Quênia: Franciscanos na África empenhados na proteção dos menores
16/02/2024
É a primeira vez que os Franciscanos em África o fazem. De 1 a 15 de fevereiro, 55 responsáveis da Ordem dos Frades Menores de todo o Continente reuniram-se em Nairóbi para uma sessão de formação destinada a sensibilizar para a proteção dos menores e das pessoas vulneráveis. Em 2021, a Ordem dos Frades Menores decidiu criar um escritório para a salvaguarda e proteção dos menores, e as conclusões do Capítulo Geral encorajaram os frades a assumir a questão.
O encontro reuniu religiosos de todas as províncias e custódias franciscanas de África. Especialistas de todo o mundo falaram sobre os múltiplos aspectos da luta contra os abusos: a escuta das vítimas, a formação, o impacto dos abusos nas famílias das vítimas e, sobretudo, a reflexão sobre os instrumentos a pôr em prática para combater mais eficazmente este flagelo. Entre eles, Augusta Muthigani, responsável pela África da Comissão Pontifícia para a Proteção dos Menores.
Redescobrir São Francisco
O que parece ter agitado as coisas foi a partilha espiritual em que a sessão foi organizada. Na introdução à sessão, Frei Albert Schmucki, responsável pela unidade de proteção de menores da Ordem Franciscana, propôs uma reflexão sobre o testamento de São Francisco de Assis, no qual o Poverello recorda a sua conversão. “Ele escreve que ela não se deu num lugar sagrado, mas entre os leprosos”, recorda o franciscano. “Sem os identificar com os leprosos da Idade Média, há semelhanças com as vítimas de abusos sexuais de hoje. Os leprosos eram segregados, excluídos da cidade e tinham de permanecer invisíveis. Foi aí que Francisco experimentou a sua conversão, experimentou a misericórdia recíproca”. Esta releitura do carisma do santo de Assis levou à criação de grupos de reflexão para descobrir como criar um espaço para as vítimas. Na opinião de Frei Albert, “o clima mudou” depois desta partilha. “Descobriram a importância de escutar com o coração”.
Escutar as vítimas
O testemunho de duas vítimas também foi decisivo no início da sessão. “Mudou completamente a dinâmica da sessão”, diz o Padre Joulain, missionário de África e um dos organizadores do encontro, que trabalha há muitos anos com sobreviventes de agressões sexuais. Segundo o Padre Blanc, um passo fundamental é escutar as vítimas. “Vimos que escutar estas pessoas, olhá-las de frente, já não é assustador, mas tornou-se parte integrante do trabalho da Igreja missionária em África, hoje”.
As resistências culturais
As duas semanas de trabalho permitiram também identificar a dimensão cultural que pode constituir um travão à percepção da crise dos abusos. “Em África, a família continua a ser uma unidade muito sólida da sociedade, razão pela qual a questão da proteção dos menores é por vezes vista como uma grande ameaça”, explica Frei Albert Schmucki. “Os próprios Irmãos sublinharam que, para não ameaçar a família, continuamos a preferir a cultura do silêncio”, acrescenta. “Outro aspecto é o da liderança política, social e económica em África, mas também na Igreja, onde por vezes há falta de reflexão sobre a forma como o poder é exercido”, explica Frei Schmucki. Na sua opinião, é necessário “pôr em relação as diferentes culturas em África para pôr em prática uma verdadeira proteção; não basta resolver alguns casos isolados”.
“Há resistências porque é uma questão que pode ser assustadora”, diz o Frei Stéphane Joulain, “mas esta sessão mostrou que estamos a passar de uma abordagem cerebral da questão para uma perceção desta realidade que vem mais do coração”, acrescenta com satisfação.
Construir sobre o que já existe
Frei Pierre-Auguste Kacou, de origem marfinense, é membro da Província do Verbo Encarnado. Presente em Nairóbi, ele explica que um dos obstáculos à percepção da pedocriminalidade é também um ambiente onde “há outras prioridades, ligadas a questões sociais ou de segurança, ao bem-estar da população. A questão dos abusos não é, por isso, percepcionada como um problema urgente”. O franciscano da Costa do Marfim sublinha também o aspecto cultural da resolução de conflitos, que se baseia frequentemente na negociação. “Mas à medida que refletimos mais e mais, relendo o Evangelho e aproveitando a experiência de outras Igrejas, apercebemo-nos de que a questão dos abusos se tornou crucial”.
O desafio é grande: para além das estruturas de acolhimento das vítimas, é também necessário formar pessoal para receber os seus testemunhos e iniciar um processo de apoio. Para muitos dos participantes na sessão de formação, a Igreja em África ainda não tem uma base concreta sobre a qual trabalhar, como os resultados de inquéritos. No entanto, os Franciscanos do continente africano não estão a começar do zero.
Uma esperança para África
Esta sessão constituiu uma oportunidade para partilhar as experiências virtuosas que já foram postas em prática para acolher a voz das vítimas. “Alguns Países já têm uma boa experiência para começar, porque as estruturas estão a ser criadas”, sublinha Frei Pierre-Auguste. É o caso, por exemplo, da Conferência Episcopal do Quênia, onde a Comissão de educação desenvolveu um programa de acompanhamento das vítimas. Em Brazzaville, foi criada uma unidade de escuta e de apoio, e o Togo foi também saudado como um País virtuoso neste domínio.
Esta sessão no Quénia permite-nos lançar sementes para o futuro. “Não estamos a pedir aos Franciscanos para que resolvam todos os problemas de África”, conclui Frei Stéphane Joulain, “mas pelo menos eles regressam mais bem equipados para construir programas de proteção. Ao seu nível, todos estes irmãos podem ser agentes de mudança”. A sessão terminou com a visita do Núncio Apostólico no Quênia, Dom Hubertus van Megen, que veio saudar e encorajar os participantes.
Fonte: Vatican News (texto de Olivier Bonnel)