Olhar o mundo com os olhos dos menores
14/11/2018
Agudos (SP) – Terminou com a Celebração Eucarística desta quarta-feira (14/11), às 18h30, a primeira fase do Capítulo Provincial da Província da Imaculada Conceição. Desde ontem, os frades capitulares estiveram em retiro sob a assessoria espiritual do frade capuchinho Frei Vanildo Zugno, que abordou o tema da “Minoridade Franciscana: lugar de encontro e comunhão”.
Frei Vanildo fez a homilia e deixou uma mensagem aos capitulares: “Não se deixem dominar pela ideologia dos dominadores. Não sejam enganados. Não entrem na lógica daqueles que se acham maiores. Cultivem a cultura dos menores. E qual é o menor entre os menores, diz Paulo na carta a Tito? Jesus, que é Deus Nosso Salvador e que nós experimentamos essa novidade na força do Espírito Santo. Por isso, não queiramos imitar os maiores, os dominadores deste mundo, os príncipes, os poderosos. Mas sejamos pacíficos, amáveis e mansos com todos. Uma nova cultura da minoridade. No evangelho, Jesus reconhece a legitimidade da identidade dos samaritanos. Jesus nos ensina a olhar o mundo com os olhos dos menores”, ensinou.
No final da homilia, disse que “foi um privilégio”, como dizem os gaúchos, estar aqui. “Como diz São Paulo a Tito, que a chama da graça esteja viva e acesa no coração de cada um de vocês!”, desejou. O Visitador Geral, Frei Miguel Kleinhans, agradeceu a sua presença em nome da Província da Imaculada Conceição e lhe entregou uma lembrança.
A PARTE “PROVOCADORA” DO TEMA MINORIDADE
À tarde, Frei Vanildo fez as últimas reflexões sobre o tema ao abordar a minoridade e definiu como a parte do tema “mais provocadora”. Para fechar sua proposta – e não fechar a questão da minoridade, como disse – falou sobre a sociedade e a minoridade na criação. Ontem, de manhã, ele situou a minoridade na compreensão ou no modo que se expressa Francisco a partir das relações. Ontem à tarde falou sobre a dimensão fundamental da experiência de Francisco de minoridade, que é sentir-se menor em relação a Deus e menor em relação a si mesmo. “Aí eu acho que está o nó de toda a compreensão franciscana de minoridade e a partir da qual se constrói o que hoje conversamos de manhã, a minoridade na fraternidade e a minoridade na Igreja”, recordou.
Segundo Frei Vanildo, Francisco de Assis talvez, na sua compreensão, seja mais do que um reformador religioso ou eclesial. Ele foi um reformador social. “A reforma da Igreja, a reforma da religião, para ele, era consequência de um novo modo de se situar na sociedade. Quem lê os textos de Francisco vê que ele sempre diz: ‘Olha, vamos dar o exemplo! Se os bispos, os prelados, os sacerdotes quiserem se converter pelo nosso exemplo, que bom!’ Mas não começamos uma reforma da igreja, até porque acho que ele era um cara muito esperto e sabia com quem estava falando. Sabia que se ele fizesse como os outros que propunham uma reforma da Igreja, ou ele perderia a cabeça ou terminaria queimando na fogueira, como aconteceu com outros. Ele partiu para aquilo que talvez seja fundamental para a reforma, que é começar mudando a si mesmo e o modo de situar-se na sociedade”, disse, exemplificando e comparando Lutero e Francisco.
“Lutero partiu diretamente para uma reforma da Igreja. E ele fez isso se apoiando nos príncipes. Não teria havido a reforma luterana sem o apoio dos príncipes alemães. A consequência foi a guerra contra os camponeses e o extermínio daqueles que protestavam contra os príncipes. Esse massacre foi justificado por Lutero, algo inimaginável por Francisco, que pensava a reforma da Igreja a partir dos pobres e não dos príncipes”, lembrou Frei Vanildo.
Hoje, recordando o início do Pontificado de Francisco, Frei Vanildo destacou que todos os primeiros gestos dele foi um resituar a Igreja dentro da sociedade. “É pouco conhecido o encontro do Papa com os movimentos sociais. Nosso Papa não fez questão de se encontrar com os líderes das grandes nações, mas com os movimentos sociais contestadores do poder hegemônico no mundo. Por uma série de razões da crise da Igreja, ele teve de voltar a maior parte dos seus esforços para a reforma da Igreja. Talvez seja o momento em que as duas reformas possam se encontrar. É um sonho que muitos alimentamos”, observou.
“Por isso, acho que a minoridade na sociedade – se ela não é o ponto de partida do ponto de vista da fé, que é a minoridade diante de Deus – é a que a mereça de nós o maior carinho no tratamento. Nós podemos vê-la no tempo de Francisco de uma forma bastante clara no contexto da época: quem eram os menores e quem eram os maiores. O sonho de chegar à nobreza era intrincado na ambição de quem queria ascensão. Mas havia ainda os que eram menores do que os menores. Além da grande multidão de camponeses fora dos muros das cidades, pagando seus tributos à nobreza, havia aqueles que nem sequer tinham acesso ao cultivo da terra: os que viviam de um lado para o outro nas estradas e encruzilhadas e aqueles que nem podiam se aproximar das estradas, os doentes, ou seja os leprosos, e os ladrões, que aparecem frequentemente nos textos de Francisco. Então, a configuração social no tempo de Francisco deixava para ele e para seus contemporâneos muito claro quem eram os maiores, os menores e os menores dos menores. Por isso, sempre é importante ter presente o contexto e a linguagem que São Francisco faz uso”, indicou o pregador.
Desse contexto no tempo de Francisco, Frei Vanildo passou para o tempo atual, com uma realidade ainda mais gritante. Para situar o nosso tempo, citou dados da Oxfam, uma ONG respeitada em todo o mundo, que trabalha com projetos de ajuda social e estudos da realidade social. Essa entidade publicou neste ano um relatório apontando que 82% da riqueza mundial está concentrada nas mãos de 1% dos seres humanos mais ricos que habitam o Planeta Terra. “Oito homens que trabalham com comunicação detêm 50% da riqueza mundial! Basta procurar na internet que eles aparecem com nome e sobrenome. Mas no Brasil, a situação é ainda mais desigual. São seis homens que detêm mais de 50% da riqueza! Novamente nenhuma mulher. O Brasil é dos países mais desiguais. A concentração da renda é também assustadora. Talvez nem possamos aqui usar a simples distinção entre maiores e menores. Nem sei que adjetivo poderíamos colocar numa desproporção tamanha no acesso à riqueza”, acrescentou, citando também estudos que mostram que 30% da renda no Brasil está nas mãos de apenas 1% dos habitantes. Da renda e não da riqueza! Segundo esses economistas, o modo como se apropria e se produz a riqueza no Brasil é o mais injusto no mundo. A média no mundo é 23%; no Brasil, 30%.
Isso faz pensar nessa temática da minoridade na sociedade. Que desafios isso coloca para nós como cristãos e franciscanos? Não tem outro jeito de produzir a não ser através do trabalho. O problema não é a produção, mas a distribuição dessa riqueza que pode gerar igualdade ou desigualdade.
“Na Regra não Bulada, há uma sequência para pensar essa realidade e nos provocar nesse contexto de hoje: “Todos os Irmãos se esforcem por imitar a humildade e pobreza de Nosso Senhor Jesus Cristo. E se recordem que do mundo inteiro nada mais precisamos do que, como diz o Apóstolo, “o necessário para nos alimentar e para nos cobrir, e queremos estar contentes com isso” (1Tm 6,8). E devem estar satisfeitos quando estão no meio de gente comum e desprezada, de pobres e fracos, enfermos e leprosos e mendigos de rua. E quando for preciso, que vão pedir esmola”.
Comentando este texto, Frei Vanildo disse que falamos muito em pobreza, mas a pobreza outra vez é abstrata. “Não propriedade’ é mais concreto. Não nos tornarmos dependentes das coisas”.
“Na história recente da Igreja, sempre a opção preferencial pelos pobres aparece com destaque para aqueles que a fazem e aqueles que a combatem. O Papa Francisco diz que não se trata de algo opcional, mas a opção pelos pobres é necessária. Fica sempre muito claro do lado de quem estamos: se do lado dos pobres, dos menores, ou dos maiores”.
“São Francisco insiste muito ainda em não se apropriar das coisas. Não convém aos frades que tenham mais do que o que comer, onde dormir e com o que se cobrir. Tudo o mais pode aprisionar”, disse o frade.
Segundo o frade, não basta se aproximar do pobre, mas é preciso se tornar um entre eles. “Não basta apenas promover meios de auxílio. Não basta apenas, mas isso também é necessário. Quem apenas reproduz ações beneficentes, pode ser um bom gestor, um bom empresário, mas não é cristão nem franciscano por isso. Mesmo para o cristão é preciso mais. É preciso contato, encontro, comunhão”, indicou.
Sobre a esmola, perguntou: Quando é necessário pedir esmolas hoje? “Quando não se tem trabalho. A situação de desemprego hoje é uma dor humilhante para as famílias, para a pessoa em si. Outra situação injusta é a exploração do trabalho”, disse.
No Testamento, Francisco diz: “E eu trabalhava com as minhas mãos e quero trabalhar. E quero firmemente que todos os outros irmãos se ocupem num trabalho honesto. E os que não souberem trabalhar o aprendam, não por interesse de receber o salário do trabalho, mas por causa do bom exemplo e para afastar a ociosidade. E se acaso não nos pagarem pelo trabalho vamos recorrer à mesa do Senhor e pedir esmola de porta em porta”.
Francisco mostra o trabalho como valor, não como ambição do ter, mas como fator de dignidade. “Esse trabalho que tanto é negado ou explorado. Essa exploração aparece concreta e gritantemente na diferença e na situação de injustiça, seja por questão de gênero ou racial”, lembrou o frade.
“Na Legenda dos Três Companheiros, Francisco confrontado diante do bispo pelo pai, se despe de suas roupas coloridas, de burguês, depõe o dinheiro que tinha em cima e a devolve ao pai. Diante de uma Igreja colorida, Francisco assume o hábito dos penitentes. É grande a importância simbólica desse gesto também. Visivelmente assume o lado dos menores”, ilustrou Frei Vanildo.
Por último, nas Admoestações, nº 5, Francisco relembra nosso papel diante da criação toda. A responsabilidade de cuidadores, de guardiões da criação. Somos uma criatura dentre as criaturas: “Considera, ó homem, em que grande excelência te pôs o Senhor Deus, porque te criou e formou à imagem de seu dileto Filho segundo o corpo e à sua semelhança segundo o espírito (cf. Gn 1,26). E todas as criaturas que há sob o céu, a seu modo servem, conhecem e obedecem seu Criador melhor do que tu. E mesmo os demônios não o crucificaram mas tu com eles o crucificaste e ainda crucificas, deleitando-te em vícios e pecados. De quê, então, podes gloriar-te?”
Para a reflexão pessoal e em grupo, Frei Vanildo deixou duas sugestões: Pensando na questão da minoridade, colocar no papel o nome e a história da família de cinco pobres com os quais convivemos; e pensando na questão ecológica, dos hábitos de consumo, tenho em conta as consequências ecológicas do que eu consumo?
Frei Vanildo terminou com uma frase do Papa Francisco no encontro com os movimentos sociais: “Os pobres são o nosso passaporte para o céu!”
Equipe de Comunicação do Capítulo: Frei Augusto Gabriel, Frei Clauzemir Makximovitz, Frei Gabriel Dellandrea e Moacir Beggo
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