Homilia de Frei Fidêncio na Missa de abertura
23/09/2014
“Minha mãe e meus irmãos são todos os que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 8,21).
Caríssimos confrades, postulantes, …
A Comissão Preparatória escolheu como tema para o nosso Capítulo das Esteiras o mesmo que a Ordem nos propôs para o Capítulo Geral: “Irmãos Menores no nosso tempo”. Queremos, como Província, estar sintonizados com a caminhada de toda a Ordem dos Frades Menores que se prepara para celebrar o Capítulo Geral (10 de maio a 07 de junho de 2015) e, ao mesmo tempo, com a Ordem e como Ordem, desde já desejamos vislumbrar no horizonte da nossa vida o nosso Capítulo Provincial (janeiro de 2016).
Assim sendo, neste primeiro dia deste Capítulo das Esteiras, queremos colocar em evidência o primeiro núcleo fundamental do nosso carisma: o irmão, a fraternidade.
Aqui nos reunimos como irmãos, provenientes de todas as nossas realidades enquanto fraternidades evangelizadoras presentes nas MISSÕES, nas PARÓQUIAS E SANTUÁRIOS, na COMUNICAÇÃO, no SERVIÇO DA SOLIDARIEDADE, na EDUCAÇÃO, e também com todas as nossas realidades da FORMAÇÃO. Muito nos alegramos com a presença da nossa juventude! Vocês, jovens franciscanos (postulantes, noviços, professos temporários e solenes no tempo da Filosofia e Teologia), nos enchem de esperança para bem vivermos o profetismo da fraternidade, em espírito de minoridade, no nosso tempo.
O Papa Gregório IX, imediatamente após a canonização de São Francisco, fez questão que a vida do Poverello de Assis fosse conhecida por toda a Igreja. E quem recebeu a incumbência do Papa para apresentar a vida e os feitos de São Francisco de Assis foi Tomás de Celano. No prólogo da Vita Prima de São Francisco, Celano afirma que o primeiro livro “é dedicado principalmente à pureza de sua vida, aos seus santos costumes e exemplos edificantes” (Prol). Celano, contudo, não fica centrado exclusivamente na vida pessoal do Santo de Assis. Já nas primeiras páginas ele fez questão de apresentar a importância e o profundo significado da participação dos primeiros companheiros que, com Francisco, “abraçaram a missão de paz” (1Cel 24). Companheiros que o próprio Francisco compreendeu e acolheu como ‘irmãos dados’. Por isso, na elaboração do Testamento, já ao final de sua vida, num olhar retrospectivo cheio de fé, ele fez questão de registrar e reconhecer: “E o Senhor me deu irmãos” (Test 14).
Assim, um novo grupo de Irmãos, ‘dados pelo Senhor’ e organizados a partir da escuta da Palavra de Deus, nasce no coração da Igreja. Um grupo de irmãos claramente definido pelo próprio Francisco: “Quero que esta fraternidade seja chamada Ordem dos Frades menores” (1Cel 38). Irmãos ‘penitentes de Assis’ que, no hábito e nos costumes, segundo a descrição ocular de Jacques de Vitry, “durante o dia entram nas cidades e aldeias, dedicando-se à vida ativa do apostolado; e à noite, voltam a seus eremitérios ou se retiram para a solidão da vida contemplativa” (J. Vitry 1216). E desde muito cedo, continua Vitry, esses Irmãos faziam questão de se encontrar com Francisco “num lugar combinado para se alegrar no Senhor e comer juntos: e é de grande proveito para todos”.
Esta observação feita por alguém de fora da Ordem, também é atestada por Celano. É maravilhoso sentir a singeleza com que Tomás de Celano narra o frescor e o vigor primaveril da primitiva fraternidade, formada e contemplada como um belo mosaico a partir de ‘pedras vivas recolhidas em toda parte do mundo’. Uma fraternidade que fazia festa quando se encontrava: “Quão forte era o laço que os unia no amor… quando se reuniam ou se encontravam em algum lugar, reacendia-se o fogo do amor espiritual, espargindo suas sementes de amizade verdadeira sobre todo o amor. E como? Com abraços fraternos, com afeto sincero, com ósculos santos, uma conversa amiga, sorrisos agradáveis, semblante alegre, olhar simples, ânimo suplicante, língua moderada, repostas afáveis, o mesmo desejo, pronto obséquio e disponibilidade”. E ainda: “Reuniam-se com prazer e gostavam de estar juntos: para eles era pesado estarem separados, o afastamento era amargo e doloroso estarem desunidos”.
Caríssimos confrades, se neste primeiro dia do Capítulo das Esteiras desejamos evidenciar o nosso “SER-IRMÃO”, o “SER-FRATERNIDADE” como núcleo fundamental do nosso carisma, também a Palavra de Deus que acabamos de ouvir no Evangelho vem ao nosso encontro para dizer-nos que somos verdadeiramente IRMÃOS quando juntos, reunidos em torno do mesmo Senhor e Mestre, nos dispomos a “ouvir a Palavra de Deus e a colocá-la em prática” (Lc 8, 19-21).
O pequeno texto do Evangelho faz uma constatação muito interessante: uma multidão de pessoas em torno de Jesus e a sua mãe e os seus irmãos, do lado de fora, alimentando o desejo de ver Jesus. Eles não conseguem se aproximar ou chegar perto exatamente por causa da multidão que se concentrara em torno do Mestre.
A fraternidade de Jesus é e sempre será um grupo de irmãos que se reúne para ouvir a Palavra. Faz parte dessa fraternidade aquele ou aquela que realmente deseja estar próximo do Senhor. E fraternidade é fraternidade quando ela se predispõe a escutar/ouvir a Palavra, que se organiza a partir da Palavra e consequentemente percebe que é a Palavra do Senhor que confirma e autoriza a Fraternidade para que ela realmente seja uma fraternidade evangelizadora.
A fraternidade não se sustenta quando ela, acomodada do ‘lado de fora’, apenas espera que o Senhor venha ao encontro (“tua mãe e teus irmãos estão aí fora e querem ver-te”). A fraternidade não tem vigor se não houver esforço pessoal e comunitário de querer caminhar ao encontro do Senhor. Parece que Cristo não quer ter ao seu lado discípulos que gritam: ‘abram alas para que a mãe e os irmãos possam chegar perto dele, sem nenhum esforço’. Não foi à toa que ele apresentou as exigências da cruz a todos os que desejam ser seus discípulos. “Quem quiser vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome a sua cruz, depois vem e segue-me”. E sabemos o quanto essa exigência evangélica foi fundamental para São Francisco (1Cel 22) e primitiva fraternidade (AP 11). É aqui que nasceu a fraternidade franciscana: vamos ver o que o Senhor tem a nos dizer.
O esforço pessoal e comunitário de aproximação do Evangelho é imprescindível para nos entendermos como fraternidade! Quando eu me aproximo para OUVIR e quando nós nos aproximamos para OUVIR, identificamo-nos como irmãos que estão no mesmo QUERER, na mesma BUSCA e no mesmo DESEJO (“É isso que eu quero, isso que procuro, é isso que desejo fazer de todo o coração”- 1Cel 22). É aqui que nasce o sentido de pertença e de familiaridade que o próprio Cristo nos indicou: “minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra e as colocam em prática”.
Por isso, creio que todos nós, com muita facilidade e astúcia, sabemos identificar nossas dificuldades que nos colocam ‘lado de fora do espírito da verdadeira fraternidade’.
Ao celebrarmos este Capítulo das Esteiras, que nos sintamos fortalecidos no sentido de romper todos os obstáculos e barreiras que nos impedem da aproximação do Senhor. E Jesus Cristo, o sentido e forma de vida que todos nós, irmãos menores, professamos na fé.
Se nós, IRMÃOS MENORES e/ou FRATERNIDADES DE IRMÃOS MENORES, desejamos ser “profetas de fraternidade no mundo de hoje” (Bento XVI) e se no espírito da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium devemos fazer todo esforço possível para que “não deixemos que nos roubem o ideal do amor fraterno” (EG 101), que aproveitemos esses três dias de graça para nos querermos bem no Senhor. Que sejamos propositivos no sentido de quem, a partir da proximidade do Senhor, deixou aquecer seu coração pela Palavra e assim, fraternalmente, encontremos caminhos práticos para vivermos o profetismo franciscano frente às crises e as exigências do nosso tempo.
Agudos, 23 de setembro