Notícias - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Ministro Geral sobre o Tempo da Criação 2023: O cuidado da criação é uma conversão cultural, mental e humana

12/09/2023

Notícias

Por ocasião do Tempo da Criação 2023, a Rádio Vaticano entrevistou Frei Massimo Fusarelli, Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores. Publicamos um trecho.

Na sua mensagem, o Pontífice convida todos a ouvir o apelo para estar ao lado das vítimas da injustiça ambiental e climática e para pôr fim a esta guerra sem sentido contra a Criação.

Posso constatar a realidade destas palavras do Santo Padre nas minhas viagens para visitar os frades de todo o mundo; nos diferentes continentes noto a dura realidade desta injustiça ambiental e climática, que é uma injustiça humana porque todos pagam as consequências. Parece-me que esta perspectiva “integral” é a mais inovadora da Laudato Si’, que encontra tantas resistências em muitos níveis e em vários ambientes, porque não somos capazes de fazer esta conversão cultural, que para nós cristãos é também religiosa, de considerar o homem e o meio ambiente como parte desta criação única desejada por Deus. Portanto, a guerra sem sentido contra a criação é uma guerra sem sentido contra o homem e vice-versa.

O Pontífice convida-nos também a voltar a escutar a terra, porque dela somos parte e não seus donos.

Sabemos que um certo mundo secular “acusou” a Bíblia de ter criado esta mentalidade, a saber, que o homem seria o dominador da criação. Em vez disso, nós, cristãos, lemos o Gênesis com mais profundidade: Deus nos pediu para sermos os guardiães da criação, os guardiães de uma realidade que não nos pertence. Como franciscano, gostaria de dizer que São Francisco descobriu que nada é nosso, mas tudo é dom de Deus. Parece-me que este é um grande caminho de conversão cultural, mental e humana que nos espera e que devemos fazer.

 Como o sr. disse, somos os colaboradores da conservação e do desenvolvimento do ser e da biodiversidade do planeta e da vida humana neste presente.

A vida humana e todas as formas de vida presentes no meio ambiente, na biodiversidade do planeta, fazem parte de um único sistema integral e integrado: se destruímos parte dele, destruímos tudo. Esta sim é uma conversão profunda! Você disse “colaboradores da conservação”: eu diria que somos verdadeiramente os protagonistas no cuidado da criação. Para nós, cristãos, isso tem a ver com escatologia, com o fato de que o meio ambiente, a criação, não é um fim em si mesmo, não está fechado em si mesmo, mas está aberto até o último dia, está aberto à conclusão que Deus dará a toda a criação. E estamos nesta grande jornada. Portanto, para nós, cristãos, é também uma conversão teológica, mas também antropológica e ambiental, mas propomo-la ao mundo, para além de qualquer fé, como uma grande chave de leitura e interpretação da realidade.

“Ouvir o clamor da terra”, o que isso significa para você?

Ouvir o grito da terra é uma expressão muito bonita e nos faz sentir que a terra, a criação, é uma realidade, é um ser vivo, e não é apenas algo que utilizamos; é uma realidade viva com a qual devemos interagir numa relação harmoniosa e, portanto, sentir-nos parte deste todo. Entre junho e agosto estive em 8 estados africanos e vi áreas inteiras de agricultura abandonadas porque já não era conveniente para os agricultores cultivar (também comprovei isso em alguns países europeus) porque as condições não eram favoráveis, porque se pode conseguir o mesmo de outra forma, pois sabemos que esses produtos não serão vendidos como deveriam. Ouvir o grito da terra significa também continuar a cuidar e a cultivar a terra e os seres vivos que nela habitam, para que torne a nossa vida e a nossa passagem na terra mais harmoniosa e mais humana. Em breve estarei na Amazônia e acredito que lá verei isso com ainda mais força, mas estive na Califórnia e mesmo lá a mudança climática é evidente e está realmente afetando a partir de dentro os tipos de presença do ser humano em nossa realidade. O Papa lança este grito não por uma tendência, mas porque é verdadeiramente urgente e, ao visitar o mundo, se pode ver isso. 

O Papa Francisco não se cansa de repetir que somos chamados a acolher mais uma vez o plano original e amoroso de Deus para a criação como uma herança comum a ser partilhada com todos os nossos irmãos e irmãs, sobretudo, a fazê-lo com grande alegria.

Voltar a abraçar o plano original e amoroso de Deus para a criação significa que a criação não veio por acaso – para nós, cristãos, claramente – é algo que verdadeiramente nos precede. Sempre me pergunto como podemos compartilhar essa leitura da realidade com quem não tem uma referência religiosa, mas se maravilha com a beleza da criação. A criação é realmente uma oportunidade de evangelização! O plano original e amoroso de Deus está impresso na criação como um elemento dinâmico e em desenvolvimento; não é apenas algo que precisa ser realizado, é algo que precisa crescer. Penso que falar deste projeto original como uma herança comum a partilhar com todos nos coloca nesta dimensão: o pensamento cristão medieval falava de um poder de Deus impresso na criação e que, para nós, franciscanos, na nossa reflexão filosófica e teológica, tomou a face de Cristo. Esta imensa obra de construção da criação, do universo, não é só para si ou para alguns, mas para todos. E esta também é outra grande conversão a ser feita.

O “Cântico das Criaturas” de São Francisco de Assis é o louvor mais sublime de toda a criação divina.

Francisco de Assis escreveu a parte mais significativa do Cântico das Criaturas quando estava cego e, portanto, não podia mais ver a criação. Portanto é uma visão interior que ele desenvolveu da criação à luz da fé. Na visão teológica franciscana, Cristo é o modelo, é o arquétipo para o qual olha toda a criação, do qual procede toda a criação e ao qual retorna toda a criação. Portanto, danificar verdadeiramente a criação significa envolver-se neste projeto de Deus, significa não querer mais reconhecer esta presença profunda; reduzimos a criação a uma questão de exploração, exploração e uso. Somos donos, não somos guardiães. Francisco de Assis está diante da criação com atitude de louvor, de agradecimento; é, sempre para nós, crentes, uma atitude eucarística. Não consideramos a criação apenas para usá-la: antes de tudo, na lógica bíblica, bendizemos a Deus, que é o pai, pelos dons da criação. Nós os devolvemos a ele, eles não são nossos, eles nos são dados, eles nos são confiados, e nós colaboramos na obra de Deus. Evidentemente, tudo o que suja, se não quebra esse grande “espelho” que é a criação, não só não nos permite ver o reflexo de Deus, mas não nos permite ler a nossa própria vida como o mistério que ela é e que clama por algo mais do que a sobrevivência ou a integridade biológica, mas anseia por algo mais que nós chamamos alma, espírito, vida eterna. Se aceitarmos que existe esta abertura e, em vez disso, nem tudo está fechado para nós mesmos, então poderemos salvar a criação. Aqui, Francisco com o seu louvor, nos diz isso.

Fonte: www.ofm.org