Solenidade da Anunciação: “a mulher do sim”
24/03/2015
Solenidade da Anunciação do Senhor
Is 7,10-14; 8,10; Hb 10,4-10; Lc 1,26-38
Cada ano os discípulos de Jesus gostam de se deter numa das mais ternas e tocantes cenas do Novo Testamento, exclusividade de Lucas: o anúncio a Maria feito pelo Alto. Poetas e pintores de todos os tempos nas letras e nas telas fixaram esse diálogo angélico. O texto de Lucas exala frescor e aponta para a festa do Natal do Menino das Palhas.
O centro e cerne de nossa fé se chama Jesus, esse que vem do insondável mistério da Trindade, Verbo eterno feito carne, ungido no Espírito. Nós, cristãos, somos dele, dele dependemos, nele apoiamos claramente nosso existir. Aliás, nosso nome não diz outra coisa: somos cristãos, de Cristo, mergulhamos nele, vivemos seu modo de viver, não existimos mais por nós mesmos, mas vivemos para ele e ele vive em nós. Esse que tem sua origem na fogueira de amor da Trindade veio ter conosco, não de passagem, mas para ficar.
Para que tudo fosse viável e factível, esse Deus sonhou viver nossa carne e para tanto precisava da carne de uma mulher. Escolhida foi Maria, a mulher de Nazaré, que vivia cantando com os lábios e o coração a ternura dos salmos, a cantiga das promessas feitas a seu povo. Circulava para aqui e para ali em sua aldeia, em seu modesto canto existencial. Experimentava saudade do Altíssimo e frequentava os cultos da sinagoga na transparência de seu corpo e de seu coração. Havia sido prometida em casamento a um certo José, da descendência de Davi.
No recôndito de seu coração um apelo soa e um chamado se faz. O Altíssimo precisa dela. Na transparência de sua vida poderia começar a ser realizado o sonho de Deus de viver entre os homens. Perturbada em sua simplicidade, depois de ter sido esclarecida pelo alto, Maria concorda. Diz um sim. “Está bem. Faça-me em mim segundo a tua palavra. Estou à disposição dos planos do Altíssimo. Que a sombra do Espírito paire sobre mim e na virgindade de minha vida a força do Alto começará a criar um mundo novo. Faça-se em mim, na humildade de minha pessoa que sou serva”. Obediência, acolhimento, humildade se misturam e o Verbo, a Palavra, a Comunicação passa a existir. Maria, a mulher nova, a nova Eva, a transparente, a imaculada, a Mãe do Verbo, a Mãe de Deus, Maria da Anunciação. A terra virginal acolhe as maravilhas. As gerações de todos os tempos haverão de olhar para aquela na qual o Senhor operou maravilhas.
Guardemos no coração estas palavras de Ivo de Chartres: “Nessa concepção, oculta-se, caríssimos irmãos, um grande e admirável mistério. Nele, destruído o documento de nossa prevaricação, unem-se o divino e o humano, tornando-se uma só carne, isto é, Cristo e a Igreja. O leito dessa união foi o seio virginal onde, após nove meses, segundo a lei natural, Cristo saiu do quarto nupcial como o esposo unido à sua esposa. Saiu unido à nossa carne e estabeleceu no sol a sua tenda, isto é, a carne humana assumida, porque tornou visível a todos o mesmo corpo com que haveria de vencer o inimigo” (Lecionário Monástico II, p.727).
Frei Almir Guimarães