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Frei Marcelo: 72 dias de luta contra a Covid na UTI

24/11/2021

Entrevistas, Notícias

Internado de 12 de abril a 25 de junho, exatos 72 dias, o estudante de Filosofia da Fraternidade São Boaventura, Frei Marcelo Tadeu da Silva Cardoso, de 36 anos, travou a maior batalha de sua vida contra a Covid, a ponto de os médicos liberarem os seus confrades para avisar a família que a luta estava chegando ao fim. Mesmo sem ter consciência do que acontecia nesse tempo intubado, ele não desistiu. Uma força o ajudava a continuar a batalha para derrotar o vírus que já matou mais de 610 mil pessoas no Brasil.

 Frei Marcelo venceu e participa do seu primeiro Capítulo Provincial. “Foi uma grata surpresa quando o Frei Samuel, mestre dos estudantes do tempo da Filosofia, perguntou se eu gostaria de participar. Prontamente respondi que sim, pois havia feito o propósito de não perder nenhuma oportunidade que Deus me apresentasse. É muito gratificante estar aqui no Capítulo, rever confrades, conhecer e agradecer a todo mundo que rezou pela minha recuperação”, contou.

 Frei Marcelo faz parte de uma pequena parcela que sobreviveu quando precisou de ventilação mecânica. Segundo dados de uma pesquisa inédita obtidos com exclusividade pela BBC News Brasil, 8 em cada 10 pacientes intubados ao longo do primeiro ano de pandemia morreram. E o cenário que imaginaram para este ano era pior ainda.

 Nesta entrevista, Frei Marcelo conta como foi o momento do diagnóstico positivo até a recuperação em Bragança Paulista e a recuperação nos estudos para avançar na formação religiosa franciscana.

ACOMPANHE!

Site Franciscanos – Frei, quando e como foi que percebeu que estava com Covid?

Frei Marcelo – Por volta do dia 06 de abril comecei a sentir um cansaço muito grande e dores pelo corpo, principalmente à noite. Como havia me vacinado contra a gripe e tomado friagem, pensei que eram sintomas de uma gripe, mas, mesmo assim, procurei a UPA de Campo Largo, onde fiz o teste. Porém com o passar do tempo, além desses sintomas, os meus batimentos cardíacos se elevaram, a saturação de oxigênio caiu e tive uma tosse muito forte. Foi quando decidi retornar à Unidade de Saúde, onde foi confirmada a doença e já, no dia 12 de abril, fui internado no Hospital do Rocio, onde fui muito bem tratado, e só recebi alta no dia 25 de junho. Nesse meio tempo passei por momentos em que a melhora do meu quadro havia sido desacreditada pela equipe médica e havia o risco iminente de morte. Certa vez, após sair da UTI quando estava na enfermaria, uma médica foi fazer uma avaliação do meu quadro clínico e se espantou, pois comentou que me viu “morrer” por quatro vezes, já que em quatro plantões os quais ela trabalhou achou que eu não passaria das respectivas noites.

Site Franciscanos – Como se sentiu quando soube que seria intubado?

Frei Marcelo – Olha não me lembro desse momento específico, mas me recordo de dois que foram bem marcantes. O primeiro quando testei positivo para Covid-19, foi um susto, um baque muito grande, senti o tempo parar e tive medo e preocupação. O segundo quando fui informado de que iria para a UTI, porque o meu organismo não estava reagindo ao tratamento. De novo um baque, um medo, mas com a esperança de que era o melhor a ser feito. A última coisa que me recordo antes de ir para a UTI foi de avisar aos parentes e amigos e desligar o smartphone. Soube, posteriormente, que permaneci alguns dias consciente nesse setor antes de ser intubado e que recebi a unção dos enfermos, mas não tenho memória disso.

Site Franciscanos – A que santo ou devoção você rezou neste momento?

Frei Marcelo – Sou muito devoto de Nossa Senhora Aparecida, São Francisco de Assis, Santo Antônio e São Judas Tadeu, sempre rezo para eles. De modo particular nesse momento da doença sinto que eles estiveram muito presentes, Nossa Senhora por meio da oração do Santo Terço e Santo Antônio porque próximo ao dia dele eu comecei a melhorar. Sobre a oração do terço tem uma história muito bonita que li nos relatos sobre o meu boletim médico. Certa vez, eu estava contando algo nos dedos, os enfermeiros e técnicos de enfermagem intuíram que eu estava rezando o terço, então fizeram um cordão com os dez nós para que eu pudesse rezar, colocaram-no na minha mão e depois uma outra técnica se sensibilizou e comprou um terço para que eu pudesse rezar. Também gostaria de recordar que nesse período se formou um grupo que diariamente reza a oração do terço para mais de 80 intenções diferentes.

Site Franciscanos – E como foi o momento que saiu da intubação?

Frei Marcelo – Foram alguns dias em que fui recuperando a consciência. Recordo que a cada dia, pouco a pouco, parecia que eu recuperava mais e compreendia o que estava fazendo, o que estava acontecendo e onde eu estava. Algumas vezes, por não lembrar que estava na UTI, cheguei a imaginar que estava dentro de um filme e que a qualquer momento tudo iria acabar.

Site Franciscanos – Imaginava estar aqui participando deste Capítulo?

Frei Marcelo – Não imaginava, foi uma grata surpresa quando o Frei Samuel, mestre dos estudantes do tempo da Filosofia, perguntou se eu gostaria de participar e prontamente respondi que sim pois havia feito o propósito de não perder nenhuma oportunidade que Deus me apresentasse. É muito gratificante estar aqui no Capítulo, rever confrades, conhecer e agradecer a todo mundo que rezou pela minha recuperação.

Site Franciscanos – Como foi a recuperação em Bragança Paulista? Teve sequelas?

Frei Marcelo – Foi maravilhoso, por já ter passado pela fraternidade no ano passado, senti a segurança de que ali seria o melhor local para me recuperar. Foram quatro meses em que fui muito bem acolhido pela fraternidade e pelos funcionários. Eles me ajudaram em tudo o que podiam para que eu me recuperasse de forma excelente, tanto fisicamente quanto psicologicamente, pois me incentivavam a nunca desistir e me motivavam quando sentia algum desanimo. O que fiquei de sequela foi uma elevação da taxa de colesterol ruim e diminuição do bom e, por já ter uma deficiência de nascença na perna direita, ela ficou mais atrofiada por causa do período de internação, graças a Deus, não tive nada mais grave.

Site Franciscanos – E os estudos?

Frei Marcelo – Inicialmente imaginei que permaneceria mais seis meses em Rondinha para terminá-los, o que não era uma má ideia. Porém me foi proposto pelo coordenador do curso de Filosofia, Frei Antônio Joaquim, a possibilidade fazer provas de suficiência e proficiência, e também pelo professor orientador do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), de escrevê-lo nesse semestre, algo que foi endossado pela comissão do TCC e que exigiu de mim disciplina e dedicação. Com isso a FAE, me ajudou muito para concluir os estudos da Filosofia ainda em 2021 e poder dar seguimento à formação.

 Site Franciscanos – Que mensagem você deixa para as pessoas que minimizam a doença?

Frei Marcelo – Diria que por mais que pareça uma teoria da conspiração ela pode tirar a sua vida e de quem você ama. Então será que vale a pena arriscar algo tão valioso, por não querer acreditar na existência do vírus ou na sua letalidade? Na minha opinião é melhor não arriscar.

Site Franciscanos – O que mudou na sua vida hoje?

Frei Marcelo – Passei a confiar mais na providência divina, na força da oração e da vida fraterna, isso porque faço tudo o que está a meu alcance para atingir os meus sonhos, não crio ansiedade, deixo que Deus tome conta. Também acredito mais na força da oração, porque a cada dia descubro alguém que estava rezando por mim, pessoas que eu nem imaginava e até mesmo que não conhecia. Sei que uma grande corrente de oração foi formada na Província e fora dela. Algo que me fez valorizar ainda mais a minha família, amigos e os confrades, porque eles foram essenciais para enfrentar e vencer essa batalha. Principalmente, sou muito grato ao Frei Samuel (mestre do tempo de Filosofia) por tudo o que ele tem feito por mim e pelos meus familiares.

 CONHECENDO FREI MARCELO

Site Franciscanos – De onde você é? Fale um pouco de sua família.

Frei Marcelo – Sou natural da Capital de São Paulo, da região de Santo Amaro. Meus pais, Antônio e Maria José, ambos aposentados e são excelentes pessoas, dois exemplos de fé, perseverança, dedicação e carinho. Eles estão sempre dispostos a ajudar e a escutar quem precisa abrindo mão até mesmo de fazer coisas que gostam. Sou o segundo dos seus três filhos e meus dois irmãos, André e Fernando, são dois grandes homens parceiros para tudo e em todos os momentos, nós sempre ajudamos e apoiamos um ao outro. Eles são casados e me presentearam com duas maravilhosas cunhadas Cristina e Camila, um sobrinho Inácio José e uma afilhada Julia. A minha família sempre foi muito unida, trabalhadora e dedicada, tanto no cuidado entre si quanto nas coisas de Deus. A gente nunca desistiu de enfrentar todos os desafios que apareceram, porque sabemos que podemos contar um com o outro, sempre que for necessário e temos muita confiança em Deus e em Nossa Senhora. Um fato importante da minha história de vida está intimamente ligada a Nossa Senhora e a um santo específico. Eu nasci prematuro, de seis meses e meio, e já nesse momento precisei ficar 43 dias na UTI, só conseguindo sair de lá e ter a melhoria na saúde por causa de uma promessa feita a São Judas Tadeu e a Nossa Senhora Aparecida, porque nasci no dia 28 de agosto (popularmente dedicado ao santo) e foi no dia dela que os médicos permitiram que eu saísse do hospital e fosse para junto da minha família.

Site Franciscanos – E como se deu seu discernimento vocacional?

Frei Marcelo – Eu tinha uma vida razoavelmente tranquila, já havia cursado o ensino superior, trabalhava em uma empresa multinacional com o que gostava e era ativo nos projetos da Igreja, no entanto sentia que Deus me pedia algo a mais. A vida de São Francisco de Assis sempre me questionou bastante e toda vez que via um religioso ou um sacerdote sentia algo bom. Certa vez em uma missa, durante a consagração, senti meu coração arder e um incômodo muito grande. Como não sabia se era alguma doença cardíaca ou algo espiritual passei a investigar. A partir disso passei a procurar vídeos sobre o discernimento vocacional e sempre que achava algo dos franciscanos me interessava mais e me tranquilizava, comecei a ler muitos livros sobre a histórias dos santos franciscanos e fui me identificando cada vez mais. Procurei ajuda no Santuário São Francisco de Assis e fui muito bem recebido pelo Frei Alvaci, animador vocacional do Convento, e pelos outros frades da Província, me sentia à vontade e feliz em cada convento que passava.

Sempre rezei e rezo para que Deus ilumine a decisão que estou tomando e pedindo que se não estiver fazendo a sua vontade que Ele a tire de mim. E quando sinto alguma dúvida sobre ao estilo de vida que estou abraçando me recordo dos benefícios que o Senhor concedeu à minha família e da minha história vida, do quanto ele está presente e cuida de tudo.

Site Franciscanos – Por que escolheu os franciscanos para a vida religiosa?

Frei Marcelo – Ao pensar sobre a vida consagrada nunca tive dúvidas de que a Vida Franciscana era o caminho, por tudo o que vive durante o discernimento vocacional, por isso não sei bem se foi uma escolha, era como se não houvesse outra opção. O despojamento de São Francisco de Assis e a sua forma de vida estão muito presentes na minha vida e na forma como fui criado, com simplicidade, união, alegria e desafios. Cada frade que conheço me encanta com a sua forma simples, alegre, serviçal e acolhedora. Por isso sou muito agradecido a Deus por ter sido chamado e à Província por acreditar na minha vocação e me ajudar a respondê-la sempre com mais convicção.


Equipe de Comunicação do Capítulo: Frei Augusto Gabriel, Frei Clauzemir Makximovitz, Frei Gabriel Dellandrea, Frei Alan Leal de Mattos e Moacir Beggo.