O legado de Frei Rui Depiné em site
11/10/2021
A memória e a história de Frei Rui Guido Depiné, que deixou sua marca franciscana como frade da Província da Imaculada Conceição durante 40 anos no no Hospital São Roque, em Piraquara (PR), poderão ser preservadas e conhecidas pelas futuras gerações através do site “Legado do Frei Rui Depiné”, criado por um grupo de amigos, além de representantes da Congregação das Irmãs Franciscanas de São José, da Associação Beneficente São Roque (ABSR) e da Fraternidade do São Roque, com aprovação da Província da Imaculada e da família de Frei Rui.
“Frei Rui faleceu em 12/06/2020 e sua partida partiu o coração de toda comunidade, de muitos e muitos amigos que ele tinha, em todos os lugares por onde passou. Do nosso luto surgiu a ideia de fazermos o Site ‘Legado do Frei Rui Depiné’ – wwwfreiruidepine.com.br -, em homenagem ao trabalho deste frade franciscano que doou a vida pelos outros”, escrevem os amigos na apresentação.
Este momento foi celebrado durante a Santa Missa neste domingo, 10 de outubro, presidida por Frei Antonio Joaquim Pinto, na Igreja de Piraquara.
“Nas poucas vezes que estive com Frei Rui, suas atitudes, seu modo compreensivo e terno de falar, parecia sempre nos questionar, sem qualquer desrespeito, sem qualquer ar de superioridade, sem agredir, sem julgamento, sempre nos questionando”, disse Frei Joaquim.
Na reflexão do Evangelho deste domingo, o jovem rico desisti de seguir Jesus porque era muito rico, mas Frei Rui disse sim seguindo o exemplo de Francisco de Assis. “De fato, a vida de Frei Rui, foi sendo total doação, exemplo único de amor, solidariedade humana, abnegação e altruísmo. Sua vida foi pura expressão do amor. Parecia sempre questionar o nosso modo de viver, mas afinal o que é que eu faço que significa concretamente estar vivo, verdadeiramente viver? São pessoas assim, esses bons mestres de vida, que nos fazem refletir. O que na minha vida, no meu modo de viver, tem de eterno?”, questionou o celebrante.
“Onde há amor, caridade, Deus ali está, porque Deus é amor. Frei Rui não só bem entendeu esta verdade. Sua vida era assim. Acima de tudo a caridade, o amor. Um franciscano sempre animado, entusiasmado, de esperança em esperança, mas no vigor da caridade, que perdurou em todo o seu itinerário religioso. No querer sempre voltar-se para o outro, cuidar do outro, ajudar o outro como podia, nos transmitir o modo de ser do Deus de Jesus Cristo: amor e caridade”, enfatizou Frei Joaquim.
Segundo o frade, a boa disposição e atenção amável com que Frei Rui acolhia e cuidava de cada pessoa que vinha ao seu encontro, com certeza ele aprendeu de Jesus, esse modo, como diz o Evangelho de hoje, que Jesus tinha de olhar para o outro com amor. “Ele ensina ao jovem como ter fome e sede do que realmente pode tornar plena a vida. Somente observar a lei não realiza ninguém. Por isso, Jesus conclui abrindo um novo e radical horizonte: só uma coisa te falta, vai e vende o que tem e dá aos pobres. Doa, oferece. Você será feliz se for capaz de fazer alguém feliz. Você não é o que você tem; você é o que você dá, doa. Frei Rui aprendeu essa lição do Senhor. A vida de Frei Rui era simples, pura e total doação. Todos os testemunhos dizem que ele não descansava enquanto não percebia a satisfação no rosto das pessoas. Ele não parava e procurava sempre dar um pouco de tudo, fosse algo material ou um olhar, escutar com atenção, falar sem faltar com a caridade, como ensina Jesus no Evangelho de hoje”, explicou Frei Joaquim.
Quando o Hospital São Roque foi reestruturado e os internos foram liberados, podendo morar em suas próprias casas, muitos deles não tinham mais para onde ir. Haviam perdido contato com as famílias e não podiam prescindir do tratamento que ainda continuariam a fazer no Hospital. Então, Frei Rui começou o grande trabalho, com ajuda de benfeitores, para comprar terrenos próximos ao Hospital e construir casas para os egressos.
Entre as décadas de 1980 e 90, aconteceu uma grande onda migratória para Piraquara. Muitas famílias vieram de várias partes do Brasil sem emprego, sem moradia, sem condições de uma vida digna. Neste contexto, ampliou-se ainda mais o trabalho do Frei Rui, que construiu, com os benfeitores, mais de mil casas, especialmente nos bairros de Guarituba, Vila Macedo, Santa Mônica, Jardim Primavera, Bela Vista, São Cristóvão, além de outros bairros de Piraquara e região. Inclusive, naquela época, o bairro do Guarituba tinha o solo muito encharcado. Era difícil para as famílias viverem ali. Mas Frei Rui novamente mobilizou os benfeitores para levar centenas de caminhões de terra, deixando o solo mais adequado, o que contribuiu para melhorar a qualidade de vida das pessoas que lá moram. Também prestou relevante assistência aos índios Guaranis, da Aldeia Araçaí, que vivem nas montanhas de Piraquara.
A promoção humana junto aos mais carentes aconteceu das mais diversas formas, além das construções das casas: distribuição de comida, remédios, móveis, roupas, material escolar para as crianças, organização de festas de Natal, Páscoa, Dia da Criança com farta distribuição de doces e brinquedos. O que alegrou a infância de muitos habitantes, hoje adultos. Este imenso trabalho de ajuda ao próximo só foi possível pela constante e fraternal parceria das Irmãs da Congregação das Irmãs Franciscanas de São José, que atuam no São Roque desde 1926. Até hoje, as Irmãs do São Roque também continuam o trabalho do Frei Rui distribuindo cestas básicas para 170 famílias cadastradas, moradoras dos bairros de Santa Monica, Vila Macedo, Guarituba, Planta Deodoro, Bela Vista, Laranjeiras, Esmeralda e Santa Maria. Com a pandemia, ampliou-se o atendimento das famílias e mais de 250 cestas básicas estão sendo distribuídas por mês.
Frei Rui também ajudou várias Associações, Entidades Filantrópicas e Beneficentes. Entre elas, a Fundação Pró-Hansen, onde foi um dos fundadores e Conselheiro. De forma incansável buscou recursos para que a Fundação pudesse realizar estudos, pesquisa e produção de medicamentos contra hanseníase. Ele também teve muita ajuda da Associação e Oficinas de Caridade Santa Rita de Cássia, entre outras. Sempre esteve presente nos Hospitais e destacamos sua atuação no Hospital San Julian, levando sua presença e palavra de esperança e de fé. Frei Rui Depiné também teve uma forte atuação junto à Colônia Penal. Alguns dos presos eram envolvidos em trabalhos no Hospital São Roque. Além da orientação espiritual, Frei Rui ensinava algumas atividades de capacitação profissional como marcenaria, e eles também cuidavam do jardim do Hospital. Frei Rui atendia Penitenciárias, Delegacias, fazia sepultamentos, visitava as casas de todos, dos mais abastados aos mais necessitados, dos excluídos, dos desvalidos, dos injustiçados; sempre levando o pão, o remédio, o agasalho, mas, principalmente, sua presença franciscana e amiga.
ÍNTEGRA DA HOMILIA DE FREI ANTONIO JOAQUIM
Mc 10, 17-30 (Frei Rui Depiné: “Você será feliz na medida em que você fizer o teu próximo feliz!”)
“Jesus saiu a caminhar…” Jesus está a caminho, em saída (“Igreja em saída”, como nos ensina o Papa Francisco). Jesus está na estrada, na rua, caminhando – o que Ele amava fazer: a rua, a estrada, o caminho, que é de todos, une os que estão longe, é livre, aberto, como uma brecha nos muros do fechamento, da intolerância, do individualismo estéril… Jesus ama os horizontes que todos acolhem!
Era o mesmo que Frei Rui amava: sempre a caminho, saindo ao encontro de todos, como um horizonte que todos, todas as criaturas acolhia. Aqui mesmo, nesta capela, abria-se esse horizonte de acolhida: aqui, todos eram bem-vindos: pobres e ricos, doentes e sadios, ouvintes e surdos, crentes e não-crentes. A exemplo de Jesus, frei Rui era um homem que caminhava, saía a caminhar, vivia em andanças pelas favelas, comunidades, passando por este mundo fazendo o bem!
E diz o Evangelho: “eis que veio alguém correndo…” Alguém, um qualquer, um zé ninguém, sem nome, mas rico, como se o evangelista dissesse: alguém cuja identidade foi roubada, ofuscada pelo dinheiro. Esse alguém veio correndo ao encontro de Jesus. Corre, como alguém que tem pressa, precisão de viver, de viver verdadeiramente. Aquele homem sem nome está para enfrentar um grande risco: interrogar Jesus para saber a verdade sobre si mesmo: “Bom mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?” É como se ele perguntasse: bom mestre, por favor, me responda: a minha vida é vida ou não? O que tenho de fazer para ser vivo, para viver realmente? Essa é uma pergunta eterna, universal!
As poucas vezes em que estive com frei Rui, suas atitudes, seu modo compreensivo, terno de falar pareciam sempre nos questionar, sem qualquer desrespeito, sem resquício de superioridade algum, sem agredir, sem julgamentos: “Mas, a tua vida é vida mesmo? Será que você não deveria buscar o que, quem é realmente capaz de te fazer vivo de verdade? De fato, a vida de frei Rui, sendo total doação, um exemplo único de solidariedade humana, abnegação e altruísmo, pura expressão do amor parecia sempre questionar o nosso modo de viver: “Mas, afinal, o que é que eu faço que significa, concretamente manifesta vida, vida verdadeira? O que é que eu faço, como faço para ser vivo, viver realmente?” São pessoas assim, bons mestres de vida que nos fazem refletir: o que, na minha vida, no meu modo de viver tem de eterno, da vida mesma que vem de Deus?
Jesus responde elencando cinco mandamentos e um preceito moral, que não se referem a Deus, mas às pessoas, ao próximo! Como se Jesus estivesse nos dizendo: “Olha, o que importa mesmo não é como você tem acreditado, como você crê, mas como você ama, de que modo você tem amado, se relacionado com o próximo, com as pessoas!” São os relacionamentos, os encontros cheios de amor ao próximo que transmitem a vida; é nessas relações, é no modo de lidar com o outro, de tratar, cuidar do próximo, é aí que Deus está, faz-se presente: “Onde há amor, caridade, Deus ali está!” (“Ubi caritas, ibi Deus est.”), por que Deus é Amor!
Frei Rui não só bem entendeu essa verdade; sua vida era assim: acima de tudo a caridade, o amor! Um franciscano, uma pessoa em que crescia, intensificava-se sempre a fé primeira; sempre animado, entusiasmado, de esperança em esperança, mas em quem maior era o amor, o vigor da caridade, que perdurou durante todo o seu itinerário religioso. Na sua atitude de querer sempre voltar-se para o outro, cuidar do outro, ajudar o próximo como podia, transmitia-nos o modo de ser do Deus de Jesus Cristo: Amor-Caridade!
A boa disposição e atenção amável com que frei Rui acolhia, cuidava de cada pessoa que lhe vinha ao encontro, tinha aprendido de Jesus, com certeza. Assimilara esse modo, como diz o trecho do Evangelho de hoje, que Jesus tinha de olhar para o outro com amor e ensinar ao outro, ao jovem: “Você tem de ter fome e sede do que realmente pode tornar plena a tua vida; somente observar a lei não realiza ninguém!” Isso, é claro, deduzimos da conclusão de Jesus, que abre um novo e radical horizonte: “Só uma coisa te falta: vai; vende o que tens e dá aos pobres (…)!” Dá, doa, oferece! Você será feliz se você for capaz de fazer alguém feliz! Você não é o que você tem! Você é o que você dá, doa, oferece!
Frei Rui aprendeu e praticou essa lição aprendida de Nosso Senhor: sua vida era simples, pura e total doação, oferenda. Tantos testemunhos dizem que ele não descansava enquanto não percebia satisfação no rosto das pessoas; que ele não parava e incansavelmente procurava sempre dar, doar, oferecer um pouco de tudo, fosse algo material ou apenas dar atenção, olhar o outro – como faz, ensina Jesus na perícope do Evangelho, há pouco lida –, escutar com benevolência, falar sem faltar com a caridade. Dar, doar, oferecer: verbos, modos de ser nos quais, queiramos ou não admitir, temos receio de espontânea e naturalmente transformar nossa vida. Nós queremos reter, segurar, ter na mão, possuir, acumular. “Dá aos pobres (…)! No Evangelho, amar se traduz sempre com o verbo dar!
“Mas o homem rico ficou abatido e foi embora cheio de tristeza.” Nós trazemos em nós dois impulsos vitais, sempre em guerra entre eles: um impulso é aquele da vida ordinária, que se volta para as coisas e as preocupações cotidianas, e o outro impulso vital é o que se alimenta de aspirações e apelos, de vocação e sonho, é a vida permeada do extraordinário. A afirmação “o homem rico foi embora triste” significa venceram as coisas e o dinheiro; ele não seguirá a vida como apelo, como busca interior, extraordinariamente livre, aberta, dadivosa, que o conduzira a Jesus; levará uma vida como existência ordinária, refém, prisioneiro das coisas. Não aceita, não acolhe o desafio do caminho de Jesus: em saída, extraordinariamente liberto de um enredamento em si mesmo, em suas propriedades. Aquele homem fechou-se, e em sua tristeza, não teve acesso à riqueza essencial, verdadeira, pois não quis que sua vida fosse atravessada significativamente por uma ruptura extraordinária: morrer para si mesmo a fim de viver na comunhão com Cristo, no seu seguimento. A vida de Francisco de Assis, do frei Rui Depiné, e de tantas pessoas que assumiram o apelo, a vocação, e seguiram Jesus de modo livre, aberto, abnegado, dadivoso, mostra-nos que o caminho para o Pai, para a vida eterna é o caminho da altíssima pobreza, a extraordinária riqueza essencial que banha, permeia o ordinário da vida de jovialidade, serenidade, cordialidade, pois tudo passa a religar a Deus: nada temos que não tenhamos recebido!
Religados a Deus, Francisco de Assis e frei Rui Depiné foram pessoas que, em sua busca interior, acolheram de bom grado, com toda a força do coração, o olhar de Nosso Senhor! Sentiram-se amados por esse olhar humano-divino; nesse olhar, converteram-se e transformaram suas vidas em dom! A passagem do Evangelho, que hoje lemos, diz três vezes “Jesus olhou”. Jesus olhou com amor. Jesus olhou com preocupação. Jesus olhou com encorajamento. A fé outra coisa não é do que a minha resposta, abertura a esse enamoramento de Deus pelo ser humano. A fé é uma abertura que nasce desse encontro: quando Deus entra em nós, participa, faz-se, com seu olhar, presente em nossa vida, e nós lhe damos tempo e coração!
Chegamos, então, a uma das falas mais belas e cheias de terna esperança de Jesus: “Para Deus tudo é possível”! Deus é capaz de fazer passar um camelo pelo buraco de uma agulha. Deus é apaixonado pelo impossível. Francisco de Assis e frei Rui Depiné viveram dessa paixão: caminheiros incansáveis, que na fome, na esmola, na sede ardente, viveram a paixão de dizer ao mundo que o “amor não é amado”! E assim passaram e tornaram-se exemplos para nós de como passar pelo caminho estreito, pelo “buraco” da pequenez, da abnegação, da minoridade, pelo qual o próprio Senhor Jesus passou para nos ensinar onde se encontra o tesouro escondido, a riqueza essencial.
Quem acolhe como sua vocação viver dessa riqueza essencial, desejando-a de todo o coração, torna-se pródigo em comunhão, uma pessoa que abre e promove espaço para os outros, que em sua vida deixa entrar os pobres, sempre ouvindo a voz de Deus e alegrando-se em Seu amor, que faz fervilhar em seu coração o entusiasmo de fazer o bem. Essa escolha de uma vida digna e plena de comunhão fizeram-na aqueles ricos que, no encontro amoroso com o Senhor, passaram a ter nome, identidade: Levi (Mc 2, 14s); Zaqueu (Lc 19, 2-10); Lázaro (Jo 12, 1-11); Joana e Susana (Lc 8, 3). Pessoas que aprenderam a amar como só Deus sabe amar: criando, gerando comunhão! Com efeito, Francisco de Assis, frei Rui Depiné e tantas outras pessoas souberam, conseguiram e quiseram acolher o desafio do caminho de Jesus, descobriram-se no olhar misericordioso do Senhor, acessaram a riqueza essencial, verdadeira, e assim cresceram na sabedoria da vida eterna, buscando converter suas vidas em comunhão de amor! Deixaram tudo e seguiram o Senhor, e como diz essa passagem do Evangelho, ganharam cem vezes mais em irmãos e irmãs, receberam um coração multiplicado, ampliado, plenificado da vida que vem de Deus, vida eterna!
Que a exemplo de Francisco de Assis e frei Rui Depiné, também nós acolhamos sempre, em nosso modo único de ser, a graça de realizar plenamente o desígnio que o Senhor tem para nós: passar por este mundo fazendo o bem! Que assim seja! Amém!