“Para reeguer uma empresa se requer muito esforço; para afundá-la bastam alguns vacilos”
03/04/2012
Moacir Beggo
Já se vai mais de uma década que a atual diretoria colegiada da Editora Vozes enfrenta o desafio de colocar a casa em ordem. Como diz seu diretor-presidente, Frei Antônio Moser, o fato de a empresa ter dados passos para frente, não significa que não haja preocupações. Segundo ele, o que importa não é não ter dívidas, mas que essas sejam controladas e o fluxo de caixa esteja sempre equilibrado.
É com esse equilíbrio e uma tradição centenária nas costas que a Vozes projeta um futuro promissor. O mercado editorial tem reagido bem nos últimos anos e o segmento religioso tem crescido animadoramente. Para continuar neste mercado com qualidade e competitividade, a Editora vem investindo na modernização de seu parque gráfico, como fez no último dia 30 de março ao inaugurar a encadernadora com capacidade de produzir 6 mil livros em uma hora.
Nesta entrevista, Frei Moser fala com paixão do trabalho à frente desta obra franciscana centenária e faz um raio x do mercado editorial. Para quem conhece bem Frei Moser, essa paixão não se limita à Vozes mas é assim também nas funções, como dar aula, escrever, dar palestras, administrar um projeto social, apresentar e editar os programas da Canção Nova etc. Para ele, contudo, estas multifunções são aspectos diferentes de uma mesma vocação de fundo: frade, sacerdote, professor.
Site Franciscanos – Na sua origem, há mais de 110 anos, os missionários alemães priorizavam os campos da evangelização e educação. Essa linha de atuação da Editora Vozes se mantêm?
Frei Antônio Moser – Ao fazermos um estudo sobre Vozes, por ocasião do centenário, percebemos claramente que Vozes sempre manteve dois braços: o do religioso e o do educacional. Claro que cada um destes braços apresenta muitos desdobramentos, mas lá no fundo se percebe uma inspiração mestra: quem evangeliza educa e quem educa evangeliza. De antemão quero ressaltar o alcance evangelizador da Editora Vozes. Através de nossas obras atingimos milhões de crianças, de universitários, de religiosos… É bom recordar uma frase do Ex-Ministro Geral John Vaughn: “Vozes é o maior instrumento de evangelização da Ordem Franciscana”. E na compreensão ampla da palavra, não há como negar: fomos e continuamos sendo. Curiosamente, muitas vezes encontro pessoas que não sabem que Petrópolis é a cidade imperial… mas sabem que é a sede da Editora Vozes… “Vozes de Petrópolis” é uma logomarca com uma força extraordinária. Ela tem peso em muitas áreas do saber humano. Mas tem peso, sobretudo, por ser vista como Editora “séria”, que busca iluminar os caminhos de ricos e pobres, cristãos e não-cristãos….
Site Franciscanos – No mercado editorial, o segmento religioso é o segundo que mais cresce no Brasil depois do segmento do livro didático. Apenas o mercado de livros cristãos estima ter faturado R$ 479 milhões em 2011, de acordo com a Associação de Editores Cristãos (Asec). Para 2012, a projeção é chegar a R$ 548 milhões, um crescimento de 14,4%. O sr. acha que essa tendência vai se confirmar em 2012? Por que o interesse pelo religioso?
Frei Moser – Há algumas décadas muito se falou em dessacralização, secularização, indiferença religiosa, e até ateísmo. Hoje percebemos que estas ideias foram importadas da Europa, que de fato vive outro contexto. Hoje percebemos que a Europa não se confunde com o mundo: é uma parcela mínima dele. Ora, de modo geral os orientais sempre foram e continuam sendo religiosos. O povo brasileiro sempre foi religioso. Hoje, com a crescente força da mídia, tudo isso vem à tona: qualquer procissão, qualquer grande concentração, qualquer novo padre midiático é logo conhecido por multidões.
Site Franciscanos – O sr. participa deste otimismo do mercado? Há uma popularização da leitura no país? Dá para diagnosticar em que classes sociais houve esse crescimento?
Frei Moser – Não há dúvida de que hoje se lê mais também no Brasil…. Mas não podemos esquecer que os argentinos e uruguaios, só para dar um exemplo, leem muito mais. A popularização do livro tem muito a ver com o inegável empenho dos vários governos na exigência de escola para todos. As classes alta e média se sentem compelidas a completar seus estudos para exercer adequadamente suas profissões. Ou seja: todo mundo precisa mostrar que está “por dentro”. Mas até os mais pobres sabem que analfabeto custa a encontrar emprego…. Por exemplo, para entrar na Vozes, exigimos o segundo grau…
Site Franciscanos – A ABDL estima que as empresas especializadas em vendas por catálogo tenham distribuído cerca de 10 milhões dos 56 milhões de exemplares vendidos no segmento porta a porta em 2010. A Editora Vozes está neste segmento?
Frei Moser – Este tipo de venda é relativamente recente. Digo relativamente, porque já no tempo do Frei Ludovico Gomes de Castro, ele enviava frades e vendedores para baterem ao menos nas portas das paróquias. Hoje, o porta a porta se acentua, sobretudo através de movimentos de igreja, de igrejas pentecostais. Mas, para surpresa nossa, até empresas que vendem produtos de beleza, passaram a perceber que o livro também é interessante. No ano passado, só para uma destas empresas vendemos mais de 300 mil reais em livros devocionais….
Site Franciscanos – Num país imenso, com poucas livrarias (dois terços dos municípios brasileiros não têm livrarias segundo Associação Nacional de Livrarias (ANL), a distribuição é um dos grandes problemas do mercado editorial. A Vozes sente isso?
Frei Moser – É verdade que faltam livrarias. Ou melhor dito, são muitos os que abrem livraria e logo fecham… pois não é fácil criar um ponto e manter uma livraria…. Mais difícil ainda encontrar bons profissionais…. Não é que não estejamos dando treinamento, incentivos…. Mas, a rotatividade é muito grande. Nós temos uma rede de livrarias, em geral, caminhando bem. Mas já há muito percebemos que nosso maior faturamento vem das nossas distribuidoras, que buscam entrar nas outras “redes”. Como também percebemos que cada paróquia pode ser um cliente privilegiado. E nosso porta a porta é feito em parceria, sobretudo com a Canção Nova.
Site Franciscanos – Neste cenário, para atender essas demandas, como é o parque gráfico da Vozes, uma editora centenária? Como foi feita a atualização tecnológica?
Frei Moser – Somando tudo temos umas 30 máquinas, para as mais diversas funções… Há 13 anos, quando a atual equipe assumiu, pensamos até que o parque gráfico deveria ser abandonado. Ficaríamos só com o Editorial…. Mas, olhando melhor, trilhamos outro caminho: uma renovação progressiva. Investimos, sobretudo, na pré-impressão e nas impressoras. A melhor, inaugurada há dois anos, é uma 4 cores. Pouco a pouco o faturamento provindo de serviços prestados a terceiros foi crescente de maneira notável. E agora, com a nova encadernadora, que na realidade faz ao mesmo tempo o que antes exigia 6 ou 7 máquinas, este segmento deverá crescer, e muito. Já não precisamos rejeitar pedidos por falta de capacidade produtiva. Sem dúvida, esta inauguração vai ficar na história, como uma espécie de divisor de águas. Agora temos um parque gráfico respeitável.
Site Franciscanos – Quais os best-sellers da Vozes de todos os tempos?
Frei Moser – Todo mundo sabe que publicamos ainda hoje, e com grande vendagem, clássicos da espiritualidade. Por exemplo, “Imitação de Cristo”; o “Tratado da verdadeira devoção a Nossa Senhora”…. Mas também todo mundo sabe que “Minutos de sabedoria” já ultrapassou a marca de 10 milhões de exemplares. Novos best-sellers vão surgindo e, por incrível que pareça, normalmente ligados à espiritualidade. Basta pensar nos já 50 volumes que publicamos de Anselm Grün….
Site Franciscanos – Como a Vozes está vê o mercado dos e-books? Esse mercado faz concorrência ao livro impresso?
Frei Moser – O E-book não nos assusta. Isso por duas razões. Primeira, porque logo buscamos maneiras de não ficar na ponta, mas também não para trás… Segundo, porque as análises mais ponderadas vão apontando o e-book não como o substituto do livro de papel, mas como um complemento, e até uma espécie de arauto, que vai abrindo caminho para o livro….
PRODUÇÃO DE LIVROS POR ÁREA TEMÁTICA Primeira edição e reedição em 2010 |
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Educação Básica (Didáticos) | 45,72% |
Religião | 10,30% |
Literatura Juvenil | 8,89% |
Literatura Adulta | 8,05% |
Literatura Infantil | 5,38% |
Auto-ajuda | 2,87% |
Direito | 1,59% |
Dicionários e Atlas Escolares | 1,25% |
Línguas e Linguística | 1,25% |
Economia, Administração e Negócios | 0,83% |
Fonte: CBL, SNEL e Fipe |
Site Franciscanos – Por que a criação do selo Vozes Nobilis?
Frei Moser – Um teste para saber da aceitação ou não de nossos produtos é a observação do que se vende, por exemplo em aeroportos e em grandes livrarias…. Vozes estava pouco presente. Daí a ideia de lançamentos especiais, com autores especiais, com aprimoramento da apresentação, e com temas que qualquer um gosta de aprofundar…. Assim, ao lado da tradicional logomarca Vozes, agora temos Vozes Nobilis, e…. o desdobramento mais recente é o “Livro de bolso”. Mesmos textos, mas com formato mais adequado e livros mais baratos.
Site Franciscanos – Como está a saúde financeira da Vozes?
Frei Moser – Seria uma ilusão pensar que por termos dado tantos passos para frente, agora estejamos sem preocupações. Carregamos ainda nas costas as marcas do “pecado original” (dívidas herdadas), deixando como pena uns 200 mil reais por mês. E é claro que todos estes investimentos não são feitos à vista…. Hoje, o que importa não é não ter dívidas, mas que essas sejam controladas e o fluxo de caixa esteja sempre equilibrado. É o que temos conseguido sem grandes sustos. Mas não somos ingênuos: qualquer deslize, num complexo tão grande de negócios, pode ser perigoso. Para reerguer uma empresa se requer muito esforço e muito tempo; para afundá-la… bastam alguns vacilos….
Site Franciscanos – Doutor e professor de Teologia Moral, diretor presidente de uma das editoras mais antigas do Brasil, autor de diversos livros, administrador do Projeto Social e Educacional Terra Santa, conferencista, editor e apresentador de programa na Canção Nova. De qual desses trabalhos o sr. mais gosta?
Frei Moser – De fato, como você aponta, tenho muitas funções. Algumas até você deixou fora, como a programação semanal na TV Canção Nova…. TV cujos programas alcançam quase 50 países. Isso requer muito trabalho. Mas olhando melhor, todas as funções são, no fundo, desdobramentos sucessivos de uma mesma autocompreensão: todos nós temos muitos talentos enterrados…. Quando se desenterra algum, logo se percebe a existência de outros. Na origem, além da vida franciscana e do sacerdócio, os desdobramentos apontam para as muitas oportunidades que me foram oferecidas: estudos mais aprofundados; aulas; trabalhos pastorais; trabalhos sociais…. Por isso é difícil dizer do que mais gosto: gosto de tudo o que faço e percebo que eventuais perdas numa direção são compensados por ganhos em outras. Nunca me imaginei sendo construtor; muito menos sendo diretor da Editora Vozes; muito menos ainda mantendo um programa sério de debates na TV, e isto já há 6 anos. Mas, hoje entendo que estes são apenas aspectos diferentes de uma mesma vocação de fundo: frade, sacerdote, professor.