Notícias - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Sínodo: o poder do perdão na Amazônia

15/10/2019

Papa Francisco

 

“Está delineando-se um quadro no qual tudo está realmente conectado” e a Laudato Si’ se vive concretamente. Foi o que disse na Sala de Imprensa do Vaticano, o padre Giacomo Costa, secretário da Comissão de Informação, falando sobre a 9ª Congregação Geral do Sínodo para a Amazônia, que teve início nesta manhã com a oração do Papa pelo Equador, como relatou o Prefeito do Dicastério da Comunicação, Paolo Ruffini.

Ricos os testemunhos de “como a Igreja em saída seja já uma realidade” com as comunidades que defendem a vida, o trabalho em equipe, conta o padre Costa, destacando como isso nos faz refletir sobre os desafios dos diversos ministérios e sobre a liturgia inculturada. Central também o tema da conversão ecológica integral e do “urgente pedido de uma aliança com a Igreja” para a defesa dos direitos. As vítimas pela proteção da terra exigem ações urgentes que possam levar a criação de um observatório eclesial internacional sobre as violações dos direitos humanos das populações. Poder-se-ia defender uma governança na qual as populações sem poder de negociação pudessem ser ouvidas. Falou-se também de modelos circulares de economia, de direitos ambientais, mas também de um crescimento da cultura da comunicação na Região Pan-Amazônica, com a valorização da mídia católica e a formação de “comunicadores nativos” para fortalecer as narrativas no território.

A necessidade de levar esta defesa dos povos indígenas aos lugares oficiais foi destacada por Josianne Gauthier, secretária geral da CIDSE (Aliança Internacional Católica de Agências de Desenvolvimento), que há mais de 50 anos apoia as comunidades na defesa de seus direitos. “Um dos nossos papéis no Sínodo – disse – é ouvir”.

Sobre a experiência entre esses povos falou amplamente dom José Ángel Divassón Cilveti, ex-Vigário apostólico de Puerto Ayacucho, Venezuela, com referência ao grupo étnico dos Yanomami que vivem na área florestal entre a Venezuela e o Brasil. Nós, – disse ele -, estamos presentes ali como salesianos desde 1957. Depois do Concílio, iniciou-se uma nova etapa para realizar esta obra evangelizadora, para acompanhar estes povos. O critério passou a ser o da partilha da vida das comunidades, conscientes de que cabe a elas tomarem as rédeas nas mãos. Nós os ajudamos com projetos para que não dependessem dos outros. Central em sua experiência, que Jesus Cristo deveria ser levado até eles, no entanto, era necessário conhecer suas vidas para não chegar como colonizadores. Então, houve uma preparação para o batismo. Dom Cilveti explicou como uma Igreja que ajuda estas pessoas começou a crescer, porque sem dúvida “o Evangelho traz coisas novas” como o perdão e estas pessoas “começaram a reconhecer o valor deste valor: a capacidade de perdoar ajudou eles a resolverem certos problemas, conseguiram superar muitos conflitos. Na Floresta Amazônica temos testemunhado essas mudanças”.

Vem de uma nova diocese perto da foz do rio Amazonas, fundada há 14 anos: 1.100 aldeias, poucos sacerdotes. Dom Carlo Verzeletti, bispo de Castanhal, Brasil, falou das dificuldades de celebrar a missa correndo de um ponto a outro por causa do tamanho do território. No seu discurso, insistiu, entre outras coisas, sobre a ordenação dos homens casados para que a Eucaristia, – observou -, possa se tornar uma realidade mais próxima das nossas comunidades. Não sacerdotes de segunda classe, mas “pessoas preparadas que têm uma vida exemplar” e que poderiam fazer um trabalho extraordinário, afirmou, acrescentando que já saberia quem indicar. Para ele, o diálogo é, sem dúvida, central, como vem acontecendo há anos, convidando os prefeitos e indo às paróquias porque não se deve destruir ainda mais a Amazônia.

A dar voz, em primeira pessoa, àqueles que sempre viveram neste pulmão verde, é certamente José Gregorio Díaz Mirabal, que representa mais de 400 povos amazônicos. Indígena curripac da Venezuela, é presidente do Congresso de Organizações Indígenas Amazônicas (COICA), presente há 36 anos nos países amazônicos. Antes de mais nada o seu muito “obrigado” ao Papa Francisco que no ano passado, em Puerto Maldonado, recordou os povos indígenas e um muito “obrigado” à Repam pelo trabalho que está realizando. É também seu o “grito” para que termine a “invasão” de grandes projetos de desenvolvimento, empresas hidrelétricas, mineração, monocultura, roubo de terras. Muitos de nós são assassinados, disse ele, pedindo que os governos da Amazônia se sentem e conversem com eles e que se possa “fortalecer o vínculo entre a Igreja e os povos indígenas”.


CHAMADOS FILHOS DE DEUS

Cidade do Vaticano – Como ocorre todos os dias os trabalhos sinodais têm inicio com a oração comum e com uma reflexão proposta por um dos padres sinodais. Nesta terça-feira a meditação foi proposta pelo arcebispo metropolitano de Belo Horizonte e presidente da CNBB, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Dom Walmor Oliveira de Azevedo.

Com o título “Chamados filhos de Deus”, Dom Walmor iniciou a sua reflexão com uma pergunta: “Como pode o amor de Deus permanecer nele? Esta é a interpelante pergunta respondida por São João no terceiro capítulo de sua primeira carta. A resposta a esta pergunta é a questão central na construção da autenticidade no seguimento de Jesus. O discípulo e a discípula são remetidos a uma verificação do tecido que configura o núcleo mais íntimo de seu ser. A referência ao coração, a estação da interioridade, muito além de qualquer possível e arriscado intimismo, é pôr-se em corajoso exercício de análise e levantamentos a respeito da constituição misericordiosa de si mesmo.

O coração do discípulo – continuou o arcebispo de Belo Horizonte – “é visceralmente constituído dos sentimentos norteadores da competência de ver o outro e a ele não se fechar, mas sobre ele debruçar-se, comovendo-se, para atender-lhes demandas à luz do conhecimento de suas necessidades e carências”.

Falando da compaixão, afirmou que a mesma “é o selo, único e insubstituível selo de autenticidade, cujas raízes de exemplaridade se encontram no modo de ser do Mestre Jesus, aquele que tem compaixão dos seus, ovelhas sem pastor, consciente de sua missão de ungido e enviado para anunciar a boa nova dos pobres, anunciar-lhes o ano da graça, em vez de cinzas, o óleo da alegria”.

Ao discípulo é indicado o caminho da resposta à inquietante interrogação, “como pode o amor de Deus permanecer nele?” Uma interrogação que há de ser o mais significativo incômodo existencial no processo diário de qualificação discipular.

Põe-se em questão uma indispensável envergadura – disse o arcebispo – que é projeto divino em nós. O princípio é lembrado: (1J0 3,1) “Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos. Esta é a moldura da interpelação existencial posta pela palavra de Deus agora proclamada.

Dom Walmor continuou afirmando que “um holofote aceso iluminando a consciência humana interpela à percepção e impacto de sua condição, filho de Deus, considerado o presente grande dado pelo pai: somos chamados filhos de Deus. E nós o somos”.

Esta condição gratuita e amorosa se impulsiona pelo princípio do amor cuja lógica há de ser considerada como condição de fomentar o novo em lugar do velho que corrompe:(1 Jo 4,10-11) “10. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou o seu Filho como oferenda de expiação pelos nossos pecados.

“Pois esta é a mensagem que ouvistes desde o início: que nos amemos uns dos outros.” Só esta é a escolha possível. Não há outra. A outra opção possível é o pecado. Ora, aquele que pratica o pecado é do diabo, porque o diabo é pecador desde o princípio. Para isto é que o Filho de Deus se manifestou: para destruir as obras do diabo”. (1 Jo 3,10-13) “Nisto se revela quem é filho de Deus e quem é filho do diabo: todo aquele que não pratica a justiça não é de Deus, como também não é de Deus quem não ama o seu irmão. Pois esta é a mensagem que ouvistes desde o início: que nos amemos uns aos outros. Não como Caim, que, sendo do Maligno, matou o seu irmão. E por que o matou? Porque as suas obras eram más, ao passo que as do seu irmão eram justas.

Clareia o horizonte interpelativo diário para nos incomodar e, amparados e fecundados pela graça de Deus, – sublinhou o presidente da CNBB – darmos conta do que nos compete, exatamente na contramão do “possuir riquezas neste mundo e vê o seu irmão passar necessidade, mas diante dele fechar o seu coração. Somos desafiados a uma finesse relacional de modo que não amemos só com palavras e de boca, mas por ações e na verdade. A verdade de Cristo é sua compaixão, suas entranhas de misericórdia.

E sempre exigente, porque diária e de todo momento, a tarefa de conseguir estar, existencialmente, dentro do princípio da qualificada filiação divina: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou. Não há outra alternativa senão amar de verdade, correndo sempre o risco de ser dada por descontada, por justificações ou comodidades, por incompetência relacional ou entupimentos humano afetivos, por estreitezas ou por mesquinhez. Nenhuma condição humana, com as circunstâncias que a configuram, está isenta do distanciamento do amor de verdade.

O arcebispo de Belo Horizonte também recordou o dia em que a Igreja faz memória de Santa Teresa, virgem e doutora da Igreja. “Parece oportuno reportar-nos ao que ela indica como exercício vivencial diário, o que constitui a dinâmica da primeira morada do Castelo Interior/Moradas, uma de suas obras clássicas: Ela descreve a primeira morada com a indicação de duas dinâmicas sempre e permanentemente fundamentais na conquista e manutenção da qualificação da condição de filhos e filhas de Deus, discípulos e discípulas de Jesus, para a competência de amar de verdade: Conhece te a ti mesmo e a Humildade.

Ela lembra que mesmo tendo alcançado, permanente ou momentaneamente, o matrimônio espiritual, intimidade fecunda no amor de Deus, por limitação do humano, escorregamos e caímos no estágio sempre primeiro que requer exercitar a humildade e o conhecimento de si mesmo. Ninguém pode alimentar a pretensão de ter ultrapassado o estágio deste exercício espiritual diário sob pena de ilusão, endurecimento que entope e produz a dureza de coração que prejudica os pobres, faz sombra à razão, faz gostar de títulos, privilégios e dos primeiros lugares, se deixando levar pela disputa ou tomado por indiferenças, incapacitando para o alcance de percepções para gestos concretos de solidariedade, desapego, simplicidade.

Ao contrário, alimentando à semelhança do coração dos fariseus um coração duro, o gosto pelas filaterias, amigos do dinheiro, distanciados também da misericórdia, da justiça e da verdade. “Santa Madre Teresa – concluiu Dom Walmor – nos indica este fecundo caminho, como exercício espiritual e existencial permanente, conhecer-se a si mesmo e a humildade para qualificar nossa cidadania e nos oportunizar, fecundados pela graça de Deus, a conquistar a envergadura de verdadeiros filhos e filhas de Deus, dando tecido bom à nossa cidadania, com força de testemunho transformador e profética atuação no mundo testemunhando o Reino”.


Valorizar os carismas dos fiéis leigos, longe do clericalismo

Repensar as ministerialidades da Igreja à luz dos parâmetros da sinodalidade: este é um dos desafios da Igreja na Amazônia para que seja sempre mais Igreja da Palavra. Este foi o teor de alguns pronunciamentos feitos na tarde de hoje na Sala do Sínodo. A Palavra de Deus é presença ativa e misericordiosa, educativa e profética, formativa e performativa, interpelante no âmbito da ecologia integral e sinal de empenho social, econômico, cultural e político para o desenvolvimento de um novo humanismo. São necessários novos ministros da Palavra, inclusive mulheres, para dar novas respostas aos desafios contemporâneos e é preciso investir nos leigos bem preparados que, em espírito missionário, saibam levar o anúncio do Evangelho a todos os lugares da Amazônia. Além disso, uma formação adequada dos leigos engajados é fundamental também para o nascimento de novas vocações.

O papel dos fiéis leigos e das mulheres

Uma Igreja ministerial, foi dito ainda na Sala, precisa que sejam melhor expressos e valorizados os carismas dos fiéis leigos, graças aos quais se manifesta a face da Igreja em saída, longe do clericalismo. Um pronunciamento, em especial, sugere que a questão dos assim chamados viri probati e da ministerialidade feminina sejam tratados numa Assembleia sinodal ordinária, porque são temas de alcance universal. Outra fala aconselha que, antes dos viri probati presbiteri, se pense nos viri probati diaconi: o diaconato permanente, com efeito, pode representar um verdadeiro laboratório para ter homens casados no sacramento da Ordem. Em particular para o tema feminino, entre as colocações dos auditores se sugere que sejam instituídos ministérios não ordenados para as mulheres leigas, entendendo o próprio ministério como um serviço, de modo a garantir em todo o território pan-amazônico a dignidade e a igualdade feminina. Esses ministérios poderiam ser, por exemplo, o da celebração da Palavra ou das atividades sócio-caritativas.

Proteção dos menores e dos adultos vulneráveis

Depois, houve espaço para a proteção dos menores e dos adultos vulneráveis na Amazônia: a terrível chaga da pedofilia e dos abusos sexuais requer, de fato, que a Igreja seja sempre vigilante e corajosa. O maior desafio, destacou-se, é a transparência e a responsabilidade diante desses crimes, para que possam ser prevenidos e combatidos. O tema da exploração sexual juvenil foi citado também em outras ocasiões: as redes criminosas – foi dito – roubam a infância das crianças, tornando-as vítimas, por exemplo, do tráfico de órgãos. As cifras são dramáticas: em 2018, somente no Brasil, foram contabilizados 62 mil casos de estupro. E se trata de uma das cifras mais altas da região amazônica. Na base disso tudo, existem seja graves desigualdades econômicas, seja carências de ações governamentais locais e internacionais capazes de combater esses delitos. Foi feito então um apelo para uma maior obra de prevenção no setor, com a ajuda das Conferências episcopais e das Congregações religiosas. A atenção aos menores e às mulheres foi reiterada também para exortar a luta contra o tráfico de pessoas: as vítimas deste drama estão entre as mais desumanizadas do mundo. Por isso, se pede que, através do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, as grandes empresas respeitem as normas internacionais sobre o tráfico e que sejam instituídas Comissões pastorais especiais para enfrentar o tráfico de pessoas.

Pastoral vocacional e Pastoral juvenil

Foi ressaltada ainda a importância da Pastoral vocacional: destaca-se que esta não pode faltar na obra de evangelização e deve ser acompanhada de uma Pastoral juvenil que seja, ao mesmo tempo, chamada e proposta de um encontro pessoal com Cristo. Os jovens que querem seguir Jesus, foi dito na Sala, devem ser amparados por uma formação adequada, através de um testemunho de vida santo e engajado. Os sacerdotes, portanto, deverão ser capazes de compreender profundamente as exigências da Amazônia: a catequese não pode ser demasiada acadêmica, mas ser feita com espírito missionário e coração de pastor.

O recurso primário da água

Destacou-se também a importância da formação catequética à ecologia integral, em particular para a proteção e a salvaguarda da água, recurso primário e fonte de vida. O cuidado dos recursos hídricos – tema enfrentado ainda nos pronunciamentos de auditores e convidados especiais – é fundamental: todos os dias, com efeito, milhares de crianças no mundo morrem por doenças relacionadas à água e milhões de pessoas sofrem por problemas hídricos. Como disse o Papa Francisco em diversas ocasiões, a próxima guerra mundial será ligada à água. Portanto, precisa-se de uma urgente conscientização global para a proteção da casa comum e a reconciliação com a Criação, sinal da presença de Deus. Mais tarde é demasiado tarde, foi dito na Sala. A exortação a uma “conversão ecológica” diz respeito também à dimensão ética dos estilos de vida atuais, muitas vezes marcados pela tecnocracia e pela maximização do lucro como objetivo absoluto, em detrimento de uma visão do homem como ser humano integral.

O desafio da comunicação

Em sintonia com o que foi dito na 9° Congregação Geral, a Sala voltou a refletir sobre o tema da comunicação: através dos meios de comunicação de massa – afirmou-se –, é preciso abrir-se aos comunicadores de todas as culturas e de todas as línguas, de modo a reforçar os povos amazônicos. As mídias da Igreja, portanto, devem ser um espaço para consolidar os conhecimentos locais, através inclusive da formação de comunicadores indígenas e camponeses. Entre as reflexões dos padres sinodais, esteve também a defesa dos povos indígenas, a ser levada avante, por exemplo, por meio da educação ou de pequenos projetos de desenvolvimento social. Muitas vezes excluídas da sociedade, de fato, as populações originárias não devem ser vistas como “incapazes”, mas protagonistas, e devem ser ouvidas, compreendidas e acolhidas. Depois, foi relançada a exortação para promover a vida consagrada feminina nos contextos periféricos urbanos da Amazônia, onde vivem os “invisíveis”, aqueles que não têm voz nem direitos. Eis então o convite para que as Comissões de justiça e paz e de direitos humanos possam cooperar mais entre si, em nome da defesa da vida do homem e do planeta.

A reflexão do Papa

No encerramento da Congregação, o Papa Francisco tomou a palavra, voltando a refletir sobre alguns temas que emergiram durante os trabalhos e evidenciando alguns aspectos que mais o impressionaram.


Fonte: Vatican News (foto Cimi)