Frei Luiz IakovaczNormalmente, enquanto a criança é amamentada, o olhar dela procura o da mãe e, ambas, entre murmúrios e sons indecifráveis, falam a linguagem do amor, só entendida pelo coração. Jesus diz que o “olho é a lâmpada do corpo. Se o olho for puro, todo o corpo ficará iluminado” (Mt 6,22).
No transcorrer dos 56 anos de atividade, a Campanha da Fraternidade continua refletindo questões internas e externas da Igreja (ver), iluminando-as com a Bíblia (julgar) e sugerindo pistas de ação (agir). Sem excluir este paradigma, a CF/2020 debruça-se nas perguntas “Quem é meu próximo” e “Que devo fazer”?! (Texto-base p. 12, 3-4).
O pano de fundo é a Parábola do Bom Samaritano (Lc 10,25-37). A Lei Mosaica (Toráh) está diluída nos cinco livros do Pentateuco e nos 613 preceitos, acrescidos pela tradição. É um campo imenso. Os fariseus e doutores da Lei aplicavam-se em conhecê-los e se tornaram zelosos defensores e propagadores dos mesmos.
Mesmo que a pergunta, dirigida a Jesus, era para “pô-lo à prova” (v. 25), faz sentido a questão colocada pelo interlocutor: Qual é a essência de tudo isso?! Ele já o sabia, pois ele mesmo a responde (v. 27). Mas, querendo justificar-se, pergunta “Quem é meu próximo”?!
Como resposta, Jesus conta a parábola cujo ensinamento vai além da Toráh e tradições: o próximo ultrapassa os conceitos de sangue, nacionalidade e religião. “Próximo é todo aquele que se aproxima do outro e se compromete com ele” (Texto-base p. 13).
O sacerdote e o levita poderiam ter seus motivos para não socorrer aquele que fora assaltado. Talvez, porque “tinham compromissos”… o primeiro era responsável pelos holocaustos e, o outro, pela animação litúrgica e pela funcionalidade do Templo. Pode ser, também, que não o socorreram porque poderiam contaminar-se (Lv 21,11), ou porque não queriam interromper a viagem.
O samaritano, inimigo dos judeus, viu, aproximou-se, compadeceu-se, prestou os primeiros socorros, levou-o à hospedaria, cuidou dele, pagou as despesas e, ao retornar da viagem, tornaria a vê-lo (vv. 33-34).
Todo esse processo aconteceu porque “encheu-se de compaixão”. A etimologia desta palavra grega é “sofrer com – padecer com” o outro; significa, também, entranhas, vísceras. É diferente do “ter dó”. Este é um sentimento ocasional como, por exemplo, andando pela rua, alguém vê um necessitado, dá-lhe uma esmola e segue seu caminho. Essa compaixão não cria vínculos que comprometa as “entranhas”.
Ao contrário, Jesus quando “viu a multidão faminta” (Mc 8,2) sentiu compaixão; o mesmo sucede quando a viu “abatida como ovelhas sem pastor” (Mt 9,36). É como se tirasse uma foto e fosse impressa em suas entranhas/coração. Impossível esquecê-la porque começou a fazer parte de sua vida… é algo estrutural!
Quem tem esta postura de vida, ao ver o enterro do filho único de uma viúva, se aproxima dela e diz “não chore” (Lc 17,11-17). São palavras comprometedoras e solidárias e não simples jargão que o vento leva. O mesmo acontece no caminho do Calvário: as mulheres, ao vê-lo em tão lastimável estado, choram. Ele, esquecendo-se de si próprio, as consola dizendo que chorem por elas e seus filhos (Lc 23,27-28).
O Evangelho, por duas vezes, diz que Jesus chorou. A primeira foi diante do túmulo de seu amigo Lázaro. Ao ver as irmãs Marta e Maria chorando e, com elas o povo – Ele também chorou (Jo 11,35). É um amor, não expresso em “palavras, mas em atos e na verdade” (1 Jo 3,18).
A outra foi quando viu a cidade de Jerusalém. Chorou por causa de sua maldade e ingratidão: “Ah! Jerusalém que matas os profetas (…) quantas vezes quis reunir teus filhos como uma galinha reúne seus pintinhos e tu não quisestes” (Mt 23,34-35).
Há, também, o olhar de indignação. Certa ocasião, Jesus estava na sinagoga. Os fariseus o observavam se iria curar alguém, em dia de sábado, a fim de acusá-lo. “Jesus lançou sobre eles um olhar de indignação e tristeza” (Mc 3,5). Seria, mais ou menos, dizer-lhes: “Não me conformo que vocês valorizem as tradições sabáticas mais do que quando o Criador o instituiu… para vocês, são mais importantes que a vida”!
Este novo olhar da CF compromete a todos. Quem o assume, torna-se mais samaritano. Caso contrário, corre-se o risco da indiferença, como aconteceu com o sacerdote e o levita.
Em 2013, ao visitar Lampedusa para ver de perto a situação dos refugiados, o Papa Francisco exortou a todos para vencerem a “globalização da indiferença. (…) Se não somos capazes de perceber a desumana dor que existe ao nosso redor, também nós nos tornamos desumanos”.