Três conselhos de Frei Clarêncio ao neopresbítero Frei Leandro
10/02/2019
Érika Augusto
São Paulo (SP) – Ter um coração agradecido, dar sem esperar recompensa e encher-se de Deus: foram os três conselhos oferecidos por Frei Clarêncio Neotti a Frei Leandro Costa, que celebrou na manhã deste domingo (10) suas Primícias na Paróquia Nossa Senhora Rainha dos Apóstolos, Zona Sul de São Paulo. Ele foi ordenado presbítero neste sábado (9) por Dom Fernando Figueiredo. (VEJA MAIS)
Reuniram-se para participar deste momento de ação de graças o Ministro Provincial, Frei César Külkamp; Frei Diego Melo, do Serviço de Animação Vocacional; Pe. Mauro Jr. Campos Pereira, da Paróquia Rainha dos Apóstolos, Pe. Francisco das Chagas, da Diocese de Santo Amaro; frades, religiosas, religiosos, familiares, leigos, paroquianos e amigos de Frei Leandro, vindos de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
Como é tradição, o neopresbítero convida um pregador para a homilia da primeira Missa. A tarefa foi destinada a Frei Clarêncio Neotti, que morou na mesma Fraternidade de Frei Leandro Costa, Divino Espírito Santo, em Vila Velha (ES) e por quem o neopresbítero tem muito carinho.
Frei Clarêncio, de 84 anos de vida, aconselhou o jovem frade, explicando que a palavra sacerdote significa dom sagrado e, por ser um dom, deve ser agradecido. “Todos os dias de sua vida serão poucos para agradecer este presente”, assegurou o experiente frade, com 58 anos de ministério sacerdotal. “O dom do sacerdócio não é um ornamento. Ele é um dom e traz consigo a chave que abre os cofres da graça misericordiosa de Deus a quantos pedirem”, acrescentou.
Sacerdote não é represa, é rio
Frei Clarêncio afirmou que o padre não pode ser uma represa, mas um rio que corre para fecundar todas as margens por onde passa. “O sacerdote tem uma missão substantiva, a doação. É condição de Deus para ser dada, não vendida. O sacerdote conjuga o verbo dar em todas as pessoas e tempos”, aconselhou. “Padre que não se doa apodrece estagnado”, alertou.
Frei Clarêncio recordou as palavras de Frei César a Frei Leandro no dia anterior. O Ministro Provincial exaltou os inúmeros dotes do jovem franciscano, como o talento para a música, o desenho e as boas relações. “Faça destas qualidades o combustível do verbo dar, do verbo apascentar. Não esqueça que na palavra sacerdote está o substantivo dom, do verbo dar”, aconselhou.
O pregador afirmou ainda que é necessário corrigir a tendência natural de esperar recompensa. Segundo ele, é necessário um coração que não espere aplauso ou aprovação, nem mesmo recompensa – seja ela humana ou divina.
Não ser uma caixa d’água vazia
O terceiro conselho de Frei Clarêncio foi para que o sacerdote deixe-se divinizar, encher-se de Deus. E usou uma expressão que ouviu quando ainda estava no seminário: não ser uma caixa d’água vazia. “A criatura humana sozinha, por mais qualidades que tenha, no sacerdócio se parecerá um carro sem combustível, uma caixa d’água vazia, que não dará água a ninguém”, apontou.
Ele acrescentou que a água, que deve encher a caixa d’água e abastecer toda a comunidade, é Deus. Por isso, o sacerdote deve encher-se de Deus, para que ele possa contagiar os que estão ao seu redor. “O dom sagrado que você recebeu pressupõe o enchimento continuado vindo de fora. Você não é padre sozinho, você precisa sempre encher-se de Deus”, pediu o confrade.
Em seguida, Frei Clarêncio afirmou que quebraria o protocolo da celebração. Ele contou que quando estava saindo de Roma, onde trabalhou por nove anos na Cúria Geral da Ordem dos Frades Menores, foi cumprimentar o Papa São João Paulo II e partilhou que estava celebrando seu 50º aniversário de sacerdócio. O Pontífice, então, entregou-lhe uma estola – a mesma que Frei Clarêncio estava usando naquele momento. Num gesto de carinho, o pregador deu sua estola a Frei Leandro Costa, que a vestiu imediatamente. O momento foi sucedido de um longo abraço entre os confrades, acompanhado com muita emoção por toda comunidade reunida.
Por fim, Frei Clarêncio pediu ao jovem frade, inspirado no evangelho do dia: “Reme e deixe o milagre por conta de Deus”, concluiu.
Os joelhos que rezam, os pés que caminham e as mãos que trabalham
No final da celebração, Frei Diego Melo agradeceu os frades, religiosas, religiosos e leigos que ajudaram no Tríduo e na semana missionária, debaixo de sol escaldante ou de chuva torrencial e por todos que rezam pelas vocações. E salientou o tripé fundamental para o bom andamento das atividades: “Os joelhos que rezam, os pés que caminham e as mãos que trabalham”. Frei Diego manifestou sua gratidão ao Pe. Mauro, que abriu as portas da Paróquia e de sua casa para acolher os missionários.
O grupo vindo de Vila Velha, local da primeira transferência de Frei Leandro, também fez o seu agradecimento pelos dois anos partilhados com a comunidade local. O Grupo Escudeiro, do qual o neopresbítero fez parte, também fez o seu emocionado agradecimento e sua homenagem.
Ao final da Missa todos foram convidados para um almoço oferecido pela comunidade local.
ÍNTEGRA DA HOMILIA
Jesus, meu Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que eu te amo.
Pedro, apascenta as minhas ovelhas (Jo 21,17)
O sermão da Primeira Missa Solene ou costuma ser um elogio do sacerdócio ou um momento de conselhos ao padre que começa seu ministério sagrado.
Preferi o segundo caminho. E meu primeiro conselho é que tenha sempre um coração agradecido a Deus. As leituras e o salmo responsorial de hoje apontam para o agradecimento. Até ontem você era como o profeta Isaías: um moço de lábios impuros, que procurava o Senhor. Ontem você foi sagrado sacerdote. Observe que esta palavra é composta de sacer e dos, que significam dom sagrado. Aqui está a razão principal do seu, de hoje em diante, permanente agradecimento. Você, que antes tinha lábios impuros, agora é um dom sagrado de Deus. Você aceitou este presente de Deus. Você pediu este presente de Deus. E Deus lhe deu. Ontem mesmo, ainda na cerimônia solene de sua ordenação, você agradeceu e até falou em “eterna gratidão” pelo sacerdócio recebido.
Todos os dias de sua vida serão poucos para agradecer esse presente, porque ele não é uma coisa de vestir um dia, de botar como enfeite na mesa. Ele é um dom que traz consigo a chave que abre os cofres da graça misericordiosa de Deus a quantos pedirem sua ajuda. É a mesma chave que costumamos ver pendurada nas estátuas de São Pedro. Um dom sagrado, portanto, a ser repartido e usado por todos que quiserem.
Lembre-se de São Francisco: no auge do sofrimento e da santidade, cercado pelo sol e pela lua que iluminam, pelo vento e pela água que purificam, pelo fogo da terra e pelos santos do céu, conclama a todos a “louvar e bendizer o Senhor e dar-lhe graças com grande humildade”. Que o “Obrigado, Senhor!” esteja sempre em seus lábios e em seu coração!
Digamos todos juntos: Obrigado, Senhor!
E aqui vai o segundo conselho: reparta sempre. Faça como José do Egito, que abriu as portas de todos os armazéns do reino. Revestido do dom sagrado, do sacerdócio, seja como o coração de uma mãe que, quanto mais se dá, mais tem para dar. Não seja represa. Seja rio que corre para todos. Não esqueça que a palavra dote, de sacerdote, pertence à família linguística do verbo dar. O sacerdote tem uma missão substantiva: doação. É doação de Deus para ser dada. O sacerdote conjuga o ver dar em todas as pessoas e tempos. A carne e o sangue do sacerdote são uma mistura do verbo dar, nunca esquecendo que uma de suas missões é o verbo perdoar, ou seja, dar a plenitude da graça.
Não só substantivo, não só verbo, o sacerdote traz consigo o adjetivo dado, porque o padre que não se doa, apodrece estagnado. Sua vida de padre necessariamente estará emoldurada pela doação, pelo dar sem medidas e sem olhar a quem, pela realização pessoal por ter-se dado. Você dará o batismo, dará a catequese, dará a Eucaristia, dará o perdão, dará consolo, dará bênçãos, dará o próprio Deus. Esta doação está inteiramente dentro da palavra que você escolheu como lema de seu sacerdócio: a palavra apascentar. Apascentar significa dar pasto, dar comida às ovelhas.
Todos temos fome de comida, fome de consolo, fome de bênçãos, fome de Deus. Você vai dar de comer, você vai apascentar. Olhe o verbo dar de novo. Você tem muito para dar. Você é uma pessoa bem prendada: canta bonito, prega com sentido, desenha com arte, preside com elegância, sabe ser amigo e irmão. Faça destas qualidades o combustível do verbo dar, do verbo apascentar. Não esqueça que na palavra sacerdote está o substantivo dom. E dentro do “obrigado” do primeiro conselho está pressuposto o “dar graças”. Ontem Dom Fernando lhe falava em solidariedade, que é o contrário de egoísmo. A solidariedade tem tudo a ver com a doação. Dê sempre, sem esperar receber. Dê sempre, sem esperar aplauso e aprovação. Dê sempre, sem mesmo esperar recompensa nem divina nem humana. Previno-o, com a autoridade de 58 anos de padre, que isso não é nem fácil nem agradável.
Porém – e aqui começo a lhe dar o terceiro conselho e o tiro do evangelho que lemos há pouco. O primeiro conselho foi agradecer; o segundo conselho foi dar. Para o terceiro conselho, lembro a cena do evangelho: Simão, André e seus sócios João e Tiago tinham muita experiência de pescadores. Tinham todas as qualidades de bons pescadores com rede. Trabalharam a noite inteira e nada apanharam.
O fato de você ser um homem prendado, ter muitas qualidades como as tinha Pedro e os companheiros, não significa que você seja automaticamente bom padre franciscano. Repito: ainda que você prometa e cumpra, como prometeu e tem condições de cumprir, o que disse semana passada no Site da Província, isto é: ter zelo permanente, entregar-se sem medida e servir integralmente. Ainda assim, sozinho e com todas as suas qualidades, você será um Pedro de redes vazias. No evangelho que lemos há pouco ocorreu a expressão que o Papa São João Paulo II repetiu dezenas de vezes em seus discursos e sermões ao longo do grande Jubileu do ano 2000: duc in altum. Altum, em latim, tanto indica a altura quanto a profundidade. E aqui vai meu terceiro conselho: todas as suas qualidades, que seriam certamente sucesso em outras profissões, no seu caso de sacerdote, não terão força de fazê-lo mais do que medíocre. O medíocre não tem nem altura nem profundidade.
A criatura humana sozinha, por mais qualidades que tenha, no campo do sacerdócio, se parecerá a um carro sem combustível. Ou, usando outra figura, a criatura humana se assemelha a uma caixa d’água. Pode ser grande, bem pintada, no alto da casa. Sozinha, não dará água a ninguém. É preciso encher a caixa de água vinda de fora. Você é uma caixa d’água sagrada, porque ordenado padre. Você assume a obrigação de dar água a toda casa. Mas para isso precisa receber água de fora. Este “de fora” é Deus. Sozinho você pouco fará com seu sacerdócio. Porque o dom sagrado que você recebeu pressupõe o enchimento continuado, vindo de fora. Você não é padre sozinho. Seria caixa sem água. Você precisa se encher sempre de Deus. Este é o terceiro conselho: deixe-se todos os dias divinizar, deixe-se replenar de Deus a ponto de o povo dizer de Você o que disse de São Francisco: “Possuía Jesus de muitos modos: levava sempre Jesus no coração, Jesus na boca, Jesus nos ouvidos, Jesus nos olhos, Jesus nas mãos, Jesus em todos os seus membros” (1Cel 115).
Vamos todos desejar juntos que Frei Leandro seja um sacerdote cheio de Deus. Repitam comigo: Frei Leandro, leve sempre Jesus no coração! Frei Leandro, leve sempre Jesus na boca! Frei Leandro, leve sempre Jesus nos ouvidos! Frei Leandro, leve sempre Jesus nos olhos! Frei Leandro, leve sempre Jesus nas mãos! Frei Leandro, dá-nos sempre e somente Jesus!
Meu primeiro conselho foi ter sempre um coração agradecido. Dona Francisca e Senhor Francisco, deixo o mesmo conselho para vocês como pais do Frei Leandro. Agradeçam sempre a Deus o dom sagrado que Deus concedeu a seu filho. E agradeçam daqui para frente, todo o bem que ele fará usando, o sacerdócio. Agradeço em nome da Província e de toda a Igreja a doação que fizeram do filho.
O segundo conselho foi a doação, porque o exercício do sacerdócio é uma doação contínua. Dona Francisca e Senhor Francisco, repasso a vocês dois o mesmo conselho. Na sua oração, repitam diariamente este gesto generoso de doação.
Vou quebrar o protocolo de um sermão de Primeira Missa. Quando eu disse ao Papa João Paulo II que eu ia completar 50 anos de padre, ele me deu (verbo dar!) uma estola, símbolo do sacerdócio, que uma paróquia lhe havia dado (verbo dar!). Hoje eu a dou (verbo dar!) a Você, para que sempre se lembre que o verbo dar deve estar tão presente em sua vida de padre, como o sangue está presente e atuante nas veias de seu corpo.
O terceiro conselho foi a parceria com Jesus-Deus. É palavra de Jesus na Última Ceia: Sem mim nada podeis fazer (Jo 15,5).
Frei Leandro, ontem você disse a Deus diante de toda a comunidade, como o profeta Isaías: Eis-me aqui! Aqui estou. Foi um admirável gesto de doação. Que sua vida toda seja a vivência desse gesto, sempre repetido cada dia com novo ardor e novo vigor. Todos nós dizemos a Deus com o salmista: Obrigado, Senhor, de todo o coração, pelo sacerdócio de Frei Leandro.
E dizemos a Você: com Jesus, sempre com ele e com Pedro, reme o barco de sua vida, agora como sócio e apóstolo do Senhor! Faça a sua parte e deixe o milagre por conta Dele!
Frei Clarêncio Neotti