O franciscanismo na Amazônia. Luta contra a pobreza extrema e pela natureza.
09/02/2016
“Os franciscanos, ou todos aqueles que confessam a espiritualidade franciscana, que trabalham em diversos lugares do mundo, sobretudo nas áreas mais pobres, onde há maior carência; acharam por bem lançar um manual que possa ser um subsídio para ajudar a melhorar o trabalho in loco. O objetivo é qualificar ainda mais as ações em prol da superação da extrema pobreza, dando orientações e uma luz para seguir em frente, pois essa atividade também depende de técnicas específicas”, explica o Bispo da Diocese de Óbidos, no Pará, Dom Bernardo Johannes Bahlmann.
Em entrevista por telefone à IHU On-Line, o religioso abordou sua participação na cerimônia de lançamento do Manual, quando foi convidado a falar sobre a experiência de aplicação das recomendações do documento junto às comunidades da Amazônia. “Nós estamos no Pará, em Óbidos, onde temos o maior índice de desmatamento no Brasil e também na Amazônia. Percebemos aqui também a mudança do clima e estamos muito preocupados com essa situação, portanto, precisamos apontar alternativas, não podemos ficar apenas nas denúncias, ou só nas críticas, temos que apresentar algo concreto que possa reverter esse problema. Precisamos fazer um grande esforço nesse sentido, por isso eu apresentei os projetos que temos aqui para que possamos desenvolvê-los a partir deste ano”, frisa.
Bahlmann destacou três projetos em andamento na região amazônica que estão tendo um papel importante no combate à pobreza extrema a partir da promoção de meios para a sustentabilidade ecológica e econômica das comunidades locais, empoderamento para as mulheres e melhoria do atendimento à saúde. Todas essas ações são atravessadas pela educação, direcionada tanto para o acesso à educação formal e para a saúde, quanto para questões técnicas relacionadas à agricultura e ao cuidado com a natureza especifica da região. “Dentro do cenário de pobreza da Amazônia, a questão da educação é uma das mais urgentes, pois muitas outras coisas dependem do conhecimento e de formas de comportamento. Aqui nós também precisamos de uma mudança de mentalidade e de hábitos para superação desse quadro”, ressalta o religioso.
Dom Bernardo Johannes Bahlmann é Frei da Ordem Franciscana. De nacionalidade alemã, está radicado no Brasil desde 1983. Em 2009 foi nomeado Bispo da Diocese de Óbidos, no Estado do Pará,
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como foi o lançamento do manualMaking Human Rights Work for People Living in Extreme Poverty: a Handbook for Implementing the UN Guiding Principles on Extreme Poverty and Human Rights, no Vaticano, em 17 de dezembro do ano passado? Quais foram suas impressões sobre o evento e o que os participantes disseram sobre a questão da pobreza e dos direitos humanos e sobre os modos de tentar tanto superar a pobreza quanto garantir os direitos humanos das pessoas que se encontram nessa condição?
Dom Bernardo Johannes Bahlmann – Este Manualfoi elaborado pela Franciscans International, a qual é ligada à Organização das Nações Unidas – ONUe reúne todas as congregações e grupos franciscanos do mundo todo. Assim, os franciscanos, ou todos aqueles que confessam a espiritualidade franciscana, que trabalham em diversos lugares do mundo, sobretudo nas áreas mais pobres, onde há maior carência; acharam por bem lançar um manual que possa ser um subsídio para ajudar a melhorar o trabalho in loco.
O objetivo é qualificar ainda mais as ações em prol da superação da extrema pobreza, dando orientações e uma luz para seguir em frente, pois essa atividade também depende de técnicas específicas. O Manual orienta que se deve desenvolver um trabalho envolvendo a todos na sociedade e no grupo da organização, internamente e externamente. Isso é muito importante porque às vezes trabalhamos, principalmente com grupos da Igreja, a partir do conhecimento que adquirimos através da experiência, que é muito importante, mas nós também precisamos ter o saber técnico para aprimorar o nosso trabalho.
Este Manual está sendo aplicado em diversos lugares ao mesmo tempo, no mundo inteiro, e foi elaborado em conjunto com as bases e em 17 de dezembro de 2015 foi dado um destaque maior a esse trabalho com a cerimônia de lançamento que aconteceu no Vaticano. Naquele momento debatemos o significado da caridade, que é uma das nossas motivações, ainda abordamos o que a Igreja propõe a fazer para o combate à pobreza, através da figura doPapa Francisco e de sua Encíclica Laudato Si’, bem como o Ano da Misericórdia, no qual estamos. Assim, o Manualnão foi lançado fora do contexto, uma vez que ainda temos muitas pessoas vivendo em situação de extrema pobreza no mundo.
Nesta ocasião, a partir de uma problemática da Amazônia abordei como está se dando o processo de aplicação do Manual na região. Abordei algumas experiências que estamos tendo com esse trabalho e as respostas que queremos dar daqui para frente aplicando o Manual junto aos grupos que almejamos desenvolver.
Conversamos sobre um grande problema que temos na Amazônia, que é o desmatamento, o qual tem uma grande influência no clima do mundo. Há pouco tempo tivemos a Conferência sobre o Clima em Paris, que também reforçou que precisamos reverter essa situação de fato. Nós estamos no Pará, em Óbidos, onde temos o maior índice de desmatamento no Brasil e também na Amazônia. Percebemos aqui também a mudança do clima e estamos muito preocupados com essa situação, portanto, precisamos apontar alternativas, não podemos ficar apenas nas denúncias, ou só nas críticas, temos que apresentar algo concreto que possa reverter esse problema. Precisamos fazer um grande esforço nesse sentido, por isso eu apresentei os projetos que temos aqui para que possamos desenvolvê-los a partir deste ano.
IHU On-Line – O sr. mencionou a importância da técnica no aperfeiçoamento do combate à pobreza. Em linhas gerais, quais são as principais técnicas que o Manual preconiza para tratar desses problemas?
Dom Bernardo Johannes Bahlmann – A primeira técnica apontada é a formação de um grupo coeso. Precisamos trabalhar para que o grupo tenha união e motivação, pois hoje isso se torna mais difícil por termos uma sociedade fragmentada.
Outra questão também é a clareza dos objetivos, onde queremos chegar. Para irmos ao encontro desses propósitos, oManual indica que envolvamos as pessoas e também procuremos organizações in loco, que também trabalhem na mesma linha, sejam Organizações Não Governamentais – ONGs ou governamentais. Nesse campo, temos ainda as políticas públicas, que é um modo de envolver o poder público para que seja cumprido o necessário. É possível dizer que a linha principal que se sobressai no Manual é o desenvolvimento do trabalho em conjunto.
IHU On-Line – De que modo o desmatamento incide ou contribui para a situação de pobreza Amazônia? Questão que o sr. abordou na ocasião do lançamento do Manual.
Dom Bernardo Johannes Bahlmann – Com frequência as pessoas que vivem no interior não têm a titulação de suas terras e muitas vezes são expulsas de suas moradias transferindo-se para as periferias das grandes cidades. Quando não são expulsas, essas famílias sentem-se obrigadas a ir para a cidade em busca de acesso à educação, saúde e de um atendimento social; uma vez que esses serviços nem sempre são garantidos no campo. Desse modo perpetua-se a pobreza.
Outro problema é a forma de desmatamento praticada por famílias que têm pequenos terrenos e buscam arrendaressas terras. Nesses casos, essas pessoas encontram no desmatamento um meio interessante para transformar essas áreas em pastagens para arrendamento a fazendeiros e grandes produtores. É a alternativa que muitos encontram para manter seu sustento.
Nosso objetivo é buscar uma reversão desse processo, fazendo com que os pequenos agricultores façam o reflorestamento das áreas onde ainda é possível, além de promover uma conscientização para que eles não utilizem as queimadas como meio de preparar o solo. O resultado disso muitas vezes é a queima de milhares de hectares à toa porque não se consegue controlar o fogo.
Todos esses casos não deixam de ser uma questão de pobreza, seja material, ou de conhecimento.
IHU On-Line – Quais são as situações sociais mais graves e urgentes de serem resolvidas na Amazônia?
Dom Bernardo Johannes Bahlmann – Dentro do cenário de pobreza da Amazônia, a questão da educação é uma das mais urgentes, pois muitas outras coisas dependem do conhecimento e de formas de comportamento. Aqui nós também precisamos de uma mudança de mentalidade e de hábitos para superação desse quadro.
Outro fato que merece atenção é a distribuição de verbas entre os Estados e municípios. É necessário haver umadistribuição mais justa, porque o que vemos são regiões, como é o caso daqui do oeste do Estado do Pará, muito abandonadas. Não existem investimentos suficientes nem em educação, nem em saúde ou infraestrutura nessas regiões, que acabam ficando na pobreza. A princípio sabemos que é possível se modificar esse quadro, mas é preciso que os governantes se engajem mais nesse objetivo. Aí já podemos abordar a questão da corrupção, onde o dinheiro que é destinado aos programas e projetos é desviado e não chega onde deveria.
Um dos exemplos disso foi um dos governos municipais que recebeu dinheiro para a construção de postos de saúde, porém dos 16 postos que existem oficialmente, apenas dois funcionam, os outros 14 ou não funcionam, ou não tiveram a sua construção concluída. Isso tudo reforça a perpetuação da pobreza.
Para podermos sair da pobreza precisamos fazer um grande esforço dentro da própria educação para mudar e para educar para a cidadania, para que os cidadãos cresçam sabendo quais são os seus direitos e deveres.
IHU On-Line – Em seu discurso no Vaticano, o senhor mencionou que entre as iniciativas para superar a pobreza na Amazônia, a Diocese de Óbios está iniciando um programa de reflorestamento na região e um trabalho em favor das mulheres da Amazônia. Em que consistem essas iniciativas e de que modo elas podem contribuir para o enfrentamento da pobreza na região?
Dom Bernardo Johannes Bahlmann – Existem dois projetos. Em um deles queremos trabalhar com a população rural no reflorestamento da Floresta Amazônica. Nós não temos a pretensão de fazer o reflorestamento de uma mata primária, isso é impossível, mas aqui nesse caso se trata de reflorestar com madeira de lei ou com árvores frutíferas, que possam depois produzir frutos ou algo que se possa usar depois, por exemplo, para a fitoterapia, para a indústria cosmética etc. O objetivo é que as pessoas envolvidas no projeto possam viver do extrativismo. Tudo está sendo organizado para que se assegure o sustento dessas famílias no interior, porque não adianta tentarmos reflorestar do modo mais próximo do que era antes e essas pessoas que ajudaram nesse trabalho permanecerem sem ter meio de se manter. Esse reflorestamento também precisa ser interessante para as comunidades locais e propiciar meios que garantam o seu pão de cada dia.
Também será cultivada madeira de lei, para que daqui a 20 ou 30 anos ela também possa ser comercializada como uma alternativa de garantia de aposentadoria. Desse modo, esse projeto objetiva criar meios para que as pessoas tenham de fato um sustento e que possam viver do seu próprio trabalho.
Nós estamos adquirindo uma área onde queremos instalar um laboratório e um centro de formação, que vai trabalhar em conjunto com a Casa Família Rural, formada pelos jovens agricultores que têm formação profissional. O objetivo é profissionalizar os jovens no campo para que eles possam desenvolver esse trabalho e melhorar a sua situação para ter ganhos melhores e possam sair da pobreza.
Empoderamento feminino
O outro projeto é um trabalho que queremos desenvolver junto ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e aoInstituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA para fortalecer as mulheres para que elas também possam viver do extrativismo, trabalhando com esses produtos necessários à fitoterapia e indústria cosmética. Junto às condições para busca do sustento, simultaneamente queremos oferecer meios para que as mulheres adquiram uma formação, sobretudo que possam concluir os estudos. Assim, o objetivo é propiciar um suporte para que elas possam garantir o sustento da família, mas ao mesmo tempo tenham acesso à educação.
IHU On-Line – Outro projeto mencionado em seu discurso diz respeito ao projeto do Navio Hospital que será desenvolvido pelos Frades Franciscanos. Em que consiste esse projeto? Que benefícios ele poderá oferecer no sentido de enfrentar a situação de pobreza na Amazônia e quais os desafios em implementá-lo?
Dom Bernardo Johannes Bahlmann – Esse é um projeto que ainda não está completamente aprovado, mas certamente isso acontecerá. Esse Navio Hospital vai atender às comunidades ribeirinhas in loco, porque muitas vezes é difícil o acesso dessas pessoas à cidade. A ideia também é melhorar a situação do atendimento à saúde na região.
Como esse navio sempre ficará um período de alguns dias em cada comunidade, queremos também fazer um trabalho de educação, formação humana, cidadania e ainda conscientização sobre o reflorestamento. Então, além de nosso centro de formação, faremos um trabalho de formação diretamente nas comunidades com o objetivo de promover meios de superação da pobreza nesses locais.
Ainda precisamos passar por algumas etapas até chegar à implementação do projeto. Certamente algumas dificuldades devem surgir ao longo do caminho, mas não vejo grandes entraves para que tudo dê certo. Talvez tenhamos que lidar com algumas resistências que possam surgir em função de ser um trabalho novo, também na fase inicial será necessário um tempo para formação do pessoal que vai atuar nos atendimentos, pois mesmo um projeto já em andamento precisa de pelo menos dois ou três anos até que ele se ajuste exatamente conforme foi pensado.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Dom Bernardo Johannes Bahlmann – Eu gostaria de dizer ainda que nós precisamos olhar para a Amazônia com um olhar de atenção, temos que cuidar bem do que temos aqui no Brasil. Há muitas pessoas que olham para a Amazônia, mas muitas vezes não encontramos aquela solidariedade que é realmente necessária para modificar a situação. Isso também é uma questão do próprio momento político que vivemos no país, mas temos que unir forças para podermos superar as dificuldades de compreensão, de trabalhar em conjunto. Não podemos ficar presos a interesses econômicos e político-partidários. Precisamos de fato fazer uma boa política no sentido de encontrar as soluções para os grandes desafios que temos aqui na Amazônia.