“Acredito naquele que um dia me chamou e enviou”
03/03/2020
Moacir Beggo
“Sou feliz como sou e naquilo que faço”. Sinceridade é uma palavra também que define bem Frei Nilton Decker, que aceitou falar um pouco de sua história de vida familiar e religiosa franciscana nesta série “Nossos Frades“.
Natural de Ibicaré (SC), onde nasceu no dia 28 de janeiro de 1950, Frei Nilton Decker ingressou na Ordem dos Frades Menores quando vestiu o hábito franciscano em Rodeio, no dia 20 de janeiro de 1971. Sua profissão solene fez no dia de São Francisco de Assis, em 1975 e foi ordenado presbítero no dia 31 de dezembro de 1976.
Para Frei Nilton, que em 2022 completará 50 anos de vida religiosa, não existe uma crise vocacional, mas de “santidade, testemunho e conversão”. “Para muitos jovens não é falta de Deus. Mas medo de abraçar algo, cujo caminho não é claro, correto e santo, como Deus exige de cada religioso ou sacerdote”, avalia o frade que trabalhou quase toda a sua vida na formação religiosa.
Site Franciscanos – De onde é a sua família?
Frei Nilton – Eu nasci no dia 28 de janeiro de 1950. Meus pais eram naturais de Antônio Carlos, bem no interior, em Vila Doze, onde também moravam meus avós. Como era uma família numerosa, tiveram que procurar o sustento em Ibicaré-SC, juntamente com outros 4 irmãos, acompanhados do meu avô, na capela de Linha Triângulo. Fiz o primário na escola isolada de Linha Triângulo até o terceiro ano e depois ingressei no Seminário de Luzerna, aos 12 anos, em 1962. Foi o ano da inauguração do Seminário São João Batista. Fiz dois anos de admissão, partindo depois para Rio Negro, Agudos, Postulantado, Noviciado, Filosofia e Teologia em Petrópolis. Fui ordenado sacerdote no dia 31 de dezembro de 1976, por Dom Henrique Müller, OFM, e a primeira Missa na Linha Triângulo, no dia 2 de janeiro de 1977.
Site Franciscanos – Fale um pouco mais de sua família.
Frei Nilton – Nós somos 11 irmãos. Todos ajudávamos os pais na lida da roça, na luta para conseguir o pão de cada dia. Eram tempos difíceis, mas também de belas lembranças, onde vivíamos um verdadeiro espírito de família, um ajudando o outro no trabalho da roça, brincando juntos, rezando o terço todas as noites, etc. Cada filho aprendeu a ser responsável e a fazer um pouco de tudo, visto que éramos 9 homens e duas mulheres. Tenho uma irmã que é religiosa, das Irmãs de São José de Chamberie e trabalha em Pacaraima, Boa Vista, com os imigrantes venezuelanos. Outros cinco irmãos fizeram pequenas experiências no seminário. Somente o Bruno foi até o final da Teologia, fez profissão solene e, após dois anos de pastoral na paróquia, desistiu, morando hoje em São José-SC. Nossa língua em casa era o alemão, por isso, quando entrei no seminário, mal sabia falar o português, trocando as letras em cada “torradinha”.
Site Franciscanos – E a vocação, como surgiu?
Frei Nilton – Hoje se fala muito que a vocação nasce na família, a primeira escola da fé e da vocação, o lugar onde Deus vai conduzindo os passos de cada um. Na realidade, eu não falava em ir para o Seminário. Um certo dia, como num piscar de olhos, veio o desejo de ir. Meu pai foi falar com os freis em Luzerna e já no ano seguinte estava iniciando a caminhada. Meu pai sempre esteve ligado à Igreja, dava catequese, “puxava a reza” na Igreja, cantava e organizava tudo. A mãe, sempre ao lado dele, o ajudava muito, especialmente no canto, pois tinha voz boa para cantar. O ambiente religioso e o contato com os diversos freis presentes, seja na família como nas celebrações (Frei Abel Schneider, Frei Sérgio Hillesheim, Frei Jordão Buschoff e Frei Bruno Kreling), despertaram o desejo de ir para o seminário. Só lembro que para os pais foi muito difícil o filho mais velho sair de casa. Tanto assim que o pai pagava o seminário trazendo um saco de feijão, de arroz, ovos, frangos, etc. Dinheiro a gente quase nunca via.
Site Franciscanos – Por onde você andou desde que se tornou presbítero?
Frei Nilton – Eu nunca tinha grande desejo de trabalhar na formação. Mas, ainda em Petrópolis, antes de terminar os estudos, veio o pedido de ajuda no Seminário de Rio Brilhante-MS. Era minha última opção de escolha, mas ela se tornou a primeira e fui transferido, já em julho de 1977 para ser formador. Lá já estavam o Frei Maurílio Schelbauer, Frei Ari do Amaral Praxedes, Frei Sebastião Assis de Figueiredo, Frei João Jorge Ribeiro e Frei João Pflanzer, entre outros que vieram depois. O Seminário de Rio Brilhante, por ser a primeira transferência, me marcou bastante. Não tanto por estar distante de todos, seja da família e dos confrades da Província, mas pela convivência com a Custódia das Sete Alegrias, o trabalho junto à comunidade, grupos de jovens, formação, etc. Sempre me lembro de tudo e de todos e tenho saudades de lá.
No final do Capítulo Provincial de 1984 veio o pedido de transferência para Lages, onde havia a experiência de vocações adultas. Permaneci aí por dois anos e depois acompanhei uma parte da turma até Luzerna, porque estava terminando a experiência de Lages por diversos motivos. Em Luzerna permaneci por três anos (1986-1988), depois nove anos em Ituporanga (1989-1997), sempre como orientador e professor de algumas matérias extracurriculares. Ituporanga foi um tempo de muita atividade junto aos 120 seminaristas. Sei que poucos daqueles perseveraram, mas não deixamos de cumprir nossa missão de cada dia. Nos últimos três anos fui guardião, acompanhando a construção do ginásio, que ainda serve até hoje para jogos, festas e outros eventos.
A minha transferência para Agudos, em 1998, foi uma das mais difíceis, pela complexidade da casa, envolvendo seminário, fazenda, encontros e reformas. Com a ajuda da Fraternidade, fomos vencendo todos os obstáculos, nunca nos omitindo do trabalho e da nossa responsabilidade. Frei Marcos Antônio de Andrade, Frei Raimundo J. de O. Castro, Frei Walter Hugo de Almeida, Frei Gregório Johnscher, Frei Osmar Dalazen, Frei José Lino Zimmermann, formávamos a equipe formadora.
No ano 2001 veio nova tarefa desafiadora: ser vice-mestre dos noviços, juntamente com Frei Fidêncio Vanboemmel. Durante seis anos me dediquei inteiramente ao noviciado, na formação litúrgica, ensaios diários de cantos, etc. Foram seis anos de formação e de crescimento para mim também.
Depois disso pensava em fazer uma experiência em paróquia. Mas veio mais um pedido. Ser mestre em Rondinha. Como sempre fui obediente, aceitei o desafio e permaneci por seis anos. Iniciávamos o ano de 2007 com 74 estudantes. Ótimo para acompanhar cada um e, no final, fazer 74 relatórios para serem enviados ao Definitório.
Finalmente, após 36 anos, meu desejo de trabalhar um pouco na evangelização veio, sendo transferido para Santo Amaro da Imperatriz, onde estou até hoje, quase completando sete anos de atividade, formando Fraternidade com Frei Angelo José Luiz e de Frei Gentil de Lima Branco.
Site Franciscanos – Gostou deste tempo da formação?
Frei Nilton – Se eu dissesse que não estaria mentindo. Eu acredito que o lugar em que a gente está é o lugar certo para darmos o melhor de nós mesmos. Sempre sou grato por todos os confrades que conviveram com a gente, na sublime tarefa da formação e admiro a todos os que ainda hoje continuam, com muitas dificuldades, marcando presença silenciosa no meio destes jovens. Não me arrependo de nada. Fui feliz naquilo que fiz, dentro das minhas limitações. Sempre me perguntam se gostaria de voltar a trabalhar na formação. Não digo que seja impossível. Apenas penso que os tempos são outros e teria muita dificuldade em me adaptar novamente.
Site Franciscanos – Como é o Frei Nilton? Poderia fazer um autorretrato?
Frei Nilton – Eu me considero uma pessoa tranquila. Às vezes o meu jeito de falar é um tanto agressivo, o que tem causado certa dificuldade com alguns confrades ao longo da caminhada. Mas sou feliz como sou e naquilo que faço. Já vou completar 70 anos em janeiro e cada vez mais preciso cuidar de mim mesmo, reconhecer certas limitações e saber que nunca estamos sozinhos. Sempre precisaremos de ajuda das pessoas, dos confrades. Em 2022 irei fazer 50 anos de Vida Religiosa e espero cada dia poder renovar meu compromisso como religioso franciscano, como sacerdote. Acredito naquele que um dia me chamou e enviou, para ser testemunha, na humildade e na alegria, do Evangelho de Jesus.
Site Franciscanos – Existe crise vocacional na Vida Religiosa?
Frei Nilton – A questão vocacional não é somente uma questão de propaganda, de panfletos ou de palavras. Parece-me necessário refletir sobre as nossas famílias, primeira escola da fé e nossa vida como confrades menores. Por que o jovem não se decide a viver nosso jeito de viver ou não se encanta pela nossa opção de seguir Jesus Cristo na Vida Religiosa? São Paulo diz: “Sede meus imitadores…” (Fl 3, 17). Nós podemos ser exemplo para os jovens que nos procuram? Não é tanto crise, mas santidade, testemunho e conversão. Para muitos jovens não é falta de Deus, mas medo de abraçar algo, cujo caminho não é claro, correto e santo, como Deus exige de cada religioso ou sacerdote.
Site Franciscanos – O que você diria a um jovem que deseja seguir os passos de Francisco de Assis?
Frei Nilton – Todo jovem tem sonhos, anseia por uma vida mais justa e fraterna, tem potencialidades mil para se doar e ser a diferença na família, na Igreja e na sociedade. Por isso, coragem! Não tenha medo e saiba que Deus o ama e precisa de você. O caminho é estreito e, apesar das dificuldades que sempre existiram e existirão, poderão realizar os seus sonhos de serem discípulos e missionários do Senhor. Peça ao Senhor que mostre sua vocação e reze bastante. Ou como dizia Santo Ambrósio: “Devemos rezar como se tudo dependesse de Deus e agir como se tudo dependesse de nós”. Nunca desistam de seus sonhos. Ou como diz o Papa Francisco: “Não fiquem observando a vida da sacada. Não sejam como veículos estacionados. Não olhem o mundo como turista”. Ide sem medo e anunciai a alegria do Evangelho a toda criatura.