“Sinto raiva, mas não mordo”, diz o Papa às crianças
31/12/2015
Cidade do Vaticano – Ao ser questionado se “ficava com raiva de algo”, o Papa Francisco afirmou que isso acontece. “Sinto raiva, mas não mordo. Às vezes, fico com raiva quando alguém faz algo que não está certo, mas aí eu paro e penso nas vezes que eu também deixei os outros bravos”, disse nesta quinta-feira (31) na última Audiência em 2015. Ele falou a um grupo de mais de 6 mil integrantes dos grupos de Pueri Cantores do mundo inteiro, reunidos em Roma para o Congresso mundial. Francisco, respondendo às perguntas das crianças de maneira improvisada, disse que “a raiva é venenosa e envenena a alma. Ficar com raiva é uma coisa que faz mal não só para as outras pessoas, mas a si mesmo. Tem gente que tem a alma amarga porque vivem sempre com raiva. Parece que escovam os dentes com vinagre em todas as manhãs. Isso é uma doença”, falou aos pequenos.
Para Francisco, é algo normal “se algo acontece de errado, ficar nervoso”. Mas, ele afirmou que “ter o hábito de viver assim, de gritar aos outros, é um veneno”.
Francisco foi perguntado se sabia cantar e arrancou risos da plateia. “Eu gosto de ouvir os outros cantarem, mas eu pareceria um asno cantando porque não sei cantar, nem falar bem porque tenho um defeito no modo de falar, na fonética. Mas gosto muito de ouvir cantos”, revelou.
Segundo Francisco, o hábito de gostar de música foi fomentado por sua mãe, já que ouvia muitas canções clássicas desde pequeno. Contando uma história de sua infância, o Papa argentino disse que sua mãe colocava ele e seus irmãos “às 14h, sentados em frente ao rádio, para ouvir a transmissão de uma ópera”.
Ressaltando a importância do projeto, o Papa disse que o “canto educa e faz bem a alma”. “Por exemplo, quando a mãe quer colocar o filho para dormir, ela canta e o bebê fica tranquilo e dorme. Santo Agostino disse um frase muito bonita falando da alegria da vida cristã: cante e caminhe”, destacou.
O Papa voltou a arrancar risos ao responder qual era a profissão dos seus sonhos quando criança. “Se eu disser a verdade, vocês vão rir. Mas, vou falar. Quando era pequeno, eu ia ao mercado, mais com a minha avó do que com minha mãe, para fazer compras. Não tinha naquele tempo os grandes supermercados ou a televisão. O mercado ficava na beira da estrada e tinham locais que vendiam carne, as verduras, os peixes. Um dia, me perguntaram na mesa de refeições de casa: o que você quer fazer quando ficar grande? Sabe o que respondi? Açougueiro! Porque o açougueiro que havia nesse mercado usava a faca, fazia pedaços, era uma arte! Eu gostava de vê-lo”, disse o Papa.
Neste encontro foi anunciado que o próximo Encontro internacional dos grupos de Pueri Cantores acontecerá no Brasil, previsto para julho de 2017, em Brasília (DF). Um grupo de brasileiros do Coral do Mosteiro de São Bento da capital federal veio a Roma para participar do anúncio oficial e como “observadores” do encontro internacional.
O diretor do Coral do Mosteiro de São Bento de Brasília, Zoltan Paulinyi, disse que o encontro no Brasil é uma oportunidade para crianças compreenderem a importância da música.
Para participar de um Coral dos Pueri Cantores, Paulinyi explicou que é necessário ingressar em um grupo membro da Federação Internacional.
“As pessoas precisam ingressar num coral membro da Federação Internacional. No Brasil, são apenas 14 corais, por enquanto. Então, quanto mais gente participar, mais esse movimento se expande no Brasil”, destacou o diretor brasileiro.
ÍNTEGRA DO ENCONTRO DO PAPA COM AS CRIANÇAS
Pergunta: O que você acha do nosso canto? Lhe agrada cantar?
“O que você acha do nosso canto? Lhe agrada cantar?’…. Eu gostaria de escutá-los cantar um pouco. Ouvi somente um canto, espero que cantem outros…. Gosto de ouvir cantar, mas, se eu cantasse, pareceria um asno, porque não sei cantar. Nem mesmo sei falar bem, porque tenho um defeito na maneira de falar, na fonética… Mas gosto muito de ouvir cantar. E vou contar para vocês uma história. Quando eu era criança – nós somos em cinco irmãos – quando era criança, a mãe, no sábado, às duas da tarde, nos fazia sentar diante da rádio para ouvir. E o que ouvíamos? Todos os sábados havia transmissão de uma ópera. E nossa mãe nos ensinava como era aquela ópera, nos explicava: “Ouçam como se faz isto…”. E desde pequeno experimentei o prazer de ouvir cantar. Mas nunca pude cantar. Pelo contrário, um dos meus avós, que era marceneiro, enquanto trabalhava cantava sempre, sempre. O prazer de ouvir cantar vem desde pequeno. Me agrada tanto a música e o canto. E o que penso do canto de vocês? Espero ouvir algum outro. De acordo? É possível?
Digo uma coisa para vocês: o canto educa a alma, o canto faz bem para a alma. Por exemplo, quando uma mãe quer adormecer o filho, não lhe diz: “Um, dois, três, quatro…”. Canta a canção de ninar, e faz bem à sua alma, a criança fica tranquila e adormece. Santo Agostinho diz uma frase muito bonita. Cada um de vocês deve aprendê-la na própria língua. Falando da vida cristã, da alegria da vida cristã, diz assim: “Canta e caminha”. A vida cristã é um caminho, mas não é um caminho triste, é um caminho alegre. E por isto canta. Canta e caminha, não esqueçam! Cada um o diga na sua língua: canta e caminha! [repetem: “Canta e caminha!”] Não ouvi bem… [“Canta e caminha!”] Isto! Recordem disto: canta e caminha. E assim a tua alma experimentará mais ainda a alegria do Evangelho”.
Pergunta: Como você faz para ser sempre tão bom, nunca fica brabo? Quais são os seus bons propósitos para o ano novo?
“Uma vez se aproximou de Jesus um jovem e lhe disse uma palavra que se assemelha a tua. Ele disse: “Jesus, mestre bom”. E Jesus olhou para ele e lhe disse: “Não, somente Deus é bom”. Somente Deus é bom, disse Jesus. E nós? Somos maus? Não, meio a meio, temos um pouco de tudo… Nós temos sempre aquela ferida do pecado original que nos leva a não sermos tão bons sempre… Mas, recorda-te sempre: somente Deus é bom, e se tu quereres encontrar bondade, vai até o Senhor, Ele é todo bondade, todo amor, todo misericórdia. E saber como eu faço para ser bom? Me aproximo do Senhor. E peço ao Senhor: “Senhor, que eu não seja tão pecador, que não seja tão mau, que não faça maldade a ninguém, que não tenha ciúmes, inveja, que não me envolva em conchavos, que são tantos…”. E todas estas coisas. Pedir a graça de ser bom, porque somente Deus é bom. Também isto vocês devem aprender. Digamos todos juntos? Cada um na própria língua: “Somente Deus é bom”. [repetem: “Somente Deus é bom”]. Uma outra vez. [“Somente Deus é bom”]. Recordem deste conselho de Santo Agostinho que vocês repetiram todos juntos, como era? [respondem: “Canta e caminha!”]. Somente Deus é bom. Recordem bem disto.
Mas existem pessoas boas, sim, que se aproximam do Senhor, os santos! Tantos santos escondidos na vida cotidiana, na nossa vida, tantas pessoas que sofrem e oferecem os sofrimentos para a conversão dos pecadores. Tanta, tanta gente que se aproxima tanto da bondade de Deus, são os santos. Mas quem é somente bom? [respondem: “Deus”]. Somente Deus é bom.
A outra pergunta: “Se nunca fico bravo?”. Sim, fico bravo, mas não mordo! Às vezes fico bravo, quando alguém faz uma coisa que não está bem, me vem um pouco…. Mas me ajuda a parar e pensar nas vezes em que eu fiz os outros ficarem brabos. E penso e me pergunto: Eu embraveci aos outros? Sim, tantas vezes. Então, não tenho o direito de ficar bravo. ‘Mas ele fez….’. Sim, mas se ele fez esta coisa que é ruim, que não é boa, chame-o e converse com ele como irmão, fale como irmão e irmã, fale, fale. Mas sem ficar bravo, porque a raiva é venenosa, envenena a tua alma. Tantas vezes vi crianças e jovens assustados. Por quê? Por que os pais, ou na escola, gritavam com eles. E quando alguém está com raiva e grita, faz mal, fere: gritar com alguém é como dar uma facada na alma, isto não faz bem. Entenderam bem?
Eu fico bravo, sim, algumas vezes fico bravo, mas me ajuda pensar nas vezes em que eu fiz os outros ficarem bravos, isto me deixa mais sereno, me torna um pouco mais tranquilo. Enraivecer-se é uma coisa que faz mal não somente ao outro, faz mal a ti mesmo, envenena a ti mesmo. E existe gente, que vocês certamente conhecem, que tem a alma amarga, sempre com amargura, que vivem bravos. Parece que todas as manhãs lavam os dentes com vinagre para serem assim enraivecidos. Tem gente que é assim…..é uma doença. Se entende, se existe uma coisa que não me agrada, fico um pouco bravo. Mas isto, o hábito de enraivecer-se, o hábito de gritar, o hábito de gritar com os outros, isto é um veneno! Pergunto a vocês, e cada um na sua própria língua responda: como era a alma de Jesus, doce ou amarga? [respondem: “Doce!”]. Era doce por quê? Porque quando ficava bravo isto não chegava à sua alma, era somente para corrigir e depois voltava à paz.
“Quais são os seus bons propósito para o Ano Novo?”. Fiz um dia destes, em que dediquei um pouco de tempo para fazer um retiro espiritual: rezar mais. Pois me dei conta que os bispos e os padres – eu sou bispo – devem guiar o povo de Deus antes de tudo com a oração, é o primeiro serviço. Conto uma história para vocês. No início do cristianismo havia tanto trabalho, porque tanta gente se convertia e os apóstolos não tinham tempo. E alguns foram a eles lamentar-se porque não cuidavam bem das viúvas e dos órfãos. Era verdade, mas não tinham tempo para fazer tudo. E fizeram um concílio entre eles e decidiram encarregar alguns homens somente para servir as pessoas. É o momento da criação dos diáconos. Os diáconos nasceram assim. Vocês podem ver isto no Livro dos Atos dos Apóstolos. E o que diz Pedro, São Pedro, o primeiro Papa? O que diz?. “Eles farão isto, e a nós, os apóstolos, somente duas coisas: a oração e o anúncio do Evangelho, a pregação”. Ou seja, para um bispo, a primeira tarefa é a oração, a primeira tarefa: não se pode ser bispo na Igreja sem a oração em primeiro lugar. E depois o anúncio do Evangelho. Nestes dias, respondendo à tua pergunta, eu pensei que um bom propósito para o próximo ano seria este, rezar um pouco mais. De acordo? Também eu pergunto a vocês: vocês pensam que este seria um bom propósito também para vocês? [respondem: “Sim!”]. Rezar um pouco mais. Porque a Igreja vai em frente com a oração dos santos, Rezem pela Igreja!
Pergunta: Quando você era pequeno, o que você sonhava ser? De noite, quando olho a televisão com a minha família, vejo tantas histórias tristes e dramáticas: o mundo permanecerá sempre assim, também quando eu for grande?
“Se eu vos dissesse a verdade sobre a primeira pergunta, vocês iriam rir…. Mas vou dizer a verdade. A pergunta era: “Quando eu era criança, o que eu sonhava ser?”. Quando eu era pequeno eu ia seguido com a avó, mas também com a mãe ao mercado fazer compras. Naquele tempo não havia os supermercados, não havia a televisão, não tinha nada…. O mercado era na rua e lá tinha os locais para as verduras, para as frutas, para a carne, para o peixe e se comprava tudo. Um dia, em casa, na mesa, me perguntaram: o que você gostaria de ser quando crescer? Sabem o que eu respondi? “Açougueiro”. Por quê? Porque o açougueiro que havia no mercado – havia 3 ou 4 lugares para a carne – pegavam a faca, cortavam em pedaços… é uma arte e gostava de ver eles fazerem isto. Agora mudei de ideia, naturalmente; mas, respondendo à sua pergunta, quando eu era pequeno, eu pensava em me tornar um açougueiro. Me teria agradado.
Depois, a segunda pergunta – esta é séria! “De noite, quando janto com a minha família, olhando a televisão, ouço sempre falar de notícias tristes e dramáticas….. Mas o mundo, quando eu for grande, será sempre assim?
É verdade o que tu disseste. Existe tanta gente que sofre no mundo hoje. Existem as guerras. Mas quantas guerras existem! Na África, pensem quantas guerras. No Oriente Médio, onde nasceu Jesus, está tudo em guerra. Na Ucrânia, a guerra. Em tantos lugares. Na América Latina existem guerras. São coisas feias! E o que fazem as guerras? Causam pobreza, dor, mal. Somente coisas tristes… Pensem nas crianças. Vocês, jovens, crianças, têm o dom de Deus de poder cantar, de serem felizes, de viver a vida cristã como dizia Santo Agostinho – como era aquilo que dizia Santo Agostinho? [respondem: “Canta e caminha!”] – mas existem crianças que não têm o que comer no mundo; existem crianças que não podem ir à escola, porque existe a guerra, a pobreza e não existem escolas; existem crianças que quando ficam doentes, não têm a possibilidade de ir a um hospital. Rezem por estas crianças, rezem!
Mas o mundo será sempre assim? O mundo pode melhorar. Mas existe uma coisa da qual não agrada falar, mas da qual se deve falar: no mundo existe a luta entre o bem e o mal – dizem os filósofos -, a luta entre o diabo e Deus. Ainda existe isto. Quando em cada um de nós vem o desejo de fazer uma maldade, aquela pequena maldade é uma inspiração do diabo, que, através da fraqueza que deixou em nós o pecado original, te leva a isto. Se faz o mal nas pequenas coisas como nas grandes coisas; nas guerras como – por exemplo – um jovem que mente; é uma guerra contra a verdade de Deus, contra a verdade da vida, contra a alegria. Esta luta entre o diabo e Deus, diz a Bíblia que continuará até o fim. Isto está claro, não? Vocês entenderam isto? Está claro. Todos nós temos dentro um campo de batalha. Se luta entre o bem e o mal, todos nós. Temos graças e tentações, e devemos falar com o pároco, com a catequista desta coisas para conhecê-las bem. Esta é a primeira coisa.
A segunda: existem tantas coisas boas no mundo, e eu me pergunto: por que estas coisas não são divulgadas? Porque parece que agrada às pessoas ver as coisas más ou ouvir as notícias ruins. Pensemos na África: tantas coisas ruins, tantas guerras – como eu disse – mas existem os missionários, sacerdotes, irmãs, que “gastaram” toda a sua vida lá, pregando o Evangelho, na pobreza…. Quando no mês passado fui à África, encontrei uma irmãzinha… penso que tinha 83 anos, italiana, e me disse: “Eu estou aqui desde que tinha 26 anos”. E existem tantas famílias santas, tantos pais que educam bem os filhos. Por que não se vê na televisão uma família que educa bem, que educa bem um filho? Não se vê! Porque existe esta atração pelo mal: parece que agrada mais olhar as coisas más do que as coisas bonitas, as coisas grandes. O diabo faz a sua parte – isto é verdade – mas também Deus faz a sua parte: tanta gente santa! Não somente nas missões, mas no mundo, no trabalho, nas famílias; tantos pais, tantos avôs e avós que seguem em frente doentes, com problemas; e isto não se vê na televisão. Por quê? Por que isto não dá publicidade…. Aqui na Itália, descobri tantas associações, homens e mulheres, que doam parte do próprio tempo para assistir, para acompanhar, para cuidarem dos doentes. Isto é bom. Mas isto não se vê na publicidade. É verdade isto ou não? Se tu quiseres ter destaque – quer jornalístico, televisivo ou o que quiseres – mostre somente as coisas ruins; com as coisas boas as pessoas se chateiam. Ou então não sabem apresentar e fazer bem as coisas, mostrar bem as coisas boas.
Quando tu (o Papa se dirige à criança que lhe fez a pergunta) olha a televisão, na tua casa, te recorde destas duas coisas: existe uma luta no mundo entre o bem e o mal, existem tantas crianças que sofrem, existem as guerras, existem as coisas ruins, porque a luta é entre Deus e o diabo; mas pense também nas tantas pessoas, tantas pessoas santas, tanta gente que dá a sua vida para ajudar os outros, para rezar pelos outros. Mas por que na televisão não se vê as monjas de clausura que passam a vida rezando por todos? Porque isto não interessa… Talvez interesse mais as joias de uma empresa importante, que fazem ver… as coisas que dão vaidade. Não nos deixemos enganar! No mundo existem coisas ruins, más, más e este è o trabalho do diabo contra Deus; mas existem coisas santas, coisas santas, coisas grandes que são obra de Deus. Existem os santos escondidos. Esta palavra, não a esqueçamos: os santos escondidos, aqueles que nós não vemos. De acordo?
Eu agradeço a vocês por tudo isto. Mas gostaria de ouvir uma outra canção para dizer se me agrada ou não como vocês cantam… E uma outra coisa: gostaria de ouvir repetir como era a vida cristã segundo Santo Agostinho. Como deve ser? [respondem: “Canta e caminha!”]. Canta e caminha! Segundo: quem é bom? [“Somente Deus é bom”].
Fonte: Rádio Vaticano