Deus: o tudo de quem não tem nada
05/11/2015
Frei Gustavo Medella
Segue uma pequena provocação inspirada no Evangelho deste 32o Domingo do Tempo Comum (Mc 12,38-44)
Na religião do capital, cujo deus é o dinheiro, aquele homem paga caro para se manter na “crista da onda”, a começar pelas relíquias que se precisa portar: sapatos, calça, camisa, relógio, caneta, joias e telefone celular de marcas badaladas, que permitem a uma pessoa vestir-se e equipar-se com roupas e acessórios cujo valor daria para construir uma dezena de casas populares, ou mais. De família católica, não lhe custa desprender vez ou outra um “chequinho”, gordo até, para ajudar o “Seo Vigário” a colocar o piso na igreja, ou então desembolsar um valor considerável para aquela ONG que resgata animaizinhos abandonados. É bom, ao menos para desencargo de consciência.
De outro lado, o pobrezinho, trajado com roupas de ponta de estoque comprada em lote por R$ 1,99, lavando-se com sabão de coco e improvisando uma pulseira de borracha de pneu para seu antigo relógio “Ching Ling made in Paraguay”. Mora numa pequena ocupação, na periferia, sem documento algum, sem água, luz e esgoto. São ao todo 20 famílias coabitando naquele ambiente de lama, lixo, doenças, muitos sonhos, poucas esperanças e bastante fé em Deus, o tudo de quem não tem nada. Naquele lugar, o tal pobrezinho, que vive de catar papelão e lata, é referência. Com sua carroça, não pensa duas vezes em fazer qualquer favor a seus vizinhos. Carrega tudo e todos naquela comunidade, desde a marmita do Zé, que pegou um trabalho de empreitada lá no Centro, à filha do João que, órfã de mãe não tem quem a busque na creche e lá está o pobre com o seu carrinho de puxar. A menina vem quietinha, confortavelmente aconchegada na caminha feita de caixas de papelão apanhada naquele dia. Quando volta do expediente, nosso amigo ainda acha tempo para levar arroz, comprado de seu bolso, óleo, sal, cebola e uns pezinhos de frango apanhados no açougue e prepara uma canja para a Dona Maria e o Seo Antônio, garantindo a janta do casal já profundamente limitado pela idade.
Ambos são pessoas, seres humanos com funções vitais, necessidades fisiológicas, visões de mundo, pensamentos, projetos, sonhos e desejos. Muda, no entanto, o modo de organizar a vida, as prioridades que cada um coloca para si. O primeiro achou por bem devotar-se a “deu$”. Tal opção exige muito empenho, inteligência e determinação a fim de que os ganhos não diminuam, pois o dinheiro é um deus exigente, que demanda de seu fiéis uma “consagração total”. Cultuá-lo exige a entrega da vida inteira. O segundo também entregou a vida inteira. O pouco que tem está a serviço de todos. Encontra satisfação e torna-se mais “gente” ao saber que servir o outro o torna grande. Não tenho certeza de que seja católico, mas seu espírito de serviço e doação certamente o torna próximo de Deus.