Notícias - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Vida e itinerância franciscana

18/12/2024

Notícias

A vida religiosa em fraternidade exige um olhar atento e piedoso a cada detalhe que compõe o que podemos chamar de uma grande família que tem a missão de anunciar o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Como um grande núcleo social, a Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil reúne irmãos distribuídos em territórios que, reunidos, formam uma das células da Ordem dos Frades Menores.

Imaginemos uma grande rede, assim como a de Pedro lançada no lago Genesaré a pedido de Jesus: “Avança mais para o fundo, e ali lançai vossas redes para a pesca” (Lc 5,1-4). Em cinco estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina), com 41 fraternidades e, além-fronteiras, por meio da FIMDA (Fundação Imaculada Mãe de Deus), com 5 fraternidades, a Província soma atualmente 266 frades em terras brasileiras e 85 em território angolano, ou seja, são 351 pescadores de homens que, assim como Tiago e João, deixaram tudo e decidiram seguir Jesus. (Lc 5,10-11)

Como toda família que se empenha para a manutenção de uma vida fraterna em harmonia, em novembro deste ano, 107 frades reuniram-se, em Capítulo, no Seminário Santo Antônio, em Agudos (SP), durante 9 dias,  para rever aspectos relevantes da vida na Província nos últimos 3 anos de trabalhos com o atual Ministro provincial, Frei Paulo Roberto Pereira; atualizar a dinâmica das atuações das fraternidades, dos cuidados, da formação, da economia; e anunciar os caminhos, as mudanças e o compromisso com o povo de Deus a partir do carisma e da espiritualidade franciscana.

Naquele momento, o sentido de territorialidade dos frades também foi discutido de forma mais ampla. Para todo caminhante o sentimento de pertença vai além do espaço físico que ocupa, pois sua identidade está vinculada ao jeito de ser franciscano, chagado pelo amor, peregrino da esperança.

Vida e Ordem franciscana

A vida de um frade franciscano é doação, entrega, fidelidade e compromisso. São Francisco de Assis acreditava na capacidade humana de transformar o mundo a partir do olhar claro e fecundo d’Aquele que transbordou amor por todas as suas criaturas.

As experiências vividas, a guerra e as ofertas envolventes de uma vida regada pelo poder vinculado a posses fizeram com que o Santo Seráfico abrisse seu coração para a grandeza do ser. Para isso, o caminho foi árduo, de desprendimento de posses e ambições, voltando-se para a vivência do Evangelho, pois ali estava a essência, a luz para uma vida consagrada no seguimento de Jesus Cristo, como peregrino e servo de Deus que assumiu a missão de levar o amor.

Outros irmãos encontraram em São Francisco a identidade e motivação que procuravam para seguir em uma jornada de propagação da Palavra por meio de ações e testemunho. Eles também foram marcados por aquele que se entregou a um amor que deixou marcas em seu corpo, um amor sem limites aos pobres e à pobreza. Assim como São Francisco, imergiram, acreditaram, viveram e marcaram a história da Ordem dos Frades Menores.

Na atualidade, mesmo após mais de 800 anos, essa história continua sendo fonte de inspiração para jovens que sonham com um mundo melhor e acreditam que, como cordeiros de Deus, podem ser e dar sentido à própria vida e à vida de muitos homens, mulheres, jovens, adultos, crianças e idosos que olham para um frade e conseguem ver nessa figura referências de amor, simplicidade, caridade e esperança.

Mas, como manter não apenas a história, mas também todo o jeito de ser franciscano diante de tantas mudanças impostas por um mundo do consumo, dos privilégios, das tecnologias que apresentam ambientes diversos, impactantes, volúveis e superficiais? Como voltar-se para o amor num cenário mundial de guerras, nas quais os cifrões valem mais que vidas humanas, animais e ambientais?

Em sua “Carta a todos os frades da Ordem”, o Ministro geral, Frei Massimo Fusarelli, também reflete sobre as mudanças do mundo e os impactos na vida religiosa:

“Parece-me que também conhecemos a tentação dos exilados da Babilônia. A mudança de época e a mutação antropológica em ação nos obrigam a repensar como compreendemos o nascer, o viver e o morrer; os incríveis avanços no campo da ciência nos obrigam a repensar – também graças a um compromisso mais generoso e sistemático com os estudos em vista da missão – a nossa identidade, o nosso lugar no mundo e a nossa vocação à transcendência. O declínio das vocações em algumas áreas e sua elevação em outros lugares, juntamente com os desafios que atingem a paz, a nossa casa comum e a liberdade religiosa, pedem de nós muito discernimento para reconhecer a presença e a ação do Senhor entre nós e ao nosso redor”.

É como se abríssemos uma janela e nos deparássemos com um visual confuso e precário, repleto de ressignificações da essência da vida e da humanidade que não deveria ser alterada, pois nela está a garantia da nossa existência. Não foi em vão que Deus nos deu o sopro da vida.

Por isso, São Francisco de Assis, por meio de seus exemplos e sua peregrinação/itinerância, semeou amor. E, junto dele, outros frades peregrinos assumiram e viveram essa missão de desprendimento e obediência.

No Dicionário Franciscano, a Regra Bulada (1223) e o Testamento de São Francisco são claros quando dizem que: “Os irmãos não tenham propriedade sobre coisa alguma, nem sobre casa, nem lugar, nem outra coisa qualquer; mas, como peregrinos e viandantes (ou forasteiros) que neste mundo servem ao Senhor em pobreza e humildade, peçam esmolas com confiança; disto não se devem envergonhar porque o Senhor se fez pobre por nós, neste mundo”.

Temos consciência de que os escritos de São Francisco dizem respeito a um período no qual os mecanismos de relacionamento sofriam interferências da pouca evolução da época no que diz respeito à comunicação, transporte e economia. Eram outros tempos… No entanto, o jeito de ser franciscano não deveria ser corrompido pelas mudanças, pois este tem como base o Evangelho.

Saber discernir implica ter olhos para observar o passado, as origens, e ver no cenário atual onde está a identidade franciscana, assim como no quanto irmãos e irmãs precisam da presença de Deus por meio do carisma da espiritualidade apresentada pelos frades para encontrar o verdadeiro amor na simplicidade, no desapego e na observância. “Caríssimos, eu vos exorto como a migrantes e forasteiros: afastai-vos das paixões humanas, que fazem guerra a vós mesmos.” (1Pd 2,11)

Em sua reflexão, Frei Massimo Fusarelli diz: “A obediência não é apenas um sim formal a uma transferência de vez em quando. É uma questão de pertença recíproca, de confiar e entregar-se à fraternidade, de ‘carregar cada dia a santa cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo’. Se não encontrarmos juntos este vínculo, que não é opcional, estamos fora do espírito e da vontade de Francisco e nossa fraternidade desmorona. Não é fácil viver assim quando tantas sereias do nosso tempo nos dizem ‘seja você mesmo’, empurrando-nos para um desenvolvimento individual absoluto e desvinculado dos outros, sem luta e transcendência.”

Assim como a itinerância, a alternância também faz parte da vida do franciscano, como um movimento inspirador para que seja possível vivenciar experiências que somem à sua caminhada religiosa e o façam viver de fato a sua escolha de seguir os passos de Jesus Cristo, a partir dos exemplos e das regras deixadas pelo Santo Seráfico.

“Não aprenderemos, talvez, a arte de nos tornarmos irmãos e menores justamente nos lugares de fratura e não em ambientes protegidos e distantes da realidade? Por isso, recoloquemo-nos como peregrinos e forasteiros nas estradas do povo de hoje, sobretudo naquelas que são mais poeirentas e difíceis, e o caminho do Evangelho se abrirá”, salientou o Ministro Geral em sua carta.

O vasto campo repleto de terras férteis a serem semeadas e fortalecidas no território que abrange a Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, é composto por frades com diferentes idades e percepções sobre o mundo, chamados a viver como peregrinos. Independentemente de onde estiverem e do tempo que permanecerem, a itinerância fortalecerá sua caminhada religiosa, pois, como peregrinos, serão sempre referência para todos que buscam o carisma e a espiritualidade franciscana.


Adriana Rabelo