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Lopes: ‘A referência única do jornalismo evangélico é Jesus’

04/04/2017

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São Paulo (SP) – “O jornalismo que se pretende evangélico é o que está 100% do tempo voltado para o anúncio do Reino”. Em linhas gerais, esta provocação do jornalista Mauro Lopes marcou o primeiro encontro da Frente de Evangelização na Comunicação nesta terça-feira (4 de abril), na Sede Provincial, em São Paulo. Graças à vídeo-conferência, os diferentes serviços realizados pela Província Franciscana da Imaculada Conceição neste segmento puderam se conectar durante reunião que tratou do tema “O ‘fazer’ jornalístico a serviço do Evangelho”, a pedido do coordenador da Frente de Evangelização, Frei Gustavo Medella.

Na sua dinâmica, Lopes destacou muito as características essenciais do “jornalismo evangélico”. Segundo o jornalista de formação, pai de quatro filhos, psicanalista, poeta, teólogo, e autor do Blog “Caminho pra Casa – Cobertura e reflexão sobre a Igreja e o mundo ao lado do Papa Francisco“, ele buscou oferecer um roteiro do “fazer” jornalístico, especialmente para jovens comunicadores.

Frei Medella abriu a reunião destacando os motivos que o grupo tinha para se alegrar, especialmente com a alta médica de Frei Nélson Rabelo, jornalista e diretor de programação da Rede Celinauta de Pato Branco, que no dia 3 de março passou por uma cirurgia delicada. Ele recebeu alta ontem e está em casa.

“Esse encontro nasce da perspectiva dos nossos encontros provinciais, que pediram também formação e momentos em comum. E como nossas distâncias são um pouco grandes e, às vezes, temos necessidades de aproximar esses fóruns, creio que esse momento com a vídeo-conferência vai ajudar bastante”, disse Frei Medella, agradecendo a Frei Neuri Francisco Reinisch, junto com os profissionais da Fundação Celinauta, em Pato Branco, e Frei Roberto Carlos, com os profissionais da Fundação Frei Rogério, em Curitibanos. Além deles, participaram deste encontro em São Paulo os profissionais Universidade São Francisco (Bragança Paulista), Associação Bom Jesus (Curitiba), Serviço Franciscano de Solidariedade, Sala Franciscana, Sede Provincial, e também o Vigário Provincial, Frei César Külkamp, que participou pela primeira vez deste encontro.

De início, Lopes foi enfático. “O jornalismo que se pretende evangélico é o que está 100% do tempo voltado para o anúncio do Reino. De que jeito? Problema nosso. É a nossa capacidade, a nossa criatividade que deve encontrar o jeito. Numa notícia do frade que saiu da UTI, onde está o anúncio do Reino ao apresentar esta boa notícia?”, perguntou Lopes, conhecido por sua atuação na grande imprensa. Não foi a primeira vez que Lopes se encontrou com os profissionais da Província, já que em 2015 ele foi o assessor do Encontro Provincial da Frente de Comunicação.

Para Lopes, a última orientação de Jesus para os seus discípulos foi: “Sejam jornalistas do Reino, espalhem a boa notícia”. É o que falou em Marcos 16,15, na sua despedida. “Esse tema foi atualizado pelo Papa Francisco, no qual ele vai dizer que a este anúncio não corresponde a ideia de doutrinação. A este anúncio deve corresponder uma postura de comunicação, de atração, não de convencimento. Portanto, é a nossa capacidade de espalhar a boa notícia sobre o Reino, sem ter a ilusão de que vamos doutrinar alguém, mesmo porque, como diz o Papa, a conversão é um assunto absolutamente individual. Não existe conversão de grupo”, acrescentou.

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CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DO “JORNALISMO” EVANGÉLICO

Em primeiro lugar, a característica fundamental é aquela que compreende que Jesus Cristo é o jornalista, a boa notícia e o veículo. É o único que faz isso tudo. Em Jesus estão concentradas a figura do jornalista, o reino e o veículo. A referência única do jornalismo evangélico é Jesus.

Outra característica fundamental para todo o fazer comunicacional da Igreja é o diálogo. “O fazer jornalístico de Jesus é sempre dialógico. Ao longo da história, a estrutura da Igreja se tornou piramidal e, se a gente olhar o Evangelho, não há pirâmide, é sempre sinagogal, é sempre circular. Não há um momento na conversa de Jesus com os seus discípulos, com os fariseus, com os saduceus, com ninguém, em que ele bate na mesa e diz: ‘Acabou, eu sou Deus…’. Não existe. É diálogo o tempo todo. Essa capacidade de dialogar é uma das grandes dimensões que o Papa recupera e que nós deveríamos estender ao jornalismo”, explicou Mauro Lopes, orientando que nossas páginas do Facebook, sites, quando alguém escreve um comentário, merece uma resposta que não é control C/control V.  “Mesmo que seja para jogar pedra, criticar. É dialógico”, disse.

Para Mauro, Jesus é sempre conversa, diálogo.  “Isso não quer dizer que ele passe a mão na cabeça dos fariseus. Tanto que vai chamá-los de ‘sepulcros caiados’. Mas jamais rompe o diálogo. Ele só rompe o diálogo no momento da Paixão depois do interrogatório de Pilatos, porque não havia mais dinâmica de vida. Era uma dinâmica exclusivamente de morte”, recordou.

Isso quer dizer que Jesus nunca se colocou de cima para baixo, lembrou Mauro. “Essa é uma característica fundamental do diálogo. Pressupõe que todos estejam no mesmo nível”, acrescenta, lembrando duas passagens bíblicas que mostram essa dimensão: Jesus em Emaús e a refeição na praia. “Essa disponibilidade para o diálogo é frequente. Isso é dramático porque a gente vê meios jornalísticos que não favorecem o diálogo, que são unidirecionais, como jornais impressos, a TV, a rádio menos, e a gente vê mais recentemente o surgimento de processos comunicacionais que favorecem a dimensão dialógica, mas hoje vivem um momento em que as portas do diálogo estão sendo cerradas, em que as dinâmicas de ódio prevalecem sobre as dinâmicas do diálogo. Então, esse é o desafio para nós: estabelecer as dinâmicas do diálogo, como pautou Jesus”, emendou.

Outra característica é o entendimento de que a notícia é sempre recorte.  “É importante ter clareza que há sempre recorte”, diz Lopes, exemplificando com os relatos da morte de Jesus nos quatro evangelistas. Para ele,  não existe notícia neutra. “Franciscano é diferente do dominicano, do jesuíta. Portanto, dentro do jornalismo evangélico há possibilidade de recortes. Sem que isso signifique antagonismo ou disputa”. E completa: “Ela é sempre boa notícia para alguém e má notícia para alguém. No caso do jornalismo evangélico, qual é a boa notícia?”

Outro ponto e uma questão-chave do jornalismo é o entendimento profundo dos seus interlocutores, que é diferente do entendimento dos interlocutores buscado pelo marketing do capitalismo, cujo objetivo é apenas vender melhor e mais. “No nosso caso, não temos objetivo de realizar nenhuma venda. A ideia é entender qual é a agenda:  falar sobre o que, como e por que meios. Isso era uma busca constante que Jesus realizava por meio de diversas expressões (Mt 4,23-5,2)”, disse o palestrante.

A QUESTÃO DA LINGUAGEM

Qual é o tipo de linguagem que mais se adequa para o interlocutor e o meio que estamos usando? Segundo Mauro, o filósofo Walter Benjamin (*) escreveu um texto maravilhoso sobre a arte da narrativa. “Esta é a proposta de Jesus: ele é um grande narrador. Por que novela faz tanto sucesso? Porque a gente adora ouvir histórias da vida dos outros… Por isso que fofoca também faz tanto sucesso (risos). Então, os evangelhos são quase que integralmente a narração de uma história e Jesus usa, com aquelas multidões, a narração de histórias, as parábolas (Lc 15,4-7). Ele poderia ter feito um discurso conceitual, mas escolheu a narrativa. Isto não quer dizer que é a única linguagem que devemos usar, mas para conversar nas comunidades, para conversar com as pessoas, para dialogar em mídias, como em TV, usamos essencialmente a narrativa”, disse Lopes, lembrando que o prólogo do Evangelho de João não é narrativo mas um ensaio sobre o Verbo. Para Lopes, é preciso levar em conta o interlocutor, e não subestimá-lo.

Outra questão-chave do “fazer” jornalístico evangélico é a consistência entre a notícia e aquele que noticia.  Segundo Mauro, é preciso ter coerência. “Beato Carlos de Foucauld tem uma frase exemplar: ‘Gostaria de ser bom para que se pudesse dizer: ‘Se assim é o servo como será o Mestre?’. Não existe jornalismo evangélico se o jornalista evangélico não tem uma vida consistente. Isso não quer dizer isento de pecado. Até hoje não conheci ninguém assim, mas isso quer dizer uma busca de coerência.   Carlos de Foucauld diz: ‘Gritar o Evangelho com a sua vida”, reforçou. Por isso, segundo o palestrante, o testemunho é sempre muito forte, assim como a narrativa. “Ela expressa uma verdade. Por isso, quando uma narrativa é mentirosa, o prejuízo é brutal”, observa.

Segundo Lopes, não é à toa que os evangélicos, os pentecostais, fazem tanto sucesso! Eles baseiam a sua atividade na narrativa. “Você vai no templo evangélico e a senhora é chamada para o altar e fala que apanhava do marido, que ele se converteu e agora paga o dízimo. É a arte da narrativa”, esclarece.

Por fim, o tema da verdade. Essa é uma questão crucial, diz, citando Jo 1,17. “Simone Weil tem uma frase que deve iluminar o nosso fazer jornalístico: ‘Jesus quer que a verdade seja preferida a Ele porque antes de ser Cristo, Ele é a verdade. Se alguém se distancia dele para ir à verdade, não dará muitos passos sem cair em seus braços’. Jesus quer que a verdade seja preferida a Ele, porque antes de ser Cristo ele é a verdade. Em outras palavras, se eu procuro a verdade, vou chegar a Jesus. Se procuro Jesus, não necessariamente eu chegarei a Jesus. Posso chegar a uma falsificação de Jesus, posso chegar a uma projeção  do meu próprio ego. É o que a gente vê nessas igrejas espalhadas por aí. O ‘nome de Jesus’, não significa o encontro com Jesus, porque não está assentado na verdade. Se nós acreditamos na palavra, a palavra é Verdade”, frisou.

Para Mauro, esse é um tema crucial para a Igreja. “É normal, é natural que instituições humanas – eu fui durante muitos anos gestor de crise -, tenham como máxima a sua sobrevivência. Instituições existem para sobreviverem e se reproduzirem. Mas Jesus disse: ‘Não, a gente existe para a caridade’. A questão é que esse processo organizacional fez com que a Igreja fosse tomada, ao longo da história, muito mais pela demanda da sua sobrevivência do que pela busca da verdade e do amor de Jesus. Vou falar do caso de uma situação muito dolorosa para a Igreja, para nós, católicos, que é a questão da pedofilia. Está claro que esconder a verdade sobre esta questão trouxe muito mais prejuízos para a Igreja do que se esse assunto tivesse sido tratado abertamente muito antes”, ensinou.

Para o autor,  as pessoas querem a verdade com a consistência daqueles que a noticiam. “Quem está buscando sentido na vida, está buscando a verdade. Está buscando essa consistência. Ou somos jornalistas do Evangelho que ofertam propostas verdadeiras para a busca do sentido, ou é brincadeira, não vai colar, não vai dar certo. Não é à toa a crise do catolicismo no mundo. O nosso jornalismo tem que despertar esse sentido e tem que ter esse desejo de ‘quero mais’, como em Emaús: ‘Fica conosco, é tarde e já declina o dia’. Esse desejo de mais é a chave do jornalismo evangélico”, completou Mauro.

Frei Medella ainda passou a palavra para os participantes fazerem perguntas e considerações. E adiantou que o próximo encontro em maio será regional e, com vídeo-conferência, em junho, reunindo todos os serviços provinciais.

Moacir Beggo e Érika Augusto (fotos)


(*)No ensaio, publicado em 1936, “O Narrador – Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”, Benjamin ( 1892-1940) analisa o desaparecimento da figura do narrador; em suas palavras desoladoras: “…algo distante, e que se distancia ainda mais”. Para explicar a natureza da arte narrativa e o porquê de sua extinção, o filósofo se vale do escritor russo Nikolai Leskov, que apresenta os “traços grandes e simples que caracterizam o narrador”.
BENJAMIN, W. O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política. Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1987.