e seu Reino com centro de sua vida.

É um apelo para que nós, também, “busquemos, em primeiro lugar, o Reino de Deus e sua Justiça e tudo o mais vos será dado de acréscimo” (Mt 6,33). É a teoria/ação que se dão as mãos.


Frei Luiz Iakovacz, OFM, é frade desta Província da Imaculada Conceição e vigário paroquial na Paróquia Santa Clara de Assis em Colatina (ES). 

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