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“Temos que construir uma civilização que abrace a vida”, diz Mosé na Semana de Filosofia Vozes

25/11/2020

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A mestre e doutora em Filosofia, Viviane Mosé, foi a segunda convidada, nesta terça-feira (24/11), da Semana de Filosofia Vozes, que vai até sexta-feira (27), no canal YouTube da Editora Vozes. Natália França conduziu o encontro às 18 horas.

Uma das principais autoras da Vozes falou sobre o tema “Nietzsche e as grandes questões da atualidade”. Segundo ela, Nietzsche é o autor mais próximo dos desafios que vivemos.

Entre os temas abordados pela autora, dois delas estão no topo dos assuntos dessa atualidade: as fake news e a pandemia provocada pelo novo coronavírus.

Segundo Mosé, a manipulação do conhecimento hoje é explícita num fenômeno chamado fake news. “Mas ela sempre existiu. A manipulação do conhecimento é que marca a nossa história. O conhecimento é um fator de libertação e um fator social de submissão. Então, nós vivemos a crise do saber em si. O que significa isso? A crise da verdade, a pós-verdade. Você vê coisas absurdas sendo compartilhadas e alguém como eu, aos 56 anos, fica chocada. Pra mim é chocante ver as coisas que vejo em pessoas ditas cultas. Vivemos o caos. A verdade era uma coisa inventada, mas apesar da verdade ser sempre uma manipulação, existia um tecido social controlado por algumas forças que mantinha uma certa coerência”, explicou.

Mosé lembra que as universidades, as editoras, tudo isso era muito fixo. “Publicar na Vozes, na Civilização, em editoras antigas, você tem segurança. Hoje, não tem mais isso. Publica-se em qualquer lugar, infelizmente.  Mas ao mesmo tempo, felizmente, porque apesar de todo o sofrimento que temos, acredito que isso possa gerar uma sociedade menos polarizada, porque é a polaridade que marca a verdade. Quando eu digo que existe verdade, eu estou criando a sua posição e aí estou criando uma polaridade que hoje nos destrói. A polaridade que, no Brasil, levou-nos a essa situação política absurda que vivemos hoje. Um retrocesso de 50 anos no nosso pensamento, na nossa cultura, na nossa sociedade. As coisas que são ditas em rede nacional, por políticos eleitos, são absurdas. Vocês sabem disso. Por quê? Porque a verdade nunca existiu. Ela sempre foi um acordo de cavalheiros”, observou.

Segundo Mosé, como lembra no seu livro “Nietzsche hoje”, vivemos uma guerra antiga, mas com novas armas, novas estratégias: a guerra da informação se alimenta da guerra de nós contra nós mesmos. “Se o poder repressivo lhe oprime, a polícia, o exército, as armas, a coação física, no poder disciplinar você se oprime, se fere, luta contra si mesmo, mata a si mesmo, se autodestrói”.

“Nietzsche percebe isso, que a verdade é provisória. Leiam sobre ‘Verdade e mentira no sentido extra-moral’, o artigo mais importante de Nietzsche para mim. Dali que eu tiro o que há de mais fundamental. Ele percebe que a história da humanidade é a história de um erro. Qual é o erro? A ideia de verdade. Foi a ideia de verdade que criou a intolerância. Por que não podemos conviver com a diferença?”, acrescentou.

“O ser humano tem necessidade da ilusão, por isso cria a verdade. É sempre tendo em vista a utilidade que alguma afirmação é elevada à categoria de verdade. A civilização se sustentou em uma ideia de verdade que hoje desaba. O mundo digital colocou a verdade como mais uma imagem, que é o que sempre foi, uma ficção entre as outras, um exercício de poder. Esse erro grosseiro de utilizar as ficções da razão, que se sustenta na ideia de verdade, é que vai, segundo Nietzsche, provocar convulsões no futuro”, avalia Mosé.

Para Nietzsche, a realidade não é estática, porém mutável e complexa, a verdade não pode ser outra coisa que uma intuição, um tipo de acordo social, intuitivo, que realizamos a partir da necessidade que cria laços com outros humanos, evitando assim a perigosa vastidão que nos rodeia. Mas essa verdade também não é estática, ela muda, se transforma, porque a realidade muda, nosso olhar muda junto. O fato da gente já não acreditar que a terra é plana como acontecia na Idade Média (e em alguns casos “peculiares” do presente), ilustra perfeitamente o que foi dito anteriormente.

“A gente usa o pensamento e conhecimento como uma bolha para nos proteger de uma dor existencial, mas é afirmando a dor existencial que você cresce. Você fica maior e potente quando você lida com a finitude. Não adianta você criar uma vida em cima de roupa, sapato, nem de fama e nem de luta ecológica”, diz Mosé, acrescentando que isso não vai resolver. “Não, é mais um lugar que você está se escondendo. Porque, o mundo em si, ele acontece e desacontece. Nós nascemos e morremos. Mas nosso problema não é o mundo, não. O mundo é um jogo que acontece. O problema somos nós. É o nosso lugar no mundo. Essa consciência de si. Cada um traz um brilho, uma coisa, algo e existir dá conta disso. Mas a gente não quer dar conta disso. A gente quer ser rico, famoso, ter dinheiro, até se tornar uma pessoa como Gisele Bündchen, que é uma mulher exemplo de beleza, riqueza, casamento e filhos. E essa mulher está ganhando mais dinheiro ainda lançando um livro sobre depressão e sobre síndrome do pânico. Então, se ela tem síndrome do pânico, tudo que ela representa deveria não ter valor para a gente. Então, nós precisamos de algo que não estamos buscando. Nós precisamos de vida”.

A CIVILIZAÇÃO EM RISCO

Segundo Mosé, nós vivemos um momento de absoluta desintegração da civilização. “O coronavírus é apenas algo que pode eliminar a própria civilização. Nós tomamos rumos tortos. Então, é hora de a gente olhar para o mundo com outro olhar.

O que o coronavírus está dizendo é que a civilização é uma bolha e ela precisa ser desfeita como bolha. Ou a gente constrói uma civilização próxima à natureza, abraçada a ela, ou não teremos civilização. E nós sabemos que nossa civilização odeia natureza. Eu não gosto do meu nariz, do meu cabelo, da minha roupa e aí vai num grau que a gente não suporta”.

“O vírus sem hospedeiros, sem a mata, hospeda-se no homem. Essa é a questão. Nós estamos sendo invadidos por forças que não têm mais espaços na natureza. Essa crise que estamos vivendo hoje, essa gravíssima crise, ela nos mostra literalmente que temos que construir uma civilização que abrace a vida”.

Esse é o nosso desafio: viver em rede, afirmar a diferença, julgar menos outros, entender e valorizar a diferença. Somos um campo de forças. Nós, a identidade do sujeito não existe, isso está no meu livro “Nietzsche, a grande política da linguagem”. O sujeito, cada um de nós, é campo. Tem muitos lados em mim. Todos operam em mim. Inclusive um lado muito obscuro e tenebroso. É ele que tento todos os dias guardar, processar, elaborar, para que eu seja uma pessoa melhor com os outros. Então, ninguém é bom. Nós temos coisas dentro de nós extremamente obscuras. Tenha consciência disso e elabore o seu obscuro para se tornar uma pessoa melhor.


VIVIANE MOSÉ é capixaba e vive no Rio desde 1992. Psicóloga e psicanalista, mestra e doutora em Filosofia, especialista em Elaboração e Implementação de Políticas Públicas, tem 11 livros publicados e foi duas vezes indicada ao Prêmio Jabuti, pelos livros Stela do Patrocínio e A escola e os desafios contemporâneos. Escreveu e apresentou o quadro Ser ou Não Ser no Fantástico da TV Globo, em 2005 e 2006. Fez comentários diários na Rádio CBN durante 6 anos. É sócia da Usina


PROGRAME-SE

25 de novembro
“A sociedade do cansaço em Byung-Chul Han”
Com o filósofo Lucas Machado
Às 18h
No canal da Editora Vozes: youtube.com/editoravozes

26 de novembro
“A Vida que Vale a Pena Ser Vivida”
Com o autor Clóvis de Barros Filho
Às 18hNo canal da Editora Vozes: youtube.com/editoravozes

27 de novembro
“A vida para além de si mesma: ninguém é insubstituível?”
Com o autor Mario Sergio Cortella
Às 18hNo canal da Editora Vozes: youtube.com/editoravozes

Adquira as obras dos autores no site: www.livrariavozes.com.br