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Frei Pedro da Silva: “Cultivei a música como um serviço”

02/05/2019

Entrevistas

Moacir Beggo

Em 42 anos de vida franciscana e 35 de sacerdócio, Frei Pedro da Silva se dedicou ininterruptamente dezoito anos à Formação e Estudos na Província, passando pelas casas de Ituporanga, Luzerna e Rondinha, e agora está no quarto ano no Noviciado franciscano de Rodeio. Os demais anos, como ele diz nesta entrevista, foram dedicados à pastoral paroquial, dos quais, três anos na coordenação Serviço da Animação Vocacional provincial.

Mas com justo reconhecimento por seu grande trabalho na formação, creio que é difícil dissociar Frei Pedro da música. Desde o Noviciado,  lá estava ele no coro dando os acordes das Laudes, Vésperas, ofício das Leituras, solenidades etc.  Essa paixão pela música, no entanto, vem desde o berço e, entre os irmãos, era um costume cantar, em duplas, músicas sertanejas, especialmente as modinhas de Tonico e Tinoco. Durante os anos de formação, Frei Pedro investiu no conhecimento musical.

É também essa “vida pela música” que fica visível na sua personalidade: tímido, sensível, perfeccionista, como ele próprio revela. Eu acrescento: religioso, estudioso, forte na superação dos desafios, como quando perdeu cinco familiares na tragédia do Morro do Baú.

Acompanhe a entrevista!

Site FranciscanosDe onde vem o Pedro da Silva? Como é sua família?

Frei Pedro – Sou natural de Ilhota/SC, município situado às margens do Rio Itajaí-Açu, no Vale do Itajaí, da pequenina localidade de Alto Baú. Lugar pitoresco, do interior, montanhoso e de belas paisagens naturais, situado próximo ao Morro do Baú. Éramos uma família numerosa, cuja atividade principal era a agricultura. Sou o quarto filho, juntamente com José, meu irmão gêmeo, de uma família de catorze irmãos, dos quais três já são falecidos. Antes de completar quatro anos de idade perdi a minha mãe, Rosa, da qual tenho vagas lembranças. Meu pai, Manoel, contraiu um segundo casamento. Com dezesseis anos de idade, uma nova perda, com o falecimento repentino de minha madrasta Ana, que nos criou e educou, e pela qual tenho a mais grata recordação. O pai casou pela terceira vez. Eu tinha vinte e um anos, quando ele também partiu, depois de uma longa enfermidade. Tive a graça de estar ao seu lado nos momentos finais de sua vida.

Site Franciscanos – Como foi viver com as lembranças da tragédia do Morro do Baú?

Frei Pedro – Na noite do dia 23 de novembro de 2008, a pequena localidade de Alto Baú e outras localidades vizinhas foram surpreendidas por dezenas de desmoronamentos de terra, em virtudes das intensas chuvas que há dias caíam sobre toda a região do Vale do Itajaí. Foi um acontecimento doloroso para a família e para toda a localidade, marcado, sobretudo, pelas 34 vítimas fatais, das quais, cinco familiares meus, é claro, além de tantas outras perdas materiais. Situações como essas não há muitas palavras a dizer… Foram, sem dúvida, experiências onde a fé foi provada!

Site Franciscanos – Quando se deu o seu discernimento vocacional à vida religiosa?

Frei Pedro – Cremos que Deus nos chama por meio das pessoas, pelos acontecimentos da vida e na escuta da sua Palavra. Nasci e cresci num ambiente familiar muito religioso. Rezávamos o terço em família todas as noites, antes de descansarmos. Participávamos todos os domingos do culto ou da missa na comunidade. Tenho certeza de que o espírito muito religioso dos meus pais e o seu amor à Igreja foi determinante na minha opção vocacional. Ainda muito pequeno, com os demais irmãos, tínhamos os momentos da semana de ouvir as narrações da História Sagrada, feita pela mãe. Ela perguntava, frequentemente, se alguém dos filhos não queria ser padre, pois ela também tinha um irmão sacerdote e uma irmã religiosa. Como criança, brincava de construir ‘igrejinhas’ de papelão e ‘rezar missas’ com os irmãos e amigos.

Site Franciscanos – Qual foi a motivação que o levou para a Ordem dos Frades Menores?

Fei Pedro – Desde criança ouvia falar de Frei Godofredo, da Paróquia São Pedro Apóstolo de Gaspar. Seu nome despertava veneração e admiração… De vez enquanto, substituindo o padre da paróquia de Ilhota, Frei Godofredo vinha celebrar a missa em nossa localidade, onde normalmente permanecia por dois dias, como era o costume naquela época, quando as visitas do padre aconteciam a cada dois ou até mais meses. Sua maneira de falar, sua bondade com as pessoas, sua piedade, e especialmente, o hábito franciscano, com o cordão e seus três nós, contrapondo à rigidez, à severidade e à batina preta do pároco local, impressionava a mim, e a todas as pessoas do local. A decisão vocacional veio com as Missões populares realizadas pelos frades franciscanos na paróquia de Ilhota, no ano de 1965. O tipo vibrante e eloquente do então Frei Balduino Meurer, que pregou as Santas Missões em nossa comunidade, me impressionou muito. Meus pais apresentaram a ele o meu desejo de ser padre. Ele, prontamente nos orientou a procurar Frei Godofredo, em Gaspar. Foi o que fizemos logo que terminaram as missões na comunidade. Assim, em fevereiro de 1966, ingressei no seminário de Ituporanga.

Site Franciscanos – Como você define o Frei Pedro da Silva?

Frei Pedro – Se é difícil e comprometedor definir uma pessoa, penso que ainda mais comprometedor é definirmos e qualificarmos a nós mesmos, pois sempre tocamos no mistério que é cada pessoa. Considero-me uma pessoa simples, sincera, muito sensível, bastante tímida, responsável, preocupada, perspicaz, perfeccionista… Penso que somos, em muito, o que foi a nossa história de vida… Ela deixa marcas profundas no ser e na maneira de viver e olhar a vida. A experiência de morte e perda de alguém que amamos é sempre dolorida e deixa um vazio profundo no coração. Mas assumida na fé e integrada na vida, nos humaniza, nos torna mais sensíveis aos sofrimentos dos outros.

Site Franciscanos – Nesse tempo como frade menor da Província, você atuou em quantas frentes de evangelização?

Frei Pedro – Completei quarenta e dois anos de vida franciscana e trinta e cinco de sacerdócio. Os primeiros tempos foram mais de dezoito anos ininterruptos na Formação, em Ituporanga, Luzerna e Rondinha, e agora, já no quarto ano no Noviciado franciscano aqui em Rodeio. Os demais anos foram dedicados à pastoral paroquial, dos quais, três anos na coordenação do Serviço da Animação Vocacional provincial.

Site Franciscanos – Quando nasceu a paixão pela música?

Frei Pedro – A admiração e o apreço pela música me acompanharam a vida toda. Em casa, na família, quando íamos para a roça, era costume entre os irmãos, irmos cantando, em duplas, músicas sertanejas, especialmente as modinhas de Tonico e Tinoco. A música sertaneja e a de bandinhas alemãs eram os estilos que ouvíamos no rádio: de madrugada, ao acordar, à noite, durante a janta e nos domingos de tarde. Isso tudo paz parte das minhas raízes!

Site Franciscanos – Qual a sua preferência musical? Que estilo mais gosta?

Frei Pedro – Embora nunca abandonando o gosto pela música que trouxe das minhas raízes, foi, no entanto, no seminário e na caminhada formativa que descobri e me despertei para outros gostos e gêneros musicais. Hoje, tenho um apreço todo especial pela música erudita, nas suas mais variadas classificações e compositores. Sempre cultivei a música como um serviço e forma de colocar às disposição os dons que recebi de Deus. É essa a dimensão que procuro incutir aos outros na formação musical em nossas casas de formação.

Site Franciscanos – Como você vê a Igreja no Pontificado do Papa Francisco?

Frei Pedro – O Papa Francisco é, sem sombra de dúvidas, um referencial para Igreja no seu ser e no seu agir pastoral e evangelizador hoje, delineado por Jesus no evangelho, e tão bem expresso e sintetizado pelo próprio Papa Francisco, quando afirma: “O princípio da vida cristã, inspirado em Jesus é o de ‘abaixar-se’ para ‘servir… Esta é a Igreja que eu amo: uma mãe que tem no coração o bem dos próprios filhos e que é capaz de dar a vida por eles!”.

Site Franciscanos – São Francisco de Assis tem lugar neste mundo secularizado, carente de valores e desumanizado?

Frei Pedro – São Francisco de Assis, fundador da Ordem Franciscana, viveu grandes valores no seu tempo e que continuam sempre atuais para todos, como: a fraternidade, a pobreza, a paz, a humildade, o amor à natureza, o serviço generoso e gratuito, a alegria, a solidariedade. Viver esses valores no mundo de hoje, tão competitivo e materializado, são grandes desafios, pois exigem desapego, disponibilidade e generosidade em servir.

Site Franciscanos – Você trabalhou muito na formação e animação vocacional. Como o jovem pode ser despertado para a vida religiosa franciscana?

Frei Pedro – Pela nossa proximidade com o jovem, onde ele vai percebendo a nossa coerência entre e o ser e viver. O determinante é sempre nosso testemunho de vida: simples, humilde, sóbria e alegre; e que comporta desafios a serem superados e vencidos. Cito o que afirmava o Papa Bento XIV: “A Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração!” E numa outra ocasião aos jovens: “O jovem não tem medo do desafio, tem medo de uma vida sem sentido”!

Site Franciscanos – O que você diria para um jovem que quer ingressar na Ordem Franciscana?

Frei Pedro – Diria a ele: – Você, jovem, que nos procura, tem grandes ideais na vida, e alimenta sonhos de transformação de uma sociedade melhor, mais fraterna e humana; você não pode guardar os dons e ganhos recebidos de Deus. E não há melhor investimento do que colocá-los a serviço dos seus semelhantes. Jesus Cristo nos deixou o caminho: “Quem quiser ser o maior, seja o menor e servidor de todos!” Esse foi também o caminho vivido por São Francisco e indicado por ele aos seus seguidores. A descoberta de um Amor Absoluto na vida, é sempre o encontro de uma pérola preciosa, pela qual vale a pena vender tudo o que se tem, para possuí-la, segundo diz Jesus. O jovem Francisco, ao encontrar esse precioso tesouro, a partir da escuta do texto do evangelho do envio missionário dos apóstolos, exclamava: “É isso que eu quero, é isso que eu procuro, é isso que eu desejo de todo o coração”!