Pela paz, Papa beija os pés de líderes do Sudão do Sul
11/04/2019
Em gesto sem precedentes no Vaticano, o Papa Francisco ajoelhou-se e beijou os pés de líderes do Sudão do Sul que viviam em guerra pelo controle do país. O Pontífice apelou que eles não voltassem a travar uma guerra civil pelo poder. Francisco pediu ao presidente Salva Kiir, seu ex-vice que virou líder rebelde Riek Machar e três outros vice-presidentes que respeitem o cessar-fogo que assinaram e se comprometam a formar um governo de união no próximo mês.
— Eu peço a vocês, como irmão, que fiquem em paz. Estou pedindo com meu coração, vamos em frente. Haverá muitos problemas, mas eles não vão nos superar. Resolvam seus problemas — destacou o Papa, em declarações de improviso durante a reunião.
Os líderes pareceram surpresos quando o argentino de 82 anos, ajudado por seus assessores, ajoelhou-se diante de cada um e beijou seus sapatos.
— Penso incessantemente nessas almas sofredoras e imploro que o fogo da guerra se apague uma vez por todas — disse o Papa.
As palavras do Papa ganharam força no momento em que a ansiedade cresce no Sudão do Sul por conta do golpe de Estado no vizinho Sudão. O temor é de que a transição de poder logo ao lado coloque em xeque o frágil acordo de paz que pôs fim a uma sangrenta guerra civil entre os territórios.
O Vaticano reuniu líderes do Sudão do Sul para 24 horas de orações na residência do Papa, em uma tentativa de amenizar as divergências locais um mês antes de a data marcada para o país abalado pelo histórico de guerra estabelecer um governo.
Após ter agradecido pela boa vontade e o coração aberto com o qual acolheram seu convite a participar deste retiro no Vaticano, dirigiu uma saudação particular ao arcebispo de Cantuária e primaz da Comunhão Anglicana, Justin Welby, idealizador desta iniciativa, bem como ao ex-Moderador da Igreja Presbiteriana da Escócia, Rev. John Chalmers.
Desejo dirigir-me a vocês todos com as mesmas palavras do Senhor ressuscitado: “A Paz esteja convosco!”, disse o Santo Padre no início de sua reflexão. “Desejo a mesma saudação a vocês, que vieram de um contexto de grande tribulação para si e para seu povo, um povo muito sofrido pelas consequências dos conflitos”, acrescentou.
“A paz é o primeiro dom que o Senhor nos trouxe e é a primeira tarefa que os chefes das nações devem buscar: ela é a condição fundamental para o respeito dos direitos de todo homem, bem como para o desenvolvimento integral do povo em sua totalidade.”
Referindo-se à natureza deste encontro de dois dias no Vaticano, o Pontífice destacou que o mesmo é totalmente particular e, num certo sentido, único, por não se tratar de um habitual e comum encontro bilateral ou diplomático entre o Papa e os chefes de Estado e nem mesmo de uma iniciativa ecumênica entre os representantes das várias comunidades cristãs.
A palavra “retiro”, por si mesma, já indica um distanciamento voluntário de um ambiente ou uma atividade para um lugar apartado. E o adjetivo “espiritual” sugere que este novo espaço de experiência “é caracterizado pelo recolhimento interior, pela oração confiante, pela reflexão ponderada e pelos encontros reconciliadores, para poder trazer bons frutos para si mesmos e , consequentemente, para as comunidades às quais pertencemos”, explicou Francisco.
“Queridos irmãos e irmãs, não esqueçamos que Deus confiou a nós, líderes políticos e religiosos, a tarefa de ser guias de seu povo: confiou-nos muito, e justamente por isso cobrará muito mais de nós! Pedirá conta de nosso serviço e da nossa administração, do nosso compromisso em favor da paz e do bem realizado para o bem das nossas comunidades, em particular dos mais necessitados e marginalizados, em outras palavras, pedirá conta da nossa vida, mas também da vida dos outros.”
“O gemido dos pobres que têm fome e se de justiça – continuou – nos obriga em consciência e nos empenha no serviço. Eles são pequenos aos olhos do mundo, mas são preciosos aos olhos de Deus.”
Após ressaltar esse “aos olhos de Deus”, Francisco recordou os três olhares do Senhor sobre o apóstolo Pedro. O primeiro é quando Jesus fixa seu olhar em Simão e lhe diz que dali em diante o chamará de Pedro, sobre cuja “pedra” edificará sua Igreja.
O segundo olhar se dá na tarda noite da Quinta-feira Santa. Após tê-lo negado três vezes, Jesus fixa novamente o olhar nele, tocando seu coração e suscitando a sua conversão. Por fim, após a ressurreição, à margem do lago de Tiberíades, Jesus fixou mais uma vez o olhar sobre Pedro, pedindo-lhe que declarasse seu amor por três vezes e confiando-lhe novamente a missão de pastor de seu rebanho.
Qual é hoje o olhar de Jesus sobre mim? A que me chama? O que o Senhor quer me perdoar e o que pede para mudar em minha atitude? Qual é a missão e a tarefa que Deus me confia para o bem de seu povo? – foram interrogações feitas por Francisco no discurso aos líderes sul-sudaneses.
Por fim, o Papa destacou também o olhar do povo, “é um olhar que expressa o desejo ardente de justiça, de reconciliação e de paz”.
“Neste momento desejo assegurar minha proximidade espiritual a todos seus compatriotas, em particular aos refugiados e aso doentes, que ficaram no país com grandes expectativas e apreensivos, à espera do êxito deste dia histórico”, disse ainda, fazendo um premente apelo:
“Penso incessantemente nessas almas sofredoras e imploro que o fogo da guerra se apague uma vez por todas, que possam voltar para suas casas e viver em serenidade. Suplico ao Deus Todo-Poderoso que a paz chegue à terra de vocês, e me dirijo também aos homens de boa vontade a fim de que a paz chegue a seu povo.”
Francisco lembrou que a paz é possível! “Mas este grande dom de Deus é, ao mesmo tempo, também um forte compromisso dos homens responsáveis pelo povo”.
Por fim, disse ter tomado conhecimento com grande confiança, em setembro passado, de que os altos representantes políticos do Sudão do Sul tinha estipulado um acordo de paz, congratulando-se e fazendo votos de cessem as hostilidades e o armistício seja respeitado.
Francisco concluiu confirmando seu desejo e esperança de poder proximamente – com a graça de Deus – visitar a amada nação sul-sudanesa, junto aos irmãos ali presentes, o Arcebispo de Cantuária e o ex-Moderador da Igreja Presbiteriana da Escócia.