Dom Paulo vive; seu endereço é o coração de Deus
15/12/2016
Érika Augusto
São Paulo (SP) – Desde a notícia do falecimento de Dom Paulo Evaristo Arns, no final da manhã desta quarta-feira (14), a Catedral da Sé tornou-se ponto de referência para bispos, religiosas, religiosos, líderes de movimentos sociais e pastorais e a imprensa. O corpo chegou por volta das 19h30, e logo em seguida Dom Odilo Pedro Scherer, Cardeal da Arquidiocese de São Paulo, presidiu uma celebração de corpo presente.
Logo nas primeiras horas da manhã desta quinta-feira (15), o movimento era intenso na Catedral. Idosos, adultos engravatados, jovens, gente de todas as idades , crenças e classes sociais dividiam espaço no corredor central da majestosa Catedral, a fim de prestar sua última homenagem ao cardeal do povo, Dom Paulo Evaristo Arns.
Foi o caso de Rezende Avelar, professor e doutor em Sociologia, que reside em Goiás. Ele estava de passagem pela capital paulista quando soube da morte de Dom Paulo, e veio à Catedral para se despedir do Arcebispo emérito. Rezende recordou a luta pela democracia e o serviço aos pobres como características marcantes de Dom Paulo. “Dom Paulo foi muito significativo para a minha geração, pós-ditadura, e também todos nós que trabalhamos no final dos anos 80 e 90, com a Pastoral da Juventude”, afirmou. Ele ressaltou também a importância do livro Brasil nunca mais, que denunciava os crimes da ditadura militar, como um material de pesquisa e consulta, que deveria ser retomado sempre, para inspirar e resgatar a memória do povo brasileiro. “Dom Paulo, como um franciscano, fiel filho de São Francisco, foi de uma simplicidade e de um compromisso muito grandes com os pobres e isso marcou todo o período em que ele esteve à frente da Arquidiocese de São Paulo, sobretudo quando a Arquidiocese foi dividida, a pedido do Vaticano e ele, de forma muito humilde, acolheu o desejo do Papa e viu todas as mudanças acontecerem sem criar divisões, mas continuou unido à Igreja como um todo e sempre defensor do povo e do povo pobre”, disse o professor.
A missa das 10 horas foi presidida por Dom Angélico Sândalo Bernardino, bispo emérito da Diocese de Blumenau (SC), que foi sagrado bispo pelas mãos de Dom Paulo Evaristo Arns em 1975 e foi, por 23 anos, bispo auxiliar na Arquidiocese de São Paulo. Dom Angélico, sempre carismático, fez sua homilia próximo ao povo que lotava a Catedral, e ao lado do caixão de Dom Paulo. Logo no início, Dom Angélico afirmou: “Quero lhes dar uma notícia que pode parecer mentira, mas é verdadeira. Dom Paulo Evaristo, cardeal Arns, não está morto, está vivo, e o seu endereço agora é o coração de Deus, na eternidade, onde está nos abençoando”, e seguiu-se uma calorosa salva de palmas.
Dom Angélico recordou o dia de sua ordenação episcopal, quando ele, Dom Francisco Manuel Vieira, Dom Joel Ivo Catapan e Dom Mauro Morelli foram ordenados bispos pelas mãos de Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Benedito de Ulhôa Vieira e Dom José Thurler, em 25 de janeiro de 1975 nesta mesma Catedral. “Durante 23 anos eu tive a alegria de participar daquilo que nós chamávamos o Colégio Episcopal de São Paulo, os bispos auxiliares unidos ao nosso Arcebispo Dom Paulo, num grande mutirão, congregando os padres, religiosas, religiosos, leigos e leigas, na evangelização da metrópole, tempos abençoados!”, recordou o bispo.
Alegrem-se!
Falando sobre a liturgia do dia, Dom Angélico afirmou que as leituras do dia pareciam escolhidas providencialmente para este momento. “O que nos diz Deus na 1ª leitura de hoje: Alegrem-se! Pois Dom Paulo, neste momento, lá do céu, os restos mortais dele aqui, está dizendo para todos nós: alegrem-se. Alegremo-nos, demos graças a Deus por esse profeta, esse pastor, que entregou a vida de modo absorvente à causa do Reino”, exortou Dom Angélico. E falou sobre o Evangelho do dia, Lc 7, 24-30, que fala da missão de João Batista, que denunciava os abusos em seu tempo.
A pergunta de Jesus às multidões: “O que vocês foram ver no deserto?”, foi também a pergunta do bispo emérito aos que estavam presentes na Catedral da Sé. “O nós estamos vendo?”, e recordou que o país todo e várias partes do mundo estão voltadas para a vida e o testemunho do cardeal da esperança. “Dom Paulo, simples, bondoso, cheio de mansidão, misturado com o seu povo, num amor de devotação, pobre, discípulo de Francisco de Assis, no palácio Arquiepiscopal ele disse: “Não é aqui o meu lugar”, e pôs à venda o palácio, e o dinheiro destinou para a compra de terrenos para centros comunitários na periferia da grande metrópole”, recordou.
Dom Angélico falou ainda do trabalho em conjunto de Dom Paulo, sempre movimentando a Arquidiocese, relembrou as grandes assembleias diocesanas e a implementação das prioridades para a Igreja na cidade de São Paulo: Pastorais Sociais, Pastoral das Comunidades Eclesiais de Base, Pastoral Operária, Pastoral dos Direitos Humanos, Pastoral da Criança, entre outras.
O bispo relembrou ainda a ação de Dom Paulo diante do golpe militar de 1964. “Eu estava aqui nesta Catedral, quando numa memorável celebração inter-religiosa, o corpo do nosso irmão Herzog adentrou aqui nesta Catedral. Da Consolação, por trabalhadores da Pastoral Operária e gente de toda a cidade, nós trouxemos o corpo de Santo Dias para esta Catedral, dizendo e proclamando, Santo, você continua vivo, porque foi um profeta, um profeta que se colocou a serviço”, afirmou. “Homem voltado para a justiça, apaixonado pela causa do Reino, entregou sua vida à libertação do seu povo, um legado maravilhoso”, acrescentou, e disse ainda ser testemunha da intensa vida de oração e contemplação de Dom Paulo. “Desta união com a Trindade Santa é que ele tirava energia e força para ir avante, não curvando a cabeça diante de poderosos, acolhendo humildes e moradores de rua, fazendo da Catedral a grande tribuna na defesa dos trabalhadores, dos sem-terra, dos que são abandonados na questão da saúde e da educação, setores que correm perigo nos dias que atravessamos. Dom Paulo Evaristo vivo nos dá o seu legado, continuemos unidos em intensa participação, entregando nossa vida à causa do Reino de Deus”, concluiu.
Dom Paulo: diálogo que unia diversas crenças
O legado deixado pelo cardeal Arns ultrapassa as barreiras eclesiais. A prova disso era a presença de diversas pessoas de outras denominações religiosas, e até mesmo sem nenhuma crença, em suas exéquias. Aos 86 anos, Emil Barbour, dentista e poeta, esteve presente na Catedral da Sé para se despedir de Dom Paulo. Ateu, conheceu o cardeal no ato inter-religioso que denunciou a morte do jornalista Vladimir Herzog. “Eu me lembro que o exército cercou a Praça da Sé e eles filmavam do alto dos prédios as pessoas que entravam e saíam aqui da Catedral e foi uma cerimônia muito bonita, e a gente sentiu um respeito muito grande por ele, que foi um símbolo da luta pelos direitos humanos, contra a tortura e a ditadura militar”.
Enfermeiro de profissão, Antônio Carlos Cadão, cristão protestante e ex-seminarista, também estava na fila para prestar a última homenagem ao cardeal emérito. “Conheci Dom Evaristo na época do seminário, através da mídia e também por causa de sua irmã, Zilda Arns, por causa da área da saúde”. Antônio afirmou que é a primeira vez que participa de uma homenagem póstuma a uma personalidade, mas por admirar a vida e as ações de Dom Paulo, fez questão de participar. “Este homem cumpriu seu sacerdócio com toda integridade, com toda beleza e com tudo aquilo que Jesus fazia, que era cuidar dos direitos humanos e das pessoas”, concluiu.
As missas continuarão a cada 2 horas na Catedral da Sé. Às 10 horas de amanhã os franciscanos participarão da Eucaristia, presidida pelo Ministro Provincial, Frei Fidêncio Vanboemmel. Às 15 horas acontecerá a última missa e, em seguida, o corpo de Dom Paulo Evaristo Arns será sepultado na cripta da Catedral.