Notícias - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Frei Afonso, o primeiro professo solene

05/01/2015

Notícias

Frei Samuel

Frei Afonso Kachekele Quissongo nasceu no dia 3 de abril de 1975, em Huambo, em Angola. Ele acaba de escrever um dos momentos mais belos da história da Missão de Angola, ao se tornar o primeiro frade angolano a fazer a profissão solene. Nesta entrevista, ele fala do amadurecimento de sua vocação e revela a dificuldade que teve para chegar até os frades quando decidiu ser franciscano. Frei Samuel Ferreira de Lima, que retornou recentemente de Angola, foi um dos frades que acompanharam o desenvolvimento da vocação de Frei Afonso. É ele que entrevista Frei Afonso, professo solene no último dia 30 de junho. Acompanhe! 

Site Franciscanos – Como você se sente sendo o primeiro angolano a professar solenemente na  Ordem do Frades Menores?  
Frei Afonso – Sendo o primeiro, sinto sobre mim uma grande responsabilidade; isto porque no contexto biológico, o primeiro filho é o segundo pai da família, sobre o qual recai toda a responsabilidade que escapa ao pai. Deste modo fico a pensar em mim mesmo e questiono-me: como hei de responder as expectativas daqueles que me vêem como primeiro e como fazer para que eu não permaneça sozinho? Estou muito preocupado com o reduzido número de vocações nativas, me sinto sozinho; espero que este meu sim definitivo cative os demais irmãos para juntos levarmos a Missão a um desenvolvimento maior. Na verdade uma pedra pode servir de fundamento, mas não basta para a construção duma casa. Para além dessa preocupação, sinto-me mais realizado, mais seguro na minha resposta ao chamado do Senhor e cada vez mais feliz.

 Franciscanos – Qual elemento da vida franciscana mais o encanta?  
Frei Afonso – A simplicidade na diaconia é o que mais me encanta na vida franciscana; visto que só quem é simples é capaz de entregar-se ao serviço sem questionamento de recusa ou murmúrio, sem busca de recompensa. Eu sinto de perto este elemento em muitos confrades que se doam para exercer a sua vocação em terras de Missão. Isto me motiva muito e cultiva em mim o espírito missionário, sentindo-me disposto a ir a qualquer lugar para servir, sem preferência de nacionalidade, raça ou cultura; o que importa é o serviço em favor do Reino, na simplicidade.

 Franciscanos – Quais os desafios que você enfrentou até esta etapa da sua vida?  
Frei Afonso – Comecei a enfrentar desafios para esta vida, mesmo antes de ser acolhido pelos frades, o que  serviu como sinal da minha firmeza na decisão e na resposta à minha vocação. Fui rejeitado em primeiro lugar por muitos que conheciam os frades, e que não aceitaram dar-me boleia (corona) para poder chegar a Kibala, lugar onde se encontravam os frades naquela época. Com a graça de Deus e a ajuda das Irmãs do SS. Salvador (Salvatorianas), que me acolheram no seu convento, juntos fomos procurando os meios necessários para alcançar os frades. As irmãs guadalupanas conseguiram o transporte por intermédio dos Padres Xaverianos, de nacionalidade colombiana, que me levaram até Kibala. Porém, os desafios continuaram. No seminário e durante o tempo da minha formação acadêmica (estudos propedêuticos), a guerra se intensificou e fomos obrigados a apresentar-nos à vida militar obrigatoriamente. Mas Deus assim não o quis, protegeu-me e não pude ir. As exigências políticas fizeram com que os frades sugerissem a mudança para Luanda, ou então, que, por um tempo, voltássemos aos nossos familiares. Nisso fui o primeiro a tomar a decisão de não ir nem para Luanda, nem aos meus familiares, pelo que tive que me hospedar junto aos gaiatos (casa dos meninos de rua, espécie de um orfanato).

Franciscanos – Como você se sente diante da profissão solene?  
Frei Afonso – É um momento muito especial, inesquecível e inefável ao mesmo tempo, porque diante deste ato, não consegui separar o entusiasmo da emoção e alegria, de modo que me foi difícil tomar uma posição certa: chorar, rir…

Franciscanos – O que você diria aos jovens de Angola, aos nossos formandos, sobre o carisma  franciscano? 
Frei Afonso – Aos jovens angolanos, meus conterrâneos e futuros confrades, peço coragem e paciência para enfrentar as vicissitudes e vencer as tentações que o mundo atual oferece, colocando em primeiro lugar o chamado que o Senhor fez e faz a cada momento da vida. O nosso carisma requer uma entrega total, um esquecer as ofertas materiais e temporais para uma vivência plena do Evangelho.

Franciscanos – Como você vê o processo da Ordem de volta às origens para celebrar os 800 anos de  nossa regra no ano de 2009?  
Frei Afonso – É uma grande alegria e graça porque esta celebração constitui um magnífico marco histórico e nos revigora na nossa espiritualidade de modo especial, nós que somos recém-nascidos nessa espiritualidade. Pois isto nos dá o ensejo de bebermos da água pura tirada da fonte e nos enche de vida, força e alegria na caminhada.

Franciscanos – Que aspecto do carisma franciscano ajudaria os angolanos no processo de reconciliação?  
Frei Afonso – Tendo em vista o passado árduo marcado pelas mágoas da guerra, dentro do nosso carisma peço a todos os angolanos o espírito de justiça e paz; porque quem quer a paz procura reconciliar-se com o seu irmão, e quem se reconcilia perdoa todo o mal que lhe foi feito. Portanto, todo angolano procure ser cada vez mais cristão, homem da paz e do amor, esquecendo as marcas do passado, sabendo perdoar, que é uma graça e dom de Deus.

Franciscanos – Como seus familiares vêem este momento importante em sua vida?  
Frei Afonso – A alegria dos meus familiares pareceu-me estar acima da minha. Tiveram que se deslocar da minha Província (Estado) até Luanda pela estrada de carro, levando consigo alguns produtos da minha terra e animais vivos para a procissão das oferendas. Mas, segundo eles, não sentiram nem distâncias, nem cansaço, nem horas a passarem de tão ansiosos que estavam.

Franciscanos – Como neo-professo, como você vê a caminhada franciscana em Angola?  
Frei Afonso – Vejo que somos muito poucos e as exigências são várias. Assim, devemos apostar mais na formação dos jovens que vêm ao nosso encontro, dentro do espírito franciscano, para facilitar a resposta a essa exigência. Muitas vezes, perdemos as nossas vocações por causa da tamanha dependência a escolas ou institutos diocesanos, o que leva os nossos jovens a fazer comparações não vivificantes da nossa espiritualidade.

Franciscanos – Que mensagem você deixa para os nossos benfeitores e confrades?  
Frei Afonso – Aos benfeitores tenho a agradecer por todo o trabalho e pelas obras de misericórdia. E saibam que nós procuramos corresponder incansavelmente, rogando a Deus que os abençoe e multiplique o fruto de seus esforços, cem por um.

Aos confrades, a minha alegria é tanta que não tenho forma suficiente para medi-la, sabendo que de agora em diante sou vosso e totalmente filho de São Francisco. Juntos, façamos com que essa obra por ele iniciada, repercuta sem esmorecer.