Teólogo João Batista Libânio falece em Curitiba
30/01/2014
Faleceu, na manhã desta quinta-feira, em consequência de um infarto, o Teólogo e Padre Jesuíta João Batista Libânio. Padre Libânio estava em Curitiba, PR, onde orientava um retiro para Professores. Teólogo, pesquisador, professor e pastoralista, o sacerdote vivia em Belo Horizonte, MG, mas com muita frequência era convidado para palestras, cursos e seminários, no Brasil e no exterior.
Padre Libânio licenciou-se em Teologia em Frankfurt (Alemanha) e doutorou-se pela Universidade Gregoriana (Roma). Publicou mais de noventa livros entre os de autoria própria (36) e em colaboração (56), e centenas de artigos em revistas nacionais e estrangeiras. Internacionalmente reconhecido como um dos teólogos da Libertação.
Em março de 2008, Padre Libanio esteve no Instituto Teológico Franciscano (ITF), em Petrópolis,RJ, para uma conferência. Na ocasião, concedeu a seguinte entrevista a Frei Gustavo Medella.
Desafios para a fé: entrevista com o Teólogo João Batista Libânio
Teólogo de renome internacional, o padre jesuíta João Batista Libânio não se furta em analisar, à luz da fé, os grandes temas da atualidade. Em passagem pelo Instituto Teológico Franciscano, padre Libânio refletiu sobre as chances e os desafios para o cristão na atualidade e também apontou possíveis caminhos para a Teologia no contexto presente.
Na noite de quarta-feira, dia 12 de março, recebeu aplausos das mais de 150 pessoas que estiveram em sua conferência. Na manhã seguinte, em encontro mais reservado com os alunos, incentivou os estudantes de Teologia a identificarem “os novos sinais de transcendência que aparecem na época em que vivemos”. Durante sua passagem em Petrópolis, padre Libânio concedeu a seguinte entrevista.
Site franciscanos – O Senhor vem a Petrópolis para falar sobre os principais desafios que se apresentam para o cristão na atualidade? Quais são, em linhas gerais, estes desafios?
Padre João Batista Libânio – Trata-se de um campo enorme. Então é necessário que se escolham alguns pontos. Eu escolhi quatro:
Site franciscanos – Relativismo
Padre João Batista Libânio – Como viver em um mundo onde as verdades e os valores absolutos são continuamente interpretados e, de certa maneira relativizados? O cristão sempre foi habituado a receber as normas, as indicações, de uma maneira definitiva e absoluta. Como, agora, ele pode viver em um mundo tão relativizado? Este é o primeiro grande desafio.
Site franciscanos – Urbanização
Padre João Batista Libânio – O imaginário religioso dentro do qual nós pensamos, vivemos e praticamos a nossa fé foi forjado em um universo rural. Como, então, viver essa mesma fé em um universo urbano, no qual estão se realizando as grandes transformações econômicas, políticas, culturais e tecnológicas?
Site franciscanos – Crescimento do fenômeno religioso pautado em crenças
Padre João Batista Libânio – O terceiro desafio vem da secularização, processo que, de certa forma, teve uma pequena reversão. Logo após o Concílio Vaticano II, na década de 60, o grande esforço era de interpretar a fé numa sociedade secularizada. Agora estamos vivendo em um mundo de uma imensa invasão religiosa. Como, então, repensar uma fé que estava sendo pensada na linha do compromisso secular, em um mundo inundado por expressões religiosas, principalmente pentecostais e neo-pentecostais?
Site franciscanos – A nova face da pobreza
Padre João Batista Libânio – O quarto desafio é como viver em um mundo onde a realidade da pobreza modificou-se profundamente. Os pobres continuam pobres, talvez mais numerosos, mas não com a mesma natureza. Este é um desafio novo e a Teologia da América Latina, sobretudo nas pegadas de Medellín (1968), fez a opção preferencial pelos pobres e essa opção hoje tem que tomar outras direções porque a pobreza atualmente afeta muito mais o mundo do conhecimento, da auto-imagem. Há também o aspecto étnico e a questão de gênero.
Site franciscanos – Com relação ao segundo desafio, a que se deve a debandada de fiéis pela qual o Catolicismo vem passando?
Padre João Batista Libânio – Todo fenômeno de grande escala vem de várias causas, localizadas em diversos níveis, como o econômico, o político, o cultural e o religioso. No universo da economia, as igrejas pentecostais e neo-pentescotais têm tido um sucesso muito grande em melhorar a condição de seus membros. Estas igrejas prometem a bênção de Deus aos fiéis, desde que eles contribuam com o dízimo, o que tem de fato surtido efeitos concretos, levando as pessoas a acreditarem que Deus realmente as abençoou. A Sociologia, por exemplo, quer saber porque esses fiéis melhoraram. Duas causas apareceram com muita clareza: primeiro porque estas igrejas convertem estes homens e estas mulheres para uma vida mais disciplinada e eles começam a ser melhores trabalhadores; o segundo ponto é que, ao terem uma vida mais regrada, estes fiéis passam a economizar mais. Estes fatores entram no universo religioso e reforçam as respectivas religiões. Politicamente, eles têm conseguido unidade para eleger alguns candidatos que os protegem depois. Culturalmente, eles trabalham com arquétipos religiosos católicos tradicionais, mas a seu modo. Eles apenas modificaram um pouco alguns elementos. A figura do demônio, por exemplo, eles a mantêm muito forte. Daí vêm as sessões de exorcismo, que podem assumir um efeito terapêutico: as pessoas se reintegram psicologicamente e atribuem este fato à expulsão do demônio. Outro elemento é que para eles a Bíblia se transformou quase em um fetiche, como se fosse uma estátua milagrosa. No fundo, é a mesma motivação simbólica que há nas imagens católicas.
Site franciscanos – Com relação a estas denominações, há possibilidade de ecumenismo?
Padre João Batista Libânio – Neste caso, é muito difícil se falar em ecumenismo, porque se um lado não quer, não adianta. Nós (católicos) temos conseguido ecumenismo com as igrejas de maior tradição, como os luteranos, presbiterianos, metodistas. Com os neo-pentecostais, não tem havido êxito, porque não é uma visão Teológico-cristã que os move; é muito mais uma visão institucional. Toda vez que a instituição é mais importante que a expressão da fé, o ecumenismo não é possível. Também conosco, católicos, quando nossa visão institucional se sobrepunha à nossa leitura Teológica, não queríamos ecumenismo. É bom lembrar que os primeiros encontros ecumênicos, em 1910, não tiveram participação da Igreja Católica, assim como a fundação do Conselho Mundial das Igrejas. Nós também temos certos pecados no que diz respeito ao ecumenismo. A renovação ecumênica é mais recente e supõe uma abertura que nasce de uma exigência teologal. O papa João Paulo II tem uma expressão muito bonita quando diz que o ecumenismo não é uma questão diplomática, nem de condescendência, mas uma exigência do Evangelho. Uma fé que não é ecumênica não é católica nem cristã.
Site franciscanos – Nos dias de hoje, qual é o grande papel da Igreja Católica?
Padre João Batista Libânio – Em seus documentos, a Igreja aponta caminhos de sua atuação. A Conferência de Aparecida (V Celam), por exemplo, insiste que nossa tarefa mais importante se baseia nestas três idéias centrais: o encontro pessoal do católico com Cristo, Fonte de Vida; a partir deste encontro há a conversão, onde o fiel se torna discípulo; com esta conversão, ele se entusiasma e se transforma em missionário e vai anunciar esta Boa-notícia a seus irmãos de todo o continente. Desta forma, na América Latina, o papel do católico é este: provocar um encontro pessoal com o Cristo, Fonte de Vida.
Site franciscanos – A Igreja tem conseguido manter um bom diálogo com as outras religiões? E com a ciência?
Padre João Batista Libânio – A proposta de Jesus é salvífica e tem uma dimensão que alcança todas as pessoas, de todas as culturas. Neste aspecto, é necessário que a Igreja dialogue com as outras religiões e com a ciência e a tecnologia, que estão muito imbricadas. Para as outras religiões, a Igreja tem uma novidade a dizer, porém sem esgotar a maneira de encarnar a salvação. Por isso, as outras religiões podem nos ajudar a descobrir facetas despercebidas na maneira concreta de se entender a salvação de Jesus. É um diálogo onde há um mútuo enriquecimento. O Budismo, por exemplo, traz elementos muito ricos para os católicos que vivem em um contexto consumista e materialista e se esquecem do desapego, do desprendimento e de uma certa soberania diante dos bens materiais, qualidades que Jesus também tinha. Eles nos ajudam a redescobrir algumas dimensões de Jesus que tínhamos perdido no Ocidente por causa do poderio e da riqueza. O diálogo inter-religioso tem que ser de ambos os lados. Com relação à ciência, percebo um imenso avanço no ramo da biotecnologia, que, na minha opinião, tem como grande meta gerar vida fora do corpo humano. Adão será criado não mais por Deus, como diz o Gênesis, mas pela tecnologia. Se um dia isto se tornará realidade, não sei, mas, em todo caso, existe esta ambição. Dialogar a ciência é, então, um grande desafio para a Igreja
Site franciscanos – Que tipo de reflexão a Teologia precisa oferecer para os dias de hoje?
Padre João Batista Libânio – Este mundo da comunicação está criando um novo tipo de ser humano. Portanto, há uma antropologia subjacente, e sobre ela nós pensamos pouco. Que ser humano está sendo gestado dentro deste universo tecnológico, onde o virtual cada vez mais domina sobre o real. Que tipos de relação irão surgir a partir deste fenômeno? Que relações afetivas, que relações sexuais ele vai criar? Que tipo de “consciência de si mesmo” irá existir? São questões filosóficas e teológicas sobre as quais se trabalha pouco. Uma primeira tarefa da Teologia seria perceber quais são as transformações que ocorrem na auto-compreensão que o ser humano tem de si.
Site franciscanos – Ao apontar os quatro grandes desafios que a Igreja precisa enfrentar, o senhor chamou atenção para um novo conceito de pobreza. Poderia esclarecer melhor esta questão?
Padre João Batista Libânio – Há um novo tipo de pobre. Nós caminhamos para uma sociedade do conhecimento. Isto significa que o conhecimento hoje também faz parte da produção, ele é um ingrediente da produção. Hoje se ganha muito mais pelo conhecimento do que pelo aço. O crescimento vai na linha do conhecimento. Neste contexto, o pobre se sente radicalmente excluído do mundo do conhecimento. A exclusão adquire uma face mais cruel. Outro fenômeno é a exclusão da imagem. Nós caminhamos também para uma sociedade do simulacro e o Big Brother é um ponto sintomático disso. A pessoa quer ver tudo, mas de quem? Se for feito um Big Brother de um bêbado, de um pobre, não terá audiência. A imagem deles não serve. Quando se tentou colocar um ou outro personagem mais popular no programa, eles foram rapidamente excluídos. O pobre verdadeiro não tem essa imagem, ele é invisível. E à medida em que as coisas forem se complicando, essas pessoas se sentirão cada vez mais excluídas.
Site franciscanos – O que precisa ser feito diante deste modelo excludente?
Padre João Batista Libânio – Há quase um consenso entre os analistas da cultura que este atual modelo é inviável. Ele caminha para uma catástrofe geral, onde morrerão primeiro os pobres e depois os ricos, mas morrerão todos. Já há sinais, inclusive em países desenvolvidos, de uma vida de maior sobriedade e de uma maneira diferente de se desenvolver a tecnologia. Nem tudo que é tecnologicamente viável deveria ser feito. A grande tentação é que se faça tudo aquilo que aparece como tecnicamente possível, sem se pensar nos efeitos colaterais que podem ser causados.