Passos novos em uma conhecida estrada: vida no noviciado franciscano com novo mestre
27/02/2025

Frei João Francisco (2º da esq. para a dir. na parte superior da foto) com noviços e Frei José Bertoldi (camisa azul)
A vida de um frade franciscano é um constante reorganizar e uma oportunidade de crescimento diante do novo, que pode até parecer óbvio para quem espia com olhar de fora e desconhece a dinâmica das relações em fraternidade.
Diante de uma realidade que rompe as barreiras do tempo, de uma Ordem que tem mais de 800 anos de existência, mas que seu fundador, São Francisco de Assis, continua vivo na atualidade por meio de seus exemplos de fé e amor à Criação, também existem desafios. Essas barreiras são possíveis de serem transpostas pela força da fé e pela resiliência.
Assim o caminho segue, hora íngreme, hora em descida com a ajuda de todos os santos, mas sempre guiado pela esperança, pois ela não decepciona. (Rm 5,5)
Desta forma, a caminhada de um frade franciscano segue desde o início de sua formação, quando passa por momentos de vivências em fraternidade, experiências em comunidade, estudos e imersão no franciscanismo. No Postulantado, os candidatos vivem período no qual abraçam a vida franciscana com a intenção de preparar-se convenientemente para o Noviciado. Uma etapa significativa vivida no Seminário Frei Galvão, em Guaratinguetá (SP).
Os passos necessitam ficar mais firmes no Noviciado, etapa inicial da vida na Ordem. É um período de formação mais intensa, que tem o objetivo de fazer com que os noviços conheçam e experimentem a forma de vida de São Francisco, impregnem mais profundamente a mente e o coração de seu espírito e, avaliando melhor o chamado do Senhor, comprovem seus propósitos e sua idoneidade.
Para viver em profundidade essa etapa, considerada um período de provação, os noviços precisam de um mestre que seja coerente e saiba iluminar o caminho daqueles que buscam um encontro com Deus, a serviço da Igreja e da comunidade.
Na Fraternidade São José, em Rodeio (SC), todos os anos um novo grupo é acolhido. Em 2025, pela primeira vez, Frei João Francisco da Silva, assumiu a missão como mestre nos Noviços, no lugar do novo Bispo Auxiliar de Manaus, Dom Frei Samuel Ferreira de Lima.
Até 2024, Frei João ainda estava no Seminário Frei Galvão, onde servia como guardião desde 2012. Seu primeiro ano como mestre do Noviciado está sendo em companhia dos mesmos jovens que acolheu, ano passado, em Guaratinguetá.
O Site Franciscanos conversou com novo mestre sobre sua itinerância e expectativas à frente da nova missão franciscana, frade que, para sua caminhada religiosa, leva o Salmo 22 que diz: “O Senhor é o meu pastor, nada me falta”.

Frei João Francisco
Site Franciscanos – A vida religiosa do senhor é permeada pela missão de acompanhar a caminhada vocacional de jovens que desejam conhecer e seguir os passos de São Francisco de Assis. O que isso representou em sua vida, durante os 12 anos de permanência no Seminário Frei Galvão?
Frei João Francisco da Silva – Na vida religiosa a missão de acompanhar jovens em sua caminhada vocacional têm sido, sem dúvida, um dos aspectos mais significativos da minha jornada. Durante os anos que passei no Seminário Frei Galvão, tive a oportunidade de testemunhar o despertar de muitas vocações e a transformação pessoal de cada jovem que chegava em busca do seguimento do Cristo.
A missão de ajudá-los nesse processo vocacional não é apenas um ato de ensino, mas um verdadeiro encontro de vivência da fé. Cada momento de partilha e convivência com aqueles que estão no ardor vocacional é sempre uma chance de revigoramento da beleza do chamado através de São Francisco de Assis, que nos convida a viver a simplicidade, a fraternidade e a paz. Conviver com esses jovens me ensinou, também, a acolher com humildade o convite que o Senhor faz a todos: “Vem e segue-me” (Mt 19,21).
Portanto, toda vocação é uma jornada contínua, repleta de esperança, diálogo e escuta. É, acima de tudo, o convite constante de Deus para que caminhemos ao Seu lado procurando entender e vivenciar seu amor em nossas vidas. Portanto, esses anos acompanhando a formação tem sido um tempo rico de profunda formação, não apenas para os jovens, mas sobretudo para mim. Aprendi a escutar, a ser paciente e a ver a presença de Deus na vida de cada um deles que nos chegam com o ardor vocacional em alta. Participar da alegria daqueles que descobrem sua vocação e a coragem que manifestam ao optar por seguir o caminho de Cristo ao modo de Francisco e Clara de Assis como verdadeiros “Peregrinos da Esperança” torna-se uma oportunidade de sempre recomeçar como orienta o próprio São Francisco de Assis.
Site Franciscanos – O senhor também percorreu os mesmos caminhos em sua formação vocacional. Como o senhor define a missão de um mestre de noviços?
Frei João Francisco – O formador é chamado a exercer o serviço de formar, enquanto os noviços se dispõem a aprender e a serem formados. No entanto, há algo que une ambos: o compromisso de seguir Jesus Cristo e viver o Evangelho, conforme a vivência e a proposta de São Francisco de Assis. Ambos trilham esse caminho com respeito à sua gradualidade.
Trata-se, portanto, de partilhar a vida e a experiência adquirida ao longo dos anos para melhor compreensão e aquisição dos valores que permeiam a vida religiosa franciscana. Nesse sentido, a missão de todo formador vai além da mera transmissão de conhecimentos; ela consiste, primordialmente, em acompanhar de perto aqueles que iniciam sua jornada na vida consagrada, ajudando-os a aprofundar a decisão de seguir Jesus Cristo a partir do carisma franciscano. Isso envolve promover a vivência dos valores franciscanos em sintonia com os conselhos evangélicos numa perspectiva sinodal que constrói o ser religioso com abertura. Portanto, o formador torna-se o acompanhante dos formandos na prática da oração, do serviço, do trabalho e da convivência fraterna. Dessa forma, auxilia-os a internalizar esses princípios que fundamentam a vida religiosa franciscana como meios para discernir e aprimorar sua vocação dentro da Igreja e da Ordem Franciscana.
Além disso, o formador deve ajudar os noviços a desenvolverem um relacionamento profundo com Deus e a se tornarem instrumentos de paz e reconciliação no mundo como mensageiros do Evangelho, vivendo com autenticidade e compromisso a vida que escolheram. É um trabalho de semear, nutrir e ver florescer, e isso é uma das maiores alegrias e responsabilidades que um formador pode ter.
Site Franciscanos – Como o senhor pretende conduzir seu trabalho como mestre dos noviços?
Frei João Francisco – Aqui estamos, os noviços e o novato, para juntos fazermos a experiência de discipulado e minoridade, por isso acredito que o serviço de formador nessa etapa franciscana pressupõe uma abordagem equilibrada que una a orientação espiritual fundamentada no Evangelho e a formação prática, de tal modo que o formador por excelência, o Bom Pastor, sobressaia. Vivemos um tempo em que a autorreferencialidade se manifesta e traz grandes transtornos a quem está iniciando seu processo vocacional. Nesse contexto será preciso insistir na espiritualidade do lava-pés, do serviço e do desapego, que considera a obediência à vontade do Senhor, e isso não é tarefa fácil, mas necessária. Na primeira grande missão, os discípulos retornam encantados. É fundamental estar fascinado por Jesus Cristo e por sua Igreja. Não existe vocação sem esse encantamento. O seguimento a Jesus Cristo também depende desse despertar.
O segredo da vida espiritual reside nesse encantamento. Aqueles que buscam o seguimento a Jesus Cristo ao modo de São Francisco de Assis e que não se deixarem cativar e apaixonar por Jesus, por seu Reino, por sua Palavra, por sua Igreja, por seus pobres e por sua missão, terão dificuldade em permanecer na vida religiosa por muito tempo. Sabemos que a essência da vida espiritual de um religioso está na habilidade de se reencantar a cada dia e de sempre recomeçar; caso contrário, a chama da vocação se extingue. Essa motivação confere sentido à vida religiosa. Por isso, para que não haja equívocos quanto à importância e responsabilidade dessa etapa, é essencial cultivar um ambiente acolhedor, transparente e de confiança, capaz de promover a fraternidade e permitir que todos se sintam seguros e encantados para percorrer o itinerário vocacional e desenvolver suas habilidades sempre a serviço da Ordem Franciscana e da Igreja.
Esse processo deve incluir uma reflexão crítica sobre os desafios do mundo contemporâneo numa perspectiva franciscana, favorecendo, assim, que o crescimento pessoal de cada formando não esteja alheio à realidade. Nesse sentido, o diálogo aberto e a escuta atenta são fundamentais para dirimir as dúvidas e para o acompanhamento de cada formando nesse processo de discernimento para que se apropriem do estilo de vida sóbrio e evangélico.
Site Franciscanos – Especialmente nesse momento no qual o senhor passa a conduzir a vocacionados, estando com os mesmos jovens que passaram pelo Seminário Frei Galvão durante o ano de 2024. Qual sua expectativa considerando essa proximidade e a relação construída com esses jovens?
Frei João Francisco – Minha expectativa é muito positiva. Sem dúvidas, é uma oportunidade valiosa para aprofundar a relação fraterna já construída. Acredito que essa interação permitirá um ambiente de confiança e acolhimento, onde podemos compartilhar experiências e aperfeiçoar os aprendizados da vida franciscana. Espero poder contribuir mais diretamente na construção da identidade franciscana que estão elaborando mais profundamente neste ano de provação. Além disso, vejo essa proximidade como uma chance de aprender com eles, pois a juventude traz uma perspectiva fresca e cheia de vitalidade, que pode enriquecer a nossa caminhada. Sinto-me animado para acompanhar e contribuir com cada um em sua jornada, para que se desenvolvam bem e possam, no futuro, contribuir com a Ordem Franciscana e a Igreja.
Site Franciscanos – Quais etapas esses jovens terão que percorrer durante o ano que permanecerão no Noviciado São José?
Frei João Francisco – O Noviciado franciscano é uma fase essencial na formação de jovens que desejam se tornar membros da Ordem dos Frades Menores, envolvendo um ano de autoconhecimento, espiritualidade e compromisso com os valores franciscanos. A etapa inicial consiste na acolhida e adaptação, na qual os noviços se integram à Fraternidade do Noviciado São José, em Rodeio/SC, recebem o Hábito Franciscano e passam a estudar a Regra e o Testamento de São Francisco de Assis, entre outros escritos franciscanos e documentos da Igreja. Ao longo do período, as atividades são diversas e regidas pelos três pilares: a oração, o estudo e o trabalho. Há a experiência semestral no Eremitério Franciscano do Bem-Aventurado Frei Egídio, que proporciona experiências intensivas de contemplação e silêncio, fundamentadas na Regra para os Eremitérios, composta por São Francisco de Assis. Por fim, a última fase envolve a avaliação da experiência e a preparação para a Primeira Profissão Religiosa na Ordem dos Frades Menores. O noviciado é uma rica experiência que promove o crescimento espiritual e humano dos formandos, preparando-os para um testemunho autêntico e transformador na sociedade.
Site Franciscanos – Qual mensagem o senhor gostaria de deixar para seus confrades e jovens vocacionados como novo mestre dos noviços?
Frei João Francisco – “Mire veja: o mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou.” (Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas).
Aproveito o pensamento de Guimarães Rosa para recordar que estamos em contínua formação. Na verdade, como frades e menores somos eternos noviços! Estamos sempre na via do aperfeiçoamento do discipulado de Jesus Cristo, Mestre e Senhor. Então, esse processo contínuo de formação na vida franciscana, é essencialmente um processo de aprofundamento e realização do seguimento e discipulado de Jesus Cristo; caminho para percorrer a vida inteira. Assim, o sentido da vida franciscana não é outro senão o aperfeiçoamento desse seguimento, à maneira de Francisco de Assis.
Nesse contexto, tudo o que fazemos (ou deixamos de fazer) está voltado para esse propósito. Cada ação ou omissão, cada momento vivido, é uma expressão concreta do nosso compromisso com o seguimento do Cristo pobre. Permanecer nesse caminho significa renovar-se constantemente, engajando-se no processo de ser e tornar-se, consolidando-se no crescimento “para desejar acima de tudo ter o espírito do Senhor e a sua santa operação” (RnB 10,8). A vocação franciscana, portanto, é uma expressão autêntica de seguimento e discipulado, traduzindo-se em um contínuo processo de formação e serviço à fraternidade e ao povo.
Vivemos um tempo privilegiado em que o franciscanismo floresce: o pontificado do Papa Francisco, os dez anos da Encíclica Laudato Si’, os 350 anos da Província, o Jubileu do Cântico das Criaturas e a Campanha da Fraternidade deste ano sobre a ecologia integral. São motivações que reforçam a pujança do carisma franciscano e reclamam-nos uma postura cada vez mais autêntica e profética. No entanto, Francisco de Assis mantém um fascínio extraordinário sobre muitos jovens. Nele e em seu exemplo de vida evangélica, muitos se inspiram para tomar decisões fundamentais, compartilhando o ideal de um radical seguimento de Cristo.
Contudo, Francisco nos orienta: “Se alguém, por inspiração divina, querendo aceitar esta vida, vier aos nossos Irmãos, seja recebido carinhosamente” (RnB 1,1). Assim, todas as pessoas que se inspiram em Francisco de Assis se irmanam conosco em um mesmo ideal de vida evangélica e nos ajudam a manter a centralidade no Cristo Pobre. Essa dimensão deve nos nutrir de um autêntico espírito de penitência e de conversão, “evitando qualquer autorreferencialidade, porque nunca vem do espírito bom” (Papa Francisco, 06/02/21); assim, somos convocados a cultivar um estilo de vida sóbrio e apropriado com a identidade franciscana.
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Quem é Frei João Francisco?
Penúltimo de 8 filhos de pais já falecidos, Frei João nasceu no dia 9 de julho de 1969, na Zona Leste da cidade de São Paulo (SP). Toda a sua família ainda reside na capital. Dos irmãos, 4 homens e 4 mulheres, agora são 7, com o falecimento do irmão Antônio, em 2019.
De família simples e muito católica, sempre trabalhou, estudou e cultivou a vida de oração e devoção desde cedo, uma marca da família. “Ainda hoje mantemos o costume de nos reunirmos para rezar. O franciscanismo sempre foi frequente na vida da nossa família através da devoção a São Francisco de Assis”, disse o frade. Segundo ele, a devoção foi fortalecida pelos Frades Menores Capuchinhos, presentes há 70 anos na paróquia de Sapopemba, em São Paulo, e das Irmãs Franciscanas da Ação Pastoral, das Irmãs Franciscanas Servas Reparadoras de Jesus Sacramentado (portuguesas), além da OFS e Jufra (Juventude Franciscana).
Sempre esteve inserido nas atividades pastorais na adolescência e juventude. “Foi esse “combo franciscano” que me inspirou e estimulou a buscar e a viver a espiritualidade franciscana como ideal de vida que, mais tarde, ganhou consistência com o acolhimento dos frades do Convento São Francisco de Assis, no centro da cidade de São Paulo.
Sua caminhada religiosa começou em 2004, no Aspirantado, em Ituporanga (SC) e em 2006 fez o Noviciado. Professou solenemente na Ordem, no dia 7 de agosto de 2011; sendo transferido para o Seminário Frei Galvão, em Guaratinguetá, onde ficou de 2012 a 2024. Neste período serviu como Definidor provincial por 9 anos e como Guardião da Fraternidade por 12 anos.
“Sempre me chamou atenção a forma como os franciscanos interagem com as pessoas, tratando-as com respeito e transparência. Assim, busco abordar as relações de maneira empática, esforçando-me para compreender as perspectivas e sentimentos dos outros”, salientou.
O frade explicou que na vida franciscana, a empatia se manifesta como um profundo respeito e amor por toda a criação, refletindo os ensinamentos de São Francisco de Assis, que via em cada ser um irmão ou uma irmã. Dessa forma, segundo ele, os franciscanos buscam compreender as dores e alegrias dos outros, cultivando uma escuta ativa e um olhar sensível às necessidades alheias.
Frei João acredita que ‘essa atitude de conexão e acolhimento é fundamental para promover a paz e a harmonia, inspirando uma vivência comunitária que valoriza a dignidade de cada indivíduo e a interdependência de todas as formas de vida’.
“Sem dúvida, a forma de vida franciscana é um caminho de transformação pessoal e social, onde o amor se torna a base de todas as relações. Nesse sentido, precisamos apostar em uma compreensão de uma Igreja em “saída”, desejada pelo Papa Francisco, que, desprovida de interesses pessoais, status ou discriminação, acolhe e vai ao encontro daqueles que vivem nas margens das periferias geográficas e existenciais. Assim, creio que “somos chamados a esta nova saída missionária” (EG 20). Por isso, sempre acreditei na força do diálogo como instrumento que dá consistência à vida fraterna e nos capacita a servir a Deus, sobretudo a partir dos vulneráveis do nosso tempo. Com certeza, o diálogo, alinhado com o testemunho evangélico, favorece o renovo da esperança através do testemunho do Evangelho”, afirmou.
Adriana Rabelo Rodrigues