Frei Luiz Iakovacz
Para os que primam pela exatidão científica, especialmente os ocidentais, 40 anos são a sucessão matemática de dias, meses e anos. Para outros – como, por exemplo, o povo da Bíblia – 40 anos indicam a duração de uma geração, ou o tempo necessário para uma “mudança de mentalidade”.
Quando o povo hebreu saiu do Egito, após longos anos de escravidão – 430 anos como narra Ex 12,40 -, sua cabeça estava “contaminada” pelos costumes daquele país. Era normal pensar que, na sociedade, alguns seriam ricos e mandavam, enquanto a maioria devia trabalhar em regime de escravidão. O politeísmo era uma prática religiosa comum, bem como venerar o Faraó como “deus” e obedecê-lo cegamente. Os que exerciam funções religiosas estavam a serviço e na defesa deste “status quo”.
Outros costumes também foram sendo assimilados durante a escravidão egípcia.
O projeto de Deus, fundamentado numa religião libertadora e na construção de uma sociedade justa e igualitária (cf. Ex 19,1 – 24,11), não combinava com a “cabeça” daqueles que saíram do Egito. Por isso, Deus os leva para o deserto e durante 40 anos, entre provações e gestos amorosos, procura “convertê-los” ao seu projeto. Não foi fácil porque murmurações e revoltas eram constantes (Ex 16,1-5; Nm 14,20-38) e, acima de tudo, as tentativas de escolher um chefe que os fizesse “voltar ao Egito” (cf. Nm 14,1-4; Ex 16,1-3), isto é, viver no mesmo sistema anterior.
Javé (= aquele que é presença libertadora no meio do povo), com a paciência histórica que lhe é própria, tenta educar seu povo dentro deste novo jeito de viver em sociedade. Mas também não deixa de chamá-lo de “cabeça dura” (Dt 9,13) e que todos morreriam no deserto (Nm 14,33-35). Ninguém entraria na Terra Prometida, nem mesmo seu líder Moisés (Dt 34,1-12).
Este é um dos significados de “40 anos no deserto”. Um tempo de mudança de mentalidade que, na maioria das vezes, demora anos e – quem sabe! – até de gerações. O apóstolo Paulo assim se expressa: “Não vos conformeis com os esquemas deste mundo, mas transformai-vos pela renovação da mente para que possais conhecer qual é a vontade de Deus” (Rm 12,2).
Quaresma (= 40 dias) é tempo propício de conversão. Normalmente, somos convidados a abandonarmos os vícios (fumo, bebida, prostituição, drogas), a não ficarmos indiferentes diante dos problemas sociais (corrupção, fome, tráfico humano, crimes ecológicos), ou de professarmos uma fé em sintonia com a vida.
Tudo isso é válido, mas não deixemos de lado a “mudança de mentalidade”. Ela é mais difícil do que o abandono de vícios ou a prática do jejum, esmola e oração.
“40 anos no deserto” significa, também, semear o projeto de Deus, cujos frutos só as próximas gerações colherão. “Quem perseverar até o fim será salvo” (Mt 10,22).