Notícias - Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil - OFM

Contra o luxo indecente e a pobreza crescente

23/07/2015

Notícias

Frei Gustavo Medella

Um carro Lamborghini avaliado em R$ 3,9 milhões;  uma Ferrari que custa R$1,95 milhão e um Porsche, mais “simplesinho”, pela bagatela de R$ 719 mil: três veículos que dividiam espaço na garagem do senador.  Só para pagar o valor do IPVA atrasado apenas do veículo mais caro, R$ 250 mil, um assalariado precisaria trabalhar por 26,7 anos sem gastar um tostão, com oito horas de trabalho por dia e uma folga por semana. Para adquirir o veículo carro, quase 300 anos de labuta. Com o valor médio do bolsa família, R$160,00, seriam necessários 2030 anos para retirar na concessionária aquele milenar sonho de consumo…

Contas absurdas para mostrar o absurdo de uma sociedade que não sabe repartir o pão. Recursos para atender às necessidades de todos aqueles que habitam nossa grande casa comum existem sim. No entanto, a ganância e a idolatria do dinheiro e da propriedade privada roubam até mesmo o mínimo necessário de quem já teria pouco para sobreviver. Para quem se dispõe a partilhar, o pouco se torna muito, tal qual a pequena porção que aquele pobre menino possuía para seu consumo, conforme nos conta São João Evangelista (Cf. Jo 6,1-15). Agora para as almas famintas e insaciáveis, até o tudo se torna pouco. Não há bem capaz de saciar a alma humana que se perde no próprio egoísmo. É o “luxo indecente gerando a pobreza crescente”.

Com sabedoria e profecia, o Papa Francisco recupera o pensamento de seu predecessor, São João Paulo II, e reafirma em sua última Carta Encíclica (Laudato sí):

 “A tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada. São João Paulo II lembrou esta doutrina, com grande ênfase, dizendo que ‘Deus deu a terra a todo o gênero humano, para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém’. São palavras densas e fortes. Insistiu que ‘não seria verdadeiramente digno do homem, um tipo de desenvolvimento que não respeitasse e promovesse os direitos humanos, pessoais e sociais, econômicos e políticos, incluindo os direitos das nações e dos povos’. Com grande clareza, explicou que ‘a Igreja defende, sim, o legítimo direito à propriedade privada, mas ensina, com não menor clareza, que sobre toda a propriedade particular pesa sempre uma hipoteca social, para que os bens sirvam ao destino geral que Deus lhes deu”. (LS 93).

Com o texto do Papa Francisco, está atualizado o Evangelho da Multiplicação dos Pães (Jo 6,1-15), no qual Jesus nada faz além de dar a destinação justa e adequada aos bens que Deus coloca à disposição de seus filhos: “Saciar a fome de todos, sem exclusão ou distinção”. Qualquer outro compromisso que não este, o da destinação universal dos bens, contraria a raiz do Evangelho.

É duro de se engolir esta realidade, que desce como pão seco e fica atravessada na garganta de quem defende a competição, a meritocracia, a lógica da acumulação, a vantagem a qualquer preço tão comuns numa sociedade que privilegia o ter. Buscar a realização no status, no poder e na riqueza é uma tentação poderosa à qual estamos todos profundamente sujeitos. É algo que nos é introjetado desde o berço, a partir dos modelos que nos são propostos.

Sonhar diferente, abraçar outros valores, caminhar em outra direção exige força de vontade e muita fé. Facilmente podemos sucumbir. No entanto, a certeza de que Deus nos impulsiona nesta contracorrente é que nos garante a convicção para prosseguir, mesmo que haja algumas quedas. E é esta a proposta de Deus para nós: “Trabalhar incansavelmente para saciar a fome de todos”. Graças a Deus o Papa Francisco tem insistido para trilharmos este caminho. Sigamos com ele, sem medo!