Dom Jaime: “Não precisamos ter medo das críticas”
23/05/2019
Recém-eleito como primeiro vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o arcebispo de Porto Alegre, Dom Jaime Spengler, vê com naturalidade as críticas à entidade vindas de setores conservadores do país. “Vivemos um momento delicado no seio da Igreja e na sociedade brasileira. Há uma forte tendência a construir muros entre nós”, assegurou o frade da Província da Imaculada a Frei Gustavo Medella, em entrevista ao programa “Manhã Franciscana”.
Jaime Spengler nasceu em 6 de setembro de 1960 em Gaspar (SC). Ingressou na Ordem dos Frades Menores em 20 de janeiro de 1982, quando foi admitido ao Noviciado de Rodeio (SC). Cursou Filosofia no Instituto Filosófico São Boaventura, de Campo Largo (PR), e Teologia no Instituto Teológico Franciscano de Petrópolis (RJ), concluindo-o no Instituto Teológico de Jerusalém em Israel. Foi ordenado sacerdote em 17 de novembro de 1990, na sua cidade natal.
Em novembro de 2010, foi nomeado bispo auxiliar de Porto Alegre (RS) e em setembro de 2013, nomeado arcebispo de Porto Alegre. Ele é membro da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica do Vaticano.
Acompanhe a entrevista concedida a Frei Gustavo Medella:
Site Franciscanos – Há pouco menos de um mês, tivemos o encerramento da Assembleia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que foi realizada em Aparecida (SP). Trace um panorama geral do clima e de como transcorreu este encontro tão importante do episcopado brasileiro e da Igreja do Brasil.
Dom Jaime Spengler – A Assembleia Geral é um evento anual da Igreja Católica do Brasil. Porém, a cada quatro anos, somos chamados a escolher os novos dirigentes da instituição, como também os presidentes das diversas comissões que compõem a CNBB. O ambiente da Assembleia é sempre muito tranquilo, é um momento de grande fraternidade, com um espírito de comunhão perceptível. Uma colegialidade muito bonita! Para quem diariamente segue as celebrações eucarísticas no Santuário Nacional, chama a atenção ver reunidos ao redor do altar da Basílica em torno de 400, 450 bispos de todo Brasil. Para mim, este é o sinal mais visível da comunhão e da colegialidade que existe no seio da Conferência. Depois, no espaço onde se desenvolvem os trabalhos cotidianos, é realmente algo muito bonito ver, ouvir, poder conversar com os bispos das mais diversas realidades do nosso Brasil: do interior da Amazônia, do Nordeste, do Sul, do litoral do Brasil, do Centro-Oeste. Cada bispo com seus desafios, mas também com suas realizações, alegrias, e tudo isso confluindo para este momento especial da Assembleia Geral. É realmente algo extraordinário, é bonito e é belo poder pertencer a esta Igreja e a esta Conferência que dá sinais de colegialidade, de comunhão, de disposição, para defender e promover a vida de nosso povo, levando o Evangelho do Crucificado, do Ressuscitado aos mais distintos rincões deste nosso imenso Brasil.
Site Franciscanos – Pessoalmente, como o sr. recebeu este encargo que seus irmãos bispos lhe confiaram?
Dom Jaime Spengler – Diria que dentro de um espírito bem franciscano. Um cargo não é um encargo, mas um serviço! Um serviço a que fomos convidados a desenvolver em prol da Igreja do Brasil. Desde que entrei na vida religiosa, sempre cultivei dentro de mim o propósito de jamais dizer não àquilo que me fosse pedido. Seja enquanto religioso, no seio da nossa Província da Imaculada, seja agora como bispo. O que a Igreja nos pedir, buscamos responder. Poderia dizer que recebi este encargo com muita serenidade, mas também com o desejo de poder servir ainda mais a Igreja do Brasil.
Site Franciscanos – Quais são as atribuições do sr. enquanto primeiro vice-presidente da CNBB?
Dom Jaime Spengler – Aqui vale a pena fazer uma ressalva. Até recentemente, a presidência da CNBB era composta do presidente, um vice-presidente e o secretário-geral. Em 2018, foi apresentada à Congregação dos Bispos uma sugestão de mudança dos Estatutos da entidade e, nesta mudança, foi proposta a criação do cargo de segundo vice-presidente, para que a presidência da Conferência tivesse um pouco mais de corpo. A Santa-Sé aceitou a sugestão enviada. Nos dias da Assembleia deste ano, em Aparecida, chegou-nos a notícia de que a Conferência poderia contar, a partir deste ano, com dois vice-presidentes. O vice-presidente tem como função primordial ajudar o presidente no desenvolvimento das suas atribuições. Neste sentido, devemos recordar que o primeiro objetivo da Conferência é fomentar a colegialidade e a comunhão no seio do episcopado brasileiro. A Conferência tem uma característica muito própria. Às vezes confundem um pouco o conceito. Ela não é uma confederação. Trata-se de uma conferência, como o termo mesmo o diz. A presidência; composta do presidente, os dois vice-presidentes e o secretário-geral; tem como missão fomentar a comunhão e a colegialidade no seio do episcopado brasileiro.
Site Franciscanos – Quais seriam os principais desafios do próximo quadriênio para a CNBB?
Dom Jaime Spengler – Em primeiro lugar, diria que é continuar na promoção daquilo que é missão própria da Conferência dos Bispos, ou seja, fomentar, alimentar, promover a comunhão entre o episcopado do Brasil. Certamente, existem outros desafios que fazem parte da nossa missão enquanto homens do Evangelho, pessoas dedicadas ao anúncio do Crucificado, do Ressuscitado em nossa sociedade. Vivemos um momento delicado no seio da Igreja e na sociedade brasileira. Há uma forte tendência a construir muros entre nós. Precisamos fomentar espaços de diálogo, construir pontes. Devemos e precisamos continuar a manter o nosso olhar dirigido, sobretudo, aos mais pobres, fortalecendo aquilo que já é feito em nossas comunidades em favor da vida, fortalecendo as nossas ações no exercício da caridade, do amor, da busca da justiça, do bem comum – algo imprescindível para a construção da paz, que tanto desejamos e almejamos. Neste contexto, gosto de repetir algo que creio que ser fundamental para nós: se quisermos renovar nossas comunidades, se quisermos, de forma autêntica, cooperar para transformar nossa sociedade, é necessário fazê-lo com o Evangelho na mão, em atitude de oração. Este é o caminho! Talvez aqui esteja um aspecto destes desafios que fazem parte do momento atual que vivemos.
Site Franciscanos – Ainda, durante a Assembleia, surgiram críticas de setores que estariam alinhados com o ultraconservadorismo da Igreja Católica. De que maneira a CNBB pretende lidar com estas fortes críticas, que com frequência até assumem um tom desrespeitoso?
Dom Jaime Spengler – Creio que para superar estas tensões, precisamos criar espaços de diálogo. É através do diálogo sereno, transparente, que podemos contribuir para superar tensões que não nos ajudam a cumprir a missão própria da Igreja. Diria que estas tensões são sinais de uma realidade que vivemos na sociedade. Quando sentimos nossas seguranças ameaçadas, podemos nos tornar violentos. Defendemo-nos e também atacamos. É bom sempre ter presente que é impossível nos defender do futuro. Ele chega! E o futuro que Jesus nos promete é algo extraordinário. Ele promete o Reino de Deus, que tem como base a paz, a justiça, a fraternidade universal: isto é o que nos anima. E exige de nós aquilo que o Papa tem acentuado frequentemente: ousadia e coragem. A ousadia é própria de quem traz no coração uma grande paixão, um amor profundo. A coragem é fruto de uma verdadeira experiência de fé. Creio que com ousadia e coragem, certamente podemos superar estas críticas que surgem, seja de um ou de outro setor. Temos um tesouro inestimável, que pode nos ajudar nesta tarefa: o Evangelho. Em primeiro lugar: jamais podemos perder de vista o Evangelho. Em segundo lugar, a bela e rica tradição da Igreja. É um tesouro do qual podemos sempre trazer elementos que nos ajudam a iluminar o momento atual em vista de um futuro melhor. Por fim, a Doutrina Social da Igreja, que por vezes é pouco conhecida. A fé me leva a engajar-me de uma forma ainda mais intensa na vida da sociedade, na vida política também, por que não? Somos essencialmente seres políticos. Por isso, digo que não precisamos ter medo das críticas. Elas podem ser auxílio vigoroso para retomarmos, ainda com mais vigor, aquilo que, para nós, é o essencial: a vida que nos trouxe Jesus e vida, que Ele diz, marcada pela abundância.