D. Leonardo: “Espero ser voz e gesto do Papa Francisco na Amazônia”
04/06/2022
O Vigário Provincial, Frei Gustavo Medella, entrevistou para o “Manhã Franciscana”, o Arcebispo de Manaus, Dom Frei Leonardo Ulrich Steiner, que foi nomeado Cardeal no domingo, 29 de maio, pelo Papa Francisco. Dom Leonardo conta nesta entrevista que foi pego de surpresa com o anúncio, fala da espiritualidade franciscana, dos desafios que tem na Amazônia, especialmente com o meio ambiente, que é celebrado neste domingo, 5 de junho.
Dom Leonardo nasceu 6 de novembro de 1950 em Forquilhinha (SC). Ingressou na Ordem dos Frades Menores no dia 20 de janeiro de 1972, admitido ao Noviciado desta Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. Em 21 de janeiro de 1978 foi ordenado sacerdote pelas mãos do Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, seu primo. Em 2 de fevereiro de 2005 foi nomeado bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, sendo ordenado em 16 de abril por Dom Paulo Evaristo Arns. Em 10 de maio de 2011 foi eleito Secretário-Geral da CNBB e, em 21 de setembro do mesmo ano, foi nomeado bispo auxiliar da Arquidiocese de Brasília.
No dia 20 de abril de 2015, foi reeleito secretário-geral da CNBB. Seu mandato foi concluído no dia 10 de maio de 2019. No dia 27 de novembro de 2019, o Papa Francisco aceitou o pedido de renúncia apresentado por Dom Sérgio Eduardo Castriani ao governo pastoral da Arquidiocese de Manaus (AM) e nomeou como novo arcebispo Dom Leonardo Ulrich Steiner.
O Papa Francisco, na oração Regina Coeli do domingo, 29 de maio, fez o anúncio de nomeação como um dos novos cardeais da Igreja. De que maneira o sr. recebeu esta notícia?
Dom Leonardo – Foi com surpresa, porque ele não entrou em contato antes, não existiu nenhum comunicado oficial de que seria nomeado e eu não estava participando desta celebração porque tenho, nas manhãs de domingo, em Manaus, um momento na Rádio Difusora. E, saindo da Rádio, vou à Catedral, onde celebro às 7h30. É neste espaço, um pouco antes, que acontece esta oração [Regina Coeli]. Aqui em Manaus são seis horas de diferença para Roma. Então, fiquei sabendo através de outras pessoas e foi uma surpresa, uma grata surpresa. O que eu posso dizer? Alegria do povo da região da Amazônia! Eu não pensei que para eles fosse tão importante a nomeação de um dos bispos como Cardeal para a região amazônica. É como se eles estivessem incluídos na nomeação.
O que significa essa escolha para a Igreja Católica na Amazônia?
Dom Leonardo – O Papa Francisco sempre de novo se interessava pela Amazônia. Cada vez que a presidência da CNBB, da qual fiz parte, o visitava, ele sempre abordava a questão da Amazônia e também convocou um Sínodo para a Região. Quer dizer, o Papa realmente tem uma preocupação com a Amazônia, com a Igreja que está na Amazônia, mas também com toda a realidade que compõe esta vasta região. Ele, depois, no documento “Querida Amazônia” aborda em quatro sonhos as dimensões diferentes de uma grande realidade, com a qual sempre esteve preocupado, interessado e também sempre de novo nos alertando. Eu penso que, ao me nomear, estando em Manaus, o Papa Francisco tenha pensado na Amazônia brasileira. Não vejo como mérito meu, não tenho mérito para isso, mas ele tem a preocupação. Eu espero corresponder a esse chamado, sendo voz e gesto da parte dele aqui nesta região da Amazônia.
Na prática, quais são os novos compromissos e tarefas que decorrem dessa sua escolha como Cardeal?
Dom Leonardo – As tarefas, como tal, ainda deverão vir em termos de compromissos com dicastérios. Vai depender do Santo Padre. Mas o compromisso mais próximo é essa confiança que ele deposita na minha pessoa, representando assim a Amazônia, de ser alguém que possa colaborar com ele no seu ministério, como ele falou no domingo. Ao ver depois a fala dele, feita na Praça de São Pedro, ele disse “eu estou nomeando para que ajudem no exercício do meu ministério como Bispo de Roma”. Eu espero dar essa colaboração, essa ajuda, estando aqui em Manaus, especialmente nessa questão da Amazônia. Eu espero também ajudar o Papa Francisco a implementar as orientações, as convenções que ele tem expresso no documento “Querida Amazônia” nos quatro sonhos. Ajudar nossas igrejas da Amazônia a colocar em prática os sonhos do Papa Francisco. São muitos passos a serem dados. Nós teremos uma reunião semana próxima em Santarém celebrando 50 anos do “Documento de Santarém”, que foi muito importante para todas as Igrejas que estão na Amazônia e lá deveremos também pensar e aprofundar a questão de como implementar as orientações dele a partir do Sínodo. Eu espero, agora como Cardeal, dar essa minha colaboração.
Dom Leonardo, o sr. é frade da Província da Imaculada Conceição, é parente consanguíneo do saudoso D. Paulo Evaristo Arns, também é dele conterrâneo, pois os dois nasceram em Forquilhinha (SC). O sr. foi ordenado bispo com D. Paulo. De que maneira D. Paulo tem inspirado a sua missão na Igreja como bispo e agora vai lhe inspirar como Cardeal?
Dom Leonardo – Eu devo muito como pessoa, como frade, bispo, à formação, à educação que recebi no seio familiar, mas também à educação que recebi na primeira escola, uma escola dirigida por religiosas. Uma escola que nasceu por iniciativa da pequena comunidade de Forquilhinha, uma escola que D. Paulo também frequentou. Naquele tempo eram dois professores leigos da comunidade. Quando estudei, essa escola já tinha se transformado numa escola dirigida por irmãs. Devo muito também à formação que eu recebi na Província da Imaculada Conceição, nos seus seminários e depois especialmente no tempo de estudo da Filosofia e Teologia. Isso marca a personalidade, marca o pensamento, marca a ação evangelizadora. Eu penso que D. Paulo e eu temos em comum esses dois elementos fundamentais: uma formação familiar e religiosa da comunidade, da escola que nós frequentamos, mas também a formação que a Província sempre se esmerou em dar. Nesse sentido, a nossa inspiração é um lugar comum, mas D. Paulo sempre me inspirou, foi ele que me ordenou padre. Eu o conheci mais de perto depois de frade, porque o contato era muito pouco. Minha mãe é a mais nova da família, e o pai de D. Paulo, o mais velho. Então, quando eu nasci, D. Paulo já era padre. Eu estive na ordenação episcopal de D. Paulo com 14 anos. Não havia uma convivência e ela começou a ser mais próxima depois da minha ordenação presbiteral. E depois da ordenação episcopal que a nossa relação se tornou muito próxima. De poder visitá-lo, enviar correspondências e telefonemas. O que sempre me inspirou em D. Paulo foi essa proximidade dele em relação às comunidades. A comunidade da periferia, esse cuidado com os pobres e uma palavra que ele usava sempre em qualquer homilia: paz. Foi um lutador pela paz, um construtor de paz, um anunciador da paz. Quando a gente esperava aquela expressão, quando ele diz assim: a paz (imita D. Paulo prolongando a palavra), esse modo dele falar, esse modo dele pregar, marcava muito. E também toda a luta dele em termos de democracia brasileira. Ele foi uma pessoa importante, como outros bispos naturalmente. Nós estamos celebrando 100 anos do nascimento dele. Tem saído vários artigos, várias obras, recentemente me parece que saiu uma obra com diversos artigos, na qual eu fiz uma espécie de prefácio, recordando essa grande figura. Não é pelo lado de parentesco, mas é por essa inspiração, uma inspiração franciscana. Às vezes as pessoas se esquecem disso. Não é porque a gente não usa OFM quando escreve que deixa de ser frade. Esse modo de compreender a vida, esse modo de compreender as relações, nos momentos mais difíceis é sempre um sinal de esperança, é sempre alguém que acredita na força e no vigor da paz. Esse São Francisco de Assis que mostra, na sua pequenez, quem é Jesus e a força do Evangelho. Nesse sentido, olhando para ele, se percebe esse frade seguidor de São Francisco, esse que procurou realmente seguir a Jesus e anunciar o seu Evangelho. Será sempre uma inspiração, não só para mim, mas para tantos confrades e tantas pessoas do Brasil e do mundo.
O que podemos esperar de um-frade menor, de um filho de São Francisco, como Cardeal da Igreja?
Dom Leonardo – O que vocês podem esperar e eu espero poder ser é esse colaborador próximo que o Papa espera que a gente seja. Eu espero ser fiel ao magistério do Papa Francisco, e aqui na Amazônia nós temos elementos que são tão franciscanos e que estão sendo muito pisados. Por exemplo, a questão do meio ambiente aqui é uma situação difícil, grave. A questão do garimpo. Nós temos rios onde o mercúrio está tão presente que está ameaçando povos indígenas, que vivem da pesca e tomam seu banho no rio. E o mercúrio entra, no momento do banho, pelo umbigo, e o leite materno está hoje contaminado pelo mercúrio. O organismo nosso não consegue eliminar o mercúrio. Veja o quanto é grave isso. Como os nossos povos originários e os povos indígenas e os nossos irmãos ribeirinhos estão correndo perigo! Espero como frade dar essa colaboração de ajudar abrir os olhos para essa realidade. Essa realidade toda está sendo guiada por ganância, ao passo que temos tanta gente, graças a Deus, a começar pelos povos indígenas e ribeirinhos, que têm um outro modo de pensar em relação ao meio ambiente. E também tem grupos que pensam. Mas a depredação do meio ambiente, a destruição do meio ambiente, vem pela ganância. E o nosso Pai São Francisco foi o homem da simplicidade e da pobreza, do viver com pouco, mas saber conviver com o meio ambiente. Quando as criaturas são irmãos, são irmãs. Eu espero nesse sentido dar minha colaboração, minha ajuda a partir da nossa espiritualidade franciscana.
O sr. já mencionou alguns desafios graves da Região Amazônica, em relação à degradação do meio ambiente e aos povos originários. Além desses, quais seriam os outros desafios urgentes quando falamos em Amazônia?
Dom Leonardo – Eu abordei apenas a questão do meio ambiente. No meio ambiente, nós temos outras dificuldades que não mencionei, que é a questão do desmatamento, o avanço do agronegócio, mas também a questão da mineração. Como nós temos uma riqueza até bastante grande, por exemplo como o nióbio (o Brasil é o maior produtor do metal) na nossa região, existe uma ganância internacional em relação à Amazônia. Mas existe uma ganância em relação à madeira. Nós exportamos, e às vezes ilegalmente, por isso o Ministro Salles caiu. Agora, fora esses elementos, a questão é como os povos indígenas estão sendo atacados. Muitos deles se sentem profundamente agredidos, ao passo que eles têm uma riqueza enorme e estão correndo um grande perigo com esse avanço em cima da floresta Amazônica. O espaço deles, a terra deles, ou melhor a casa deles, está sendo agredida e destruída. Destruindo-se esses pequenos povos, esses pequenos grupos, estamos perdendo culturas, estamos perdendo vidas. Fora essa questão que é gravíssima, nós temos aqui, ao menos no Amazonas, a questão da saúde. A saúde daqui é muito precária. Nós, quando temos uma necessidade um pouco maior, só na cidade de Manaus. Então, vejam a distância que as pessoas precisam percorrer. Eu fui levar o corpo do Dom Alcimar, bispo emérito do Alto Solimões, nós levamos num avião pequeno mais de três horas de voo. Você imagina as distâncias. Agora, se for percorrer os rios, quanto tempo leva? No tempo da pandemia, não houve espaço porque no interior não tinha atendimento suficiente e Manaus não suportou. Não suportou… E ainda mais com a falta de oxigênio que houve, então você imagina! Uma outra questão muito grave que temos é a questão da violência. Nós temos muita violência aqui em Manaus, a disputa de grupos é muito forte. E uma dificuldade que é mais característica nossa, da cidade de Manaus, que tem mais de 2 milhões de habitantes, portanto mais da metade da população do Estado do Amazonas, é a questão da periferia. Ela é pobre, desorganizada, é fruto de ocupação. Então, vai se ocupando, não se cuida do meio ambiente, não se cuida dos igarapés. E simplesmente vai tomando conta e depois temos a questão de asfalto, de eletricidade, de esgoto, que ainda é um problema seríssimo. Nós não chegamos a 20% de esgoto, água tratada e saneamento básico. Então, numa cidade de mais de 2 milhões de habitantes, você imagina o que isso significa para os nossos igarapés e para os nossos rios, o que significa de dejetos indo para os rios e o que significa de plásticos, com a falta de recolhimento do lixo, indo para o oceano. São algumas das questões que preocupam e que temos procurado alertar para podermos caminhar e termos uma Amazônia mais harmônica e mais tranquila.
O sr. gostaria de deixar uma mensagem final?
Dom Leonardo – Que Deus abençoe a todos e que nós possamos, todos juntos, caminhar como Igreja. Nós, a partir da espiritualidade de São Francisco de Assis, possamos ser essa presença de paz, essa presença que constrói e eleva a vida na sua plenitude e que Deus abençoe a todos!