Kuzma: ‘Se enganam os que acham que os leigos querem ocupar espaço que não lhes pertence’
03/06/2018
Moacir Beggo
Rio de Janeiro (SP) – O terceiro dia da Trezena de Santo Antônio, no Convento Santo Antônio do Largo da Carioca (RJ), reservou aos seus fiéis um momento especial, tendo em vista o Ano do Laicato na Igreja do Brasil, para ouvir uma pregação sobre a vocação e a missão do leigo na Igreja, a temática proposta para o dia.
O domingo, 3 de junho, amanheceu nublado, mas a “cara feia” do tempo só ficou fora da igreja do Convento. No seu interior, o mestre e doutor em Teologia Cesar Augusto Kuzma (*), representante dos leigos na Comissão do Laicato da CNBB e convidado pelo presidente da Celebração Eucarística, Frei Neylor Tonin, deixou mais claro este tema que toda a Igreja do Brasil está debruçada. “É a primeira vez que venho aqui, e venho com bastante alegria, com bastante entusiasmo. Agradeço ao Frei Neylor pelo convite e também agradeço a vocês a oportunidade e também a paciência de poder me ouvir por alguns instantes e podermos juntos partilhar um pouco sobre a vocação, sobre a missão do leigo, a importância que nós temos no âmbito eclesial, no âmbito da missão, mas principalmente em vista do chamado maior que nós temos, que é o chamado na sociedade, que é o chamado de agir no mundo, onde nós podemos ser luz, fermento e ser sal na terra”, situou o pregador.
“Se nós pegamos, por exemplo, a 1ª Leitura (Dt 5,12-15), onde se coloca a questão do trabalho – e hoje temos todos uma dinâmica e uma problemática em vista do trabalho e da falta de oportunidade, da falta de espaços, onde as pessoas não têm onde buscar o seu sustento, uma realidade que cresce muito não apenas no nosso país, mas no mundo todo – e traduzimos isso para o trabalho em nível de Igreja, a gente pode pensar: o que nos é dado fazer, o que nos é permitido trabalhar, construir e como é que nós nos encontramos diante disso?”, questionou.
Na 2ª leitura (2Cor 4,6-11), o professor lembrou algumas questões e o conflito que traz ao exercer e viver a fé. “Aí, olhando a leitura, me deparava com a dificuldade de ser leigo hoje, de viver a sua fé, de testemunhar a sua fé, de maneira crítica, de maneira prática, de maneira a construir algo. E aqui nós temos a grande maioria como leigos e leigas – e vocês devem saber e concordar comigo que não é uma vocação fácil. É uma vocação que você tem que argumentar a sua importância, argumentar a sua existência. Muitas vezes nos querem leigos apenas submissos que recebem e acolhem passivamente aquilo que nos é dado e, quando nós ousamos dizer algo, ou fazer algo, nós somos cerceados ou limitados na nossa ação. E tem uma frase na segunda leitura que diz muito sobre o papel, a vocação e aquilo que os leigos sofrem, quando se diz assim do versículo 8 em diante: ‘Somos afligidos de todos os lados, mas não vencidos pela angústia; postos entre os maiores apuros, mas sem perder a esperança; perseguidos, mas não desamparados; derrubados, mas não aniquilados; por toda parte e sempre levamos em nós mesmos os sofrimentos mortais de Jesus, para que também a vida de Jesus seja manifestada em nossos corpos‘”, ilustrou, lembrando que o Ano do Laicato na Igreja do Brasil começou em meados de novembro do ano passado e vai até novembro desse ano, quando teremos a Festa de Cristo Rei, que é um dia dedicado à vocação e missão dos leigos na Igreja.
“Trazer o Ano do Laicato para a Igreja do Brasil não foi uma tarefa fácil. Foi uma tarefa muito difícil, mas tivemos em nível de Igreja mundial o ano que celebrou a vocação sacerdotal; tivemos em nível mundial o ano que celebrou a vida consagrada, mas não tivemos na Igreja em nível mundial um ano que celebrasse e pensasse a vocação do leigos e leigas”, explicou, detalhando como foi criado esse Ano com apoio de alguns bispos e da Comissão do Laicato, da qual ele faz parte, e da necessidade de se produzir um documento.
O documento foi produzido e publicado em 2016 com o título que traz como temática “Leigos e leigas, sujeitos na Igreja, sujeitos no mundo”. “Na ocasião do lançamento pude fazer uma palestra aos bispos em Aparecida, e, na minha fala, argumentei a importância do Documento e a importância do Ano dizendo que não é fácil ser leigo. Na nossa frente muitas portas estão fechadas, na nossa frente muitos rostos se viram contra nós, muitas mãos que deveriam ser estendidas se fecham, mas mesmo assim os leigos continuam atuando, mesmo assim os leigos continuam persistindo, resistindo, sendo força e esperança da Igreja no mundo. E se enganam aqueles que acham que os leigos querem ocupar um espaço que não lhes pertence. Os leigos, por sua vez, querem ocupar um espaço que que lhes pertence por direito e que é garantido pela vocação batismal, onde pelo batismo nos tornamos semelhantes a Cristo. Assumimos o nosso ministério, assumimos a nossa vocação, somos sacerdotes com Ele, somos profetas com Ele e passamos a organizar o mundo a partir Dele. Isso que compete a vocação e missão dos leigos na Igreja, onde há uma dignidade que lhe é própria, onde nós não estamos apenas como aqueles que servem e que estão abaixo, mas lutamos e buscamos uma Igreja que possa ser Igreja na sua totalidade, onde leigos e padres, onde leigos e religiosos, onde toda Igreja possa se formar e possa se valer como povo de Deus”, enfatizou.
Segundo o pregador, ao falar que são dignos e perguntar qual a importância, qual é a relevância, qual a missão dessa vocação, os leigos devem ter isso bastante claro.
“Então, não estamos mais numa expectativa de apenas receber, mas também de oferecer, e oferecemos de coração livre, oferecemos de coração aberto. E esse é um chamado importante que nos garante e é valioso para a nossa vocação”, ensinou.
Segundo Cesar, dentro dessa perspectiva do Ano do Laicato, que foi colocada pelo documento da CNBB, que tem como número 105, se fala que existe para a vocação do leigo uma autonomia, e essa autonomia exige uma busca de maturidade. “Quando falamos numa autonomia no viver do leigo não quer dizer que o leigo agora, como qualquer outra vocação, faz aquilo que bem entender, mas para nós a autonomia se alia e caminha junto com aquilo que é pedido como a busca da maturidade”, ponderou o mestre.
“O que eu creio e para o que estou crendo? Como vivo minha fé e para quem eu ofereço minha própria fé? O que busco diante da comunidade mas também o que ofereço junto com a minha própria comunidade? Se o mundo aí fora hoje exige ou nos possibilita uma postura individualista do ser, o ser cristão, o viver a fé nos impede de qualquer atitude individualista, porque nós compartilhamos o mesmo Pão, compartilhamos e ouvimos a mesma Palavra, vivemos na mesma realidade e, juntos, de mãos dadas, assumimos o nosso compromisso diante do mundo. Nenhuma missão é individual, como nenhuma esperança é individual. Toda missão se faz coletiva porque tudo que esperamos também é uma esperança coletiva. Esperamos com todos e agimos com todos, para todos e além de todos”, acrescentou.
O pregador contou que está terminando um texto que vai trabalhar um pouco a ótica responsável do cristão na sociedade e partiu de duas perguntas: 1ª) O que eu posso esperar diante do mundo que me cerca, que me desafia, diante das certezas e incertezas da própria vida? “Só que essa pergunta é uma pergunta dita no âmbito muito amplo, mas para nós, que somos cristãos, antes de perguntar o que eu posso esperar, devo ter uma outra pergunta: O que me é dado esperar sendo que a fé é uma resposta, um chamado maior? E se eu acolho aquilo que me é dado esperar, eu devo ter outra pergunta: Com quem eu devo esperar, olhando o lado comunitário, o lado da comunidade, o lado que se faz presente e fiel dentro dessa palavra de Deus que se revela. Então, dizendo assim em poucas palavras aquilo que compete à vocação e à missão dos leigos na Igreja. Diria que a vocação e missão dos leigos na Igreja é deixar-se tocar pela graça que vem do próprio Cristo. Deixar-se moldar por aquilo que Cristo oferece a você e passar a viver os seus passos, o seu dia a dia, rumo a esse horizonte, rumo a essa pessoa, rumo a esse desfecho”, definiu.
“Nós não estamos buscando mérito mas estamos buscando servir, não estamos buscando apenas um reconhecimento mas um espaço para poder atuar, um espaço para poder falar, onde possamos ser sal e possamos ser luz, assim como foi Jesus, que também era leigo, assim como foi Maria, que também era leiga, assim como Francisco de Assis, que também foi leigo”, argumentou.
Segundo ele, a natureza da Igreja é uma natureza laical porque somos todos povo de Deus. “Se no Evangelho Jesus pergunta e questiona aquilo que é apenas oferecido ao sacerdote no aspecto institucional da religião, para nós, enquanto cristãos, nada é exclusivo aos sacerdotes, porque o que nos vale, o que nos garante, é que nós somos uma Igreja que é povo de Deus. E a mesma vocação que nós somos chamados como leigos, aqueles que são chamados ao sacerdócio também têm a mesma dignidade e repartimos todos o mesmo Pão e nos fortalecemos todos numa mesma comunidade”, enfatizou.
Concluindo, Cesar convidou a todos “a agradecer a vocação que nos é dada e nos colocar em prontidão, nos colocar em serviço, em resistência, mas também em resiliência naquilo que nos é dado a esperar, naquilo que podemos esperar com todos e com os outros em prol da construção de uma sociedade mais justa, mais fraterna, mais irmã e mais humana”.
No final da Missa, o celebrante deu a bênção de Santo Antônio, Frei Erick de Araújo Lazaro aspergiu com água benta pães, lírios e os fiéis.
Nesta segunda-feira, no 4º dia da Trezena, o tema é a proposta do Papa Francisco: “Igreja em saída”.