Festa da Penha: As lições da devota D. Alzira
26/04/2019
Moacir Beggo
Domingo de Páscoa, 11 horas. Uma senhora está sentada próxima do portão de entrada das escadarias do Convento, restrito aos frades. Dos seus 77 anos de vida, pelo menos 53 foram dedicados à devoção de Nossa Senhora da Penha. E não poderia ser diferente nesta 448ª edição da Festa, para quem construiu sua vida familiar sob o manto protetor da Virgem da Penha. Para garantir o lugar na sombra de algumas árvores do Campinho, D. Alzira Carvalho de Souza chegou às 11 horas. Não iria almoçar, mas fazer um “lanchinho”, como disse, mais leve.
“Frequento o Convento há 53 anos. É o tempo da idade do meu filho mais velho, Julius Caesar”, conta D. Alzira, frisando que o nome é mesmo em latim. E sua dedicação à fé não para nisso. “Sábado fazemos a Romaria dos Homens a pé (15 quilômetros), domingo a Romaria das Mulheres (3 km), e depois, em maio, faço a de Anchieta, com 100 quilômetros”. A pergunta natural que surge é como esta senhora aguenta isso tudo? “Ou Nossa Senhora tem pena de mim ou ela fala assim: ‘Vou te ajudar para ajudar os outros'”, diz, sorrindo.
O resultado dessa disposição se vê à noite, quando não tem insônia. “Durmo bem. Não abuso na comida. Por exemplo, nesses dias que venho aqui, como tudo leve. Cheguei aqui e comi uma barrinha de chocolate para renovar as energias. Na caminhada, a gente leva barrinhas, maça, água e banana”, indica.
Natural de Marataízes, onde se casou, Alzira recorda que quando se mudou para Vila Velha, não deixou mais de frequentar o Santuário da Graça e do Perdão. “Naquele tempo não havia a cantina do Campinho. Era um espaço aberto. A gente, então, fazia como os farofeiros. Trazia franguinho e farofa. Meus filhos foram crescendo nesta rotina de frequentar o Convento. Mas não era todo domingo que vínhamos. Uma vez por mês porque os meninos eram pequenos”, ressaltou. Hoje, um dos filhos reside em Alagoas e os três em Vila Velha. Todos são católicos. “Um casou com uma evangélica. Ela aceita a minha religião e nós vivemos em paz. Não é isso que importa?”, pergunta.
Sua disposição de vida e fé não se limitam a visitar a Penha. Três vezes por semana, D. Alzira reserva um tempo para visitar os doentes de três hospitais. Uma rotina que faz há cinco anos. “Mas nesta semana já avisei meus colegas que, além de rezar para Nossa Senhora, estarei preparando minha musculatura para as romarias”, brincou. Na sua casa, não fica parada também. “Cuido de tudo. Meu marido faleceu há 11 anos. Eu lavo, passo, faço minha comida, cuido da horta, cuido do quintal de 150 metros e das minhas plantas. O trabalho é uma lei de Deus. Quando não estou cuidando das plantinhas, da comida e da limpeza, faço crochê, tricô. E também leio muito”, explicou, recordando sua avó: “Mente vazia é esticar na cama e pedir para morrer”.
Regra básica do seu dia a dia, é não reclamar da vida. “Quando reclamo de alguma coisa, peço perdão a Deus”, ensina. Segundo ela, o segredo de se viver bem é fazer de conta que a morte não existe. “As pessoas ficam escandalizadas quando falo isso. Eles me dizem: ‘Como, vão te botar debaixo da terra!’. Eu falo: ‘Cada um deixa a sua história. Um pouco do que for lembrado da gente, será a prova de que estamos vivos. Então, vamos guardar as boas lembranças”, sugere.
Dona Alzira mora sozinha durante a semana, mas no final de semana a família se reúne. “Minha maior satisfação é fazer a comidinha que gostam”, garante, sorrindo. Hoje, com o celular, tudo fica mais fácil. Mas avisa: só vejo mensagens e notícias boas. Para ela, é triste ver que até casais só se conversam por whatsapp.
Outro segredo de D. Alzira para viver bem é sorrir sempre. “Outro dia, uma senhora perguntou: ‘Quantos anos a senhora tem?’ Falei: 77 anos. Ela disse: ‘Não acredito e perguntou quantas cirurgias eu fiz’ e insistiu: ‘Como a sra. é tão esticadinha?’ (risos). Eu disse porque eu rio muito. Sorrir é uma bênção e exercita os músculos da face”, disse.
“A minha avó fez apenas o quarto ano primário, mas tinha muita sabedoria. Ela dizia: ‘Minha filha, tenho pena desses doutores com livros debaixo do braços. Eu prefiro os carroceiros, porque são mais felizes. Olhe só, você vai ao médico, e estão sempre carrancudos. Nem olham olha para sua cara. Por que são assim? Porque a família exigiu que fizessem aquilo. Se deixassem para a pessoa decidir sua vida, seria diferente. Se quisesse ser gari, iria ser um gari feliz da vida”, avalia.
D. Alzira é muito religiosa, gosta de rezar para todos os santos, mas a Mãe de Deus tem sua preferência, embora tenha grande admiração por São Paulo, que antes da conversão “era todo arrogante” e depois muda da água para o vinho. “Eu sou devotíssima de Nossa Senhora. Quando ponho minha cabeça no travesseiro, eu canto como cantava para os meus meninos. ‘Lenta e calma sobre a terra; Desce a noite e foge a luz; Quero agora despedir-me, boa noite, meu Jesus’. Tem dia que nem chego no ‘boa noite’ e já durmo porque tive um dia intenso”, completa Alzira, despedindo-se com um abraço afetuoso.