Emoção no início do ministério presbiteral de Frei Gilberto
01/05/2012
Frei Diego Melo
Jacarezinho (PR) – O povo que lotou a Catedral da Igreja da Imaculada Conceição, em Jacarezinho-PR, na manhã chuvosa do 4º Domingo da Páscoa (Domingo do Bom Pastor), viveu momentos de muita emoção e ternura. Frei Gilberto, ladeado por inúmeros confrades, presidiu a sua primeira missa com leveza e solenidade. Logo no início, foi trazido até o altar por duas crianças trajadas de Francisco e Clara, ao som de “Lá vai São Francisco”, de Vinícius de Moraes. Comovente…
Chegando ao altar, foi revestido com a casula e a estola pelos 23 seminaristas do Seminário São Francisco de Ituporanga, SC, local onde Frei Gilberto atualmente exerce seu ministério franciscano. Os jovens ajudaram o neosacerdote a se vestir e receberam, um a um, o abraço de seu orientador, acompanhado de um pequeno Tal, lembrança preciosa daquele singelo momento.
Após a proclamação do Evangelho, Frei Renato Pezenti, companheiro de fraternidade de Frei Gilberto, em Ituporanga, proferiu sua homilia, lembrando a todos as características que deveriam marcar a atuação do sacerdote, tendo como inspiração a liturgia do IV Domingo do Tempo Pascal, que trazia a bela figura do Bom Pastor. Frei Renato Pezenti destacou que o ministério do seu confrade neosacerdote deveria ser marcado pelo serviço e pela doação radical, a exemplo do Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas. Lembrou também que, como pastor, Frei Gilberto deveria conduzir as ovelhas pela porta, que é o Cristo, e que jamais deveria fazer aliança com o lobo, pois a essência da sua vida tinha de ser a defesa da vida daqueles que lhe foram confiados. “Aprenda com as ovelhas, especialmente com os pobres, eles são nossos mestres. Só aí você vai conhecer a porta por onde as ovelhas devem entrar”, exortou o pregador.
Celebrando também o Dia de Oração pelas vocações, Frei Gilberto, no momento do ofertório, entregou algumas sementes para Frei Pedro da Silva e Frei Diego Melo, que estão a serviço da Animação Vocacional, lembrando a necessidade de se continuar semeando e cuidando das vocações que o Senhor desperta nos corações dos jovens. Rezou ainda a oração pelas vocações. Em seguida, ladeado pelos diáconos Frei Wilson Simão (seu colega de turma) e Rodolfo, consagrou pela primeira vez as espécies do vinho e do pão, o verdadeiro alimento que sacia a fome de eternidade e plenitude.
Após a oração pós-comunhão, o povo de Jacarezinho e seus familiares não pouparam esforços para demonstrar a alegria e satisfação por estarem fazendo parte desse momento tão sagrado na vida de todos. Iniciando as homenagens com uma simples e singela homenagem, as crianças da Catedral deram o seu recado franciscano a todos ensinando, com a figura do “Frei Simplito” que aquilo que verdadeiramente agrada a Deus são as coisas feitas de coração e com simplicidade. Edificante…
Em seguida, um carteiro, entrando pelo corredor central da igreja, entregou uma carta a Frei Gilberto, que foi lida por um familiar. A carta era datada de agosto de 2003, quando Frei Gilberto, então noviço, escrevera para seus familiares partilhando sua primeira grande experiência como religioso franciscano, durante o seu noviciado, quando Frei Gilberto assumiu o ofício de cabeleireiro da turma, momento esse marcado pela forte emoção e lágrimas de muitos. Ao final sua mãe, Dona Lourdes, trouxe a Imagem de Nossa Senhora da Conceição, diante da qual, de joelhos, Frei Gilberto pediu por si e por todo o seu povo. A mesa da Eucaristia se estendeu na mesa do excelente almoço oferecido por aquela comunidade de fé e pela família de Frei Gilberto. Tudo de primeiríssima qualidade. Deus, generosidade por excelência, certamente revelou sua face de Pai Amoroso em todos os momentos vividos em torno na vida e da vocação de nosso querido irmão Frei Gilberto. Muito, muito obrigado!
ÍNTEGRA DA HOMILIA
Meus irmãos e minhas irmãs, eu gostaria de começar esta modesta partilha lembrando que daqui a pouco este grande momento vai acabar, a festa da família do Frei Gilberto, dos amigos, desta comunidade e da nossa Província vai chegar ao fim. O resultado da equação de tudo isto serão lembranças bonitas de fé, vocação e missão, encontro e emoção, algumas fotos e … UM PADRE. Este um é detalhe importante. Talvez a gente nem vá lembrar do que o bispo falou ontem ou do que eu vou falar agora, mas, do padre nós não vamos esquecer: FREI GILBERTO, nosso irmão, jovem de riso largo e fácil, sério e decidido, que sabe o que quer: O Gil, filho da Dona Lourdes e do seu Pedro, o Giba, colega de formação, companheiro de fraternidade e de Província, o Frei Gilberto apaixonado pela Baixada Fluminense, e orientador e professor dos seminaristas.
MAS, eu gostaria de pedir que, além do padre, não esquecêssemos que tipo de padre Frei Gilberto está pretendendo ser, padre do serviço, do lava-pés, da simplicidade. Frei Gilberto, você especialmente nunca vai poder esquecer disto. Por isto, gostaria de pedir a voz de todos vocês emprestada para repetir bem forte para Frei Gilberto nunca mais esquecer: FREI GILBERTO, NOSSO IRMÃO ENQUANTO VOCÊ SERVIR / VAI VALER A PENA SER SACERDOTE. Quando você esquecer isto, meu irmão, seu sacerdócio não valerá mais a pena. Eu te conheço e sei que você tem consciência disto, tanto que está tomando muito cuidado para que a gente não olhe demais para você e esqueça do que realmente importa: o Cristo que te deu o exemplo do verdadeiro sacerdócio lavando os pés e fazendo-se Bom Pastor.
Eu peço licença para ser indelicado! Gostaria de não falar DO Frei Gilberto, embora ele seja assunto atraente, mas de falar PARA ele olhando o Cristo que ele quer lembrar com seu ministério, um Cristo Bom Pastor, MAS um Bom Pastor com um arranjo diferente, com avental, toalha na cintura e… ajoelhado aos nossos pés.
Este Bom Pastor tem algumas características muito importantes que o Frei Gilberto deve nos permitir ver no seu ministério:
1. O PASTOR está no meio das ovelhas: Nosso pai Francisco dizia que nossa casa é o mundo, que no meio do mundo, no rebuliço da vida, misturado com as pessoas nós, franciscanos, temos que nos sentir em casa. O mundo é o lugar do Verbo, o berço do Cristo, a tenda de Deus. O mundo é também a casa do sacerdote, é o seu lugar. O coração do mundo e o coração das pessoas é o lugar onde você é convidado a lavar os pés. É isto que deve fazer o pastor, ele não pode observar as ovelhas de longe, ou de fora, ele precisa estar no meio do rebanho, no meio do povo, pois o lugar onde você estiver vai determinar os pés de quem você vai lavar. Lembre-se que foi por isto que Francisco saiu dos muros de Assis. Ele queria lavar os pés chagados dos leprosos e dos pobres.
Não existe pastor de escritório, nem de sacristia. O lugar do pastor é e sempre será no meio das ovelhas, próximo, e solidário às suas necessidades. É verdade que desde o seu batismo, quando você se tornou parte do povo de Deus, você vem buscando se tornar um homem de Deus e é o que você deve ser, mas justamente por isto, você deve ser um homem do povo. Meu irmão, QUEM É TODO DE DEUS É TODO DO POVO.
2. O PASTOR conduz pela porta: Cristo é a porta meu caro e não você, mas você só vai descobrir isto se sempre, antes ser pastor, você for boa ovelha, que segue e experimenta o Cristo. Daí que não basta estar no meio das ovelhas, misturado com o povo, é preciso estar aí numa postura humilde e estudiosa, de fato fazendo do povo o seu mestre, compreendendo que os pobres nos evangelizam, como diz o Documento do Puebla, ou, sendo um discípulo missionário como diz a Conferência de Aparecida. Aprenda com as ovelhas, especialmente com os pobres, eles são nossos mestres. Só aí você vai conhecer a porta por onde as ovelhas devem entrar.
Frei Gilberto, o pastor não põe as ovelhas em “furada” e este mundo do imperativo do sucesso, da banalidade do poder, tem na verdade cede do Cristo de Francisco, do Cristo, pobre, humilde e crucificado, não do poder, da fama ou do almoxarifado de milagres. Frei Gilberto, mostre-nos a porta do milagre do lava-pés.
3. O PASTOR não faz aliança com o lobo: Nós sabemos muito bem que é falta de juízo colocar a raposa cuidar do galinheiro. Em hipótese nenhuma o pastor faz aliança com o lobo para cuidar das ovelhas. Digo isto porque, com facilidade hoje se faz aliança com o diabo para levar as pessoas para o céu.
Meu irmão, na lógica do Evangelho os fins não justificam os meios, trocando em miúdos, não se pode evangelizar com ferramentas e métodos antievangélicos. Se for necessário rompa com estruturas caducas que não evangelizam mais. Como o evangelho do serviço pode ser pregado com estruturas de poder? Se você quer seguir o exemplo do Cristo, fazer o mesmo que ele fez, você terá de se ajoelhar. Repare que, no cenário do lava-pés, quem ocupa o trono é aquele que tem os pés lavados e não o que os lava.
4. O PASTOR pertence às ovelhas e não o contrario: O Pastor não tem tempo para si, esta é a diferença fundamental entre o pastor e o mercenário. O pastor nunca se coloca em primeiro lugar, em primeiro lugar estão as ovelhas. Ele vive em função das ovelhas e não de si. Durante o dia, ele as leva para as pastagens e fontes de água, durante a noite vigia para protegê-las do lobo. O pastor procura alimento e descanso para as ovelhas, mas ele mesmo não descansa. Enquanto o mercenário vive do sangue das ovelhas, o pastor dá o sangue por elas. “O bom pastor dá a vida por suas ovelhas”.
É meu irmão, como sacerdote você não se pertence mais, você é todo de Deus para fazer aquilo que Deus quer, lavar os pés da humanidade. Não é missão que pertence a você, é você que pertence a ela. Se quiser um exemplo, bem próximo disto olhe para a Dona Maria de Lourdes, ela nunca cuidou de você pensando nela. As tantas vezes em que ela já lavou os teus pés foram por causa da missão de ser mãe e por causa de você mesmo e não dela.
É o pastor que pertence às ovelhas, mas em tempos em que o preço das ovelhas está em alta, o comércio religioso disputa uma a uma e, para consegui-las, vale tudo. É a lei do mercado! Vale inclusive fabricar um Cristo a estilo Frankenstein, com um pedaço de milagreiro; outro de comerciante; outro de popstar; outro afrescalhado; outro marqueteiro e assim por diante, conforme mandar o interesse do freguês e a estratégia de guerra religiosa.
É isto, meu irmão, mas já que você me deu a honra da palavra hoje, eu gostaria de te fazer três pedidos, ou lembretes em nome da tua comunidade e dos teus irmãos franciscanos:
1º. ABOMINE OS TRONOS: Você é um rapaz prendado, cheio de dons, uma jóia para esta comunidade e para a Província e, em tempos de uma Igreja com nostalgia do poder, cada vez mais dourada e bordada, muitas vezes você será convidado ocupar os tronos, mas LEMBRE-SE que o Deus do Magnificat derrubou os poderosos dos tronos e lá colocou os humildes para lavar-lhes os pés.
2º. NÃO SEJA UM PASTOR DO GARANTIDO, do óbvio, seja pastor também das ovelhas perdidas, das ovelhas que não são do seu redil, vá até elas antes mesmo que venham até você, ajoelhe-se a seus pés antes mesmo que saibam em nome de quem você foi.
3º. NÃO SEJA UM PASTOR DE ILUSÕES: Num mundo de tanta religiosidade, onde tantos já sangram a inocência e a sede do sagrado do povo, seja um pastor da realidade, da libertação encarnada. Não prostitua o seu Jesus. O seu Cristo é o que lava os pés sujos, pés vermelhos, feridos pela pedreira e pelo pó da realidade, do chão da vida que tantos ferem ainda mais oferecendo uma falsa ilusão de felicidade.
Confrade, eu sei que você já sabe de tudo isto e que na sua primeira missa eu estou aqui “ensinando o Pai Nosso para o vigário”, mas como teu irmão de sonho e de sangue eu e esta comunidade gostaríamos que o seu ministério promovesse a Igreja como ela deve ser: uma Igreja humilde e servidora da humanidade, uma Igreja onde todos os batizados são, por direito e dever, verdadeiros cidadãos e cidadãs da vida e da missão da Igreja. Gostaríamos que o seu ministério ajudasse a gente a lembrar de Deus, o Deus ajoelhado aos pés feridos da humanidade.
Frei Gilberto, Giba, não esqueça: ENQUANTO VOCÊ SERVIR, VAI VALER A PENA SER SACERDOTE.
Bendito seja Deus pela sua vocação, paz e bem!
Frei Renato Pezenti, OFM