Frei Raimundo celebra 25 anos de ministério presbiteral neste domingo
14/07/2023
Com o tema: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”, Frei Raimundo Justiniano de Oliveira Castro foi ordenado presbítero, nas mãos de Dom Luís Flávio Cappio, no dia 18 de julho de 1998. Neste domingo, às 11h30, na Paróquia São Francisco de Assis, na Vila Clementino, em São Paulo, onde reside atualmente, Frei Raimundo celebrará o jubileu de 25 anos de ministério presbiteral. Natural de Batatais, no interior de São Paulo, Frei Raimundo ingressou na vida religiosa franciscana quando já era adulto. Nesta entrevista, ele conta um pouco de sua vida e sua formação religiosa.
Site Franciscanos – Frei Raimundo, por favor, fale um pouco de sua família.
Frei Raimundo – Tenho uma família muito bonita, natural de Batatais, no interior de São Paulo, onde nasci. Minha mãe, Dona Joana D’Arc, e meu pai, o sr. Abelardo, tiveram oito filhos (quatro homens e quatro mulheres), do qual eu sou segundo mais velho. Uma irmã é a mais velha. Eu nasci e fui criado num berço cristão, principalmente pelo exemplo de minha mãe, embora meu pai não fosse assíduo nas Missas e outras celebrações da Igreja, era um homem cristão e com quem eu tinha muita proximidade. Também me marcou muito o testemunho de minha avó materna, a única que eu conheci, além de minhas tias.
Formamos uma família numerosa e muito alegre, muito festiva, muito participativa em todos os momentos que estamos juntos. Meu pai faleceu cedo, deixou minha mãe viúva com 50 anos. Isso me levou a ter uma vida muito ativa na família. Naquela época não era tão fácil. A pensão do marido não vinha tão rápido, então eu procurei ajudar minha mãe. Trabalhava em São Paulo e, com isso, ajudei-a formar três filhos e fazer o casamento de três irmãos. Minha mãe faleceu em dezembro de 2021.
Fiquei na minha cidade até o final dos 18 anos. Estudei até o terceiro Colegial, na época se falava assim. Vim para São Paulo para trabalhar e estudar. Sempre fui muito “caxias” nos estudos e ingressei na Universidade de São Paulo (USP), para cursar Ciências Contábeis.
Quando vim para São Paulo, minha irmã já estava aqui, mas fui morar durante meio ano com a família de minha tia. Me mudei quando três colegas, que estudaram comigo em Batatais, vieram também para a capital. Moramos numa pensão e depois numa república, na rua Major Diogo, no centro de São Paulo.
Site franciscanos – E como foi a sua vida profissional na capital?
Frei Raimundo – Logo que cheguei aqui, não tinha conseguido emprego. Tinha passado em um concurso público para a Secretaria de Educação, mas demorava para chamar. E quando chamou, eu havia conseguido outro emprego melhor, na própria Secretaria da Educação. Depois, fiz o concurso do Banco do Brasil e passei. Trabalhei na agência da Rua 7 de abril. Contudo, um primo que trabalhava na agência central me levou para lá, dizendo que “ali eu tinha condições de fazer uma carreira melhor”. No último ano da faculdade, eu vi um cartaz com oferta para o cargo de auditor. Na época tinha três grandes empresas no ramo: Price, a Arthur Andersen e KPMG. Eu me inscrevi nas três e fui fazendo o teste de seleção. Passei na Price e KPMG e acabei escolhendo a Price, que eu tinha preferência. Ali trabalhei 10 anos, saindo aos 34 anos, em 1988, para ingressar na vida religiosa franciscana.
Site franciscanos – E como se deu o seu discernimento vocacional?
Frei Raimundo – Na verdade, desde criança eu já tinha iniciado esse discernimento vocacional. E depois, com o tempo, em vários momentos da minha vida, essa questão vocacional voltava. Mas ela sempre foi forte. A decisão ficou mais clara quando eu percebi que a missão com minha mãe, de encaminhar os filhos, formados ou na faculdade, estava completa. Decidi ir atrás daquilo que queria e, aos 30 anos, começo a levar adiante esse processo vocacional.
Fiz uma análise com uma psicóloga e mostrei minha intenção vocacional e ela disse para ir adiante. Nessa época, eu morava na Praça Amadeu Amaral, na Bela Vista. Era próximo da Igreja Imaculada Conceição, dos Frades Capuchinhos, na avenida Brigadeiro Luiz Antônio. Frequentei muito a igreja da Imaculada. Era amigo dos capuchinhos e de modo particular de Frei Lino, um frade muito ativo naquela igreja. Participava de círculos bíblicos, que na época eram ministrados pela Ana Flora Anderson e Gilberto Gorgulho [frade dominicano que, em companhia do Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, atuou na defesa dos direitos humanos durante a ditadura militar, programou e coordenou um vasto programa para a formação de ministros da palavra, envolvendo milhares de pessoas na Arquidiocese de São Paulo]. Eu também fazia parte do Grupo de Jovens e da Pastoral do Leitorato.
Mas na hora de iniciar o meu acompanhamento vocacional, fui procurar o Convento São Francisco. Se você me perguntar o porquê, eu digo que não sei. Não tenho uma explicação, embora eu frequentava muito o Convento São Francisco durante a semana. Eu sempre arrumava um jeito de passar ali, onde conheci o Frei Pedro Pinheiro, que trabalhava na portaria do Convento. Eu conversava muito com ele. E também conversava com o Frei Luís Fernando de Mendonça, orientador vocacional do Convento, mas conversava sem dizer que eu tinha interesse na vida religiosa. Fui deixando a vida correr.
Site Franciscanos – Você chegou a ter dúvidas sobre a Ordem que escolheria? Você já conhecia São Francisco de Assis?
Frei Raimundo – Não, eu queria ser franciscano. Quem me apresentou São Francisco foi Santo Antônio. Aí volto lá na minha infância. Tinha uma senhora que era amiga da minha mãe e que ia, todas as terças-feiras, em nossa casa e ela me levava para uma capelinha de Santo Antônio que tinha em Batatais. Aí eu fui atrás de saber quem era Santo Antônio. E quando eu li sobre este santo, vi que ele era franciscano e da Ordem de São Francisco de Assis. Fui, então, em busca de conhecer também este santo fundador. Então, eu sou franciscano, porque conheci São Francisco via Santo Antônio.
Site Franciscanos – Como foi o seu caminho formativo religioso franciscano?
Frei Raimundo – Fiz os Encontros Vocacionais no Convento São Francisco, até o final de 1987, com o Frei Luís Fernando, depois de um ano e meio de acompanhamento. Segui, então, para o Sevoa (Seminário de Vocações Adultas, em Guaratinguetá), em 1988. Ali fiz um ano de Aspirantando e um de Postulantado. Eu fiz parte da última turma que fez o segundo ano de Sevoa. Naquele tempo ainda existia o Seminário de Agudos, e durante dois meses convivemos com a turma dali que íamos para o Noviciado, em Rodeio.
O Noviciado foi o melhor ano de minha vida. Dizem que é a “ano da provação”, mas para mim foi o “ano da graça”. E de fato foi o ano da graça. Ali, eu me debrucei sobre a vida de São Francisco, ali eu me encantei com a espiritualidade franciscana, tendo como mestre Frei Uli (Dom Leonardo Steiner, Arcebispo de Manaus). Eu já gostava da espiritualidade, mas ali fui entender por que São Francisco é esse santo atual depois de 800 anos. O mestre abriu muitos caminhos para conhecermos São Francisco. Ele é, de fato, um santo para todas as épocas, para todas as pessoas e para tudo ele apresenta uma possibilidade nova. Sou grato a Deus por ter passado pelo Noviciado e com a ajuda do Mestre Frei Uli, com quem tive uma relação muito boa.
Depois fui para Rondinha. No começo foi tenso, pois parecia outro mundo. Mas foi só no primeiro semestre. Depois já me acostumei e gostei muito de viver em Rondinha. Ali, o irmão de Frei Uli, Frei Wilson Steiner, foi meu mestre e Frei Fidêncio, vice-mestre. Havia uma grande Fraternidade a serviço da formação.
Cheguei em Petrópolis, para cursar a Teologia, um pouco assustado e perdido no primeiro semestre. Mas depois me encontrei e me encantei. O Convento do Sagrado/ITF é uma das casas, junto com o Noviciado, que mais me marcaram. Lembro-me que, na última Missa de formatura, dei um testemunho em que citei o teor da carta de São Francisco a Santo Antônio: “Gostaria muito que ensinasse aos irmãos a Sagrada Teologia, contanto que neste estudo, não extingam o espírito da santa oração e da devoção”. Petrópolis/Sagrado/ITF foi a Casa que me fez ver a importância da Teologia, da oração e da devoção na vida do frade menor. Tive bons mestres, professores amigos. Tempo saudoso vivido em Petrópolis!
Site Franciscanos – E como foi a ordenação presbiteral?
Frei Raimundo – Com o lema: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim”, fui ordenado em Batatais, por Dom Luís Flávio Cappio, no dia 18 de julho de 1998. Mandei um convite para Dom Cappio, mas disse que não poderá vir. Disse que não esquece de mim porque fui um dos primeiros que ele ordenou. Desde aquele dia, disse que reza por mim. Todo mundo ficou muito encantado com a sua celebração.
Comecei meu ministério na formação. Fui transferido para o Seminário de Agudos. Ali fiquei três anos. Gostava, mesmo sendo uma responsabilidade enorme que recaía sobre os formadores. Fiquei ali até 2000 e fui para o Seminário Frei Galvão, em Guaratinguetá. Dali fui para Universidade São Francisco, em Bragança Paulista. Na época, a Fraternidade morava em Campinas. Fiquei dez meses e depois vim para o Convento São Francisco para trabalhar no economato. Mas na época havia a necessidade de um vice-mestre em Rondinha e fiquei só dois meses em São Paulo. Fiquei de 2003 a 2006 em Rondinha. Com a doença de Frei Jurandir Cristofolini, voltei para São Paulo para trabalhar no Economato junto com Frei Mário Luiz Tagliari. E com isso vou completar seis triênios trabalhando aqui.
Site Franciscanos – Como é celebrar o jubileu de 25 anos de vida presbiteral?
Frei Raimundo – Tenho mais coisas bonitas do que não boas. Porque eu me realizo na minha vocação franciscana e sacerdotal. Claro, muitas coisinhas ficaram pelo caminho. Todo mundo tem problemas. Alguns entraves, mas para mim já estão em alto mar, quer dizer já passaram debaixo da minha ponte e o rio levou adiante. Tenho alegria de ter convivido com frades muito bons, que marcaram a minha vida. Essa convivência em fraternidade é essência da vida que escolhi.
Aqui, como vice-ecônomo, mexo com os números, mas graças a Deus tem a Paróquia do lado para exercer o meu ministério.
Gostaria de destacar também que, desses 25 anos, em 18 deles fui assistente espiritual das Irmãs Clarissas, ou melhor, da Federação dos Mosteiros das Clarissas do Brasil. Aprender com elas foi muito interessante porque, por mais que você fale que é assim, assado, a lógica no mosteiro é diferente. Elas vivem em função do tempo da Liturgia das Horas.
Também gostaria de destacar os formandos que fizeram parte de minha vida. Frei Claudino Gilz foi comigo até Petrópolis. Frei Luís Aliberti ingressou no mesmo ano do Noviciado. Ele, contudo, ficou mais um tempo no Noviciado. E também os ex-frades que foram muito bons na vida da gente.
Site Franciscanos – Como o sr. define Frei Raimundo?
Frei Raimundo – Eu sou uma pessoa muito reflexiva. Sempre fui. Sempre gostei de estudar e de ler. Não sou uma pessoa que vive num casulo, mas sou mais introspectivo e gosto dos momentos de fraternidade e dos momentos em família. Geralmente não ocupo cargos de liderança, mas prefiro ficar na retaguarda, porque nessa posição enxergo melhor as coisas e posso ajudar mais. Fui vice-mestre e vice-ecônomo.
Site Franciscanos – Trabalhando muitos anos na área econômica e financeira, como sr. vê a “Economia de Francisco”?
Frei Raimundo – Um ponto importante deste encontro promovido pelo Papa Francisco, em Assis, creio, é reforçar a solidariedade e o clamor dos povos. Meu pai foi um homem muito solidário na vida. Foi educador e diretor de escola. Eu lembro muito dele procurando e lutando pela inclusão das crianças pobres porque na minha cidade existia apenas um colégio do Estado que tinha até o colegial. E ele, como diretor, conseguiu trazer o primário para a noite. O Papa, com a “Economia de Francisco”, quer incluir as pessoas e trazê-las para dentro da sociedade, tirando-as da zona de pobreza e miséria.
Site Franciscanos – E o Pontificado do Papa Francisco, como o sr. avalia?
Frei Raimundo – Uma coisa que chama atenção é sua sensibilidade às nossas dores, fraquezas e problemas. No início do seu Pontificado, ele sinalizou com uma diretriz importante para a vida da Igreja: estar em saída. Eu até percebi a Igreja em saída numa época, mas agora parece que ela está ficando mais fechada, mesmo com ele pedindo. Mas nós temos que lembrar que a Igreja está sempre em saída. Ela vai ao encontro, ela cuida, ela tem compaixão. O Papa está sempre em saída porque vai a lugares do mundo que ninguém foi. Ele vai justamente para mostrar a face do Cristo lá onde a vida está fraturada. Além disso, o Papa Francisco tem essa identificação com São Francisco de Assis. Suas encíclicas revelam isso: Laudato Si’, Fratelli tutti e a Evangelii Gaudium.
Site Franciscanos – Dos Papas que conheceu, quem chamou sua atenção?
Frei Raimundo – O Papa Francisco está sendo muito audacioso e corajoso colocando a espiritualidade franciscana a serviço da Igreja e da humanidade. Um Papa que me marcou muito foi o Paulo VI, porque ele poderia ter engavetado o Concílio Vaticano II, mas ele colocou-o em prática, porque achava que o caminho da Igreja era o do Concílio. Há notícias que ele enfrentou muitas resistências. O João Paulo I queria continuar a linha do Pontificado de Paulo VI.
Já de João Paulo II todo mundo fala que é muito fechado, mas quando vi uma exposição na praça São Pedro, fiquei impactado com tantos lugares e viagens que fez no seu Pontificado. Do Bento XVI são profundas suas encíclicas e, sobretudo, o Ano Paulino, que foi importante para a Igreja. No final, o gesto dele na renúncia entrou para a história. Com isso, mostrou o seu desapego.
Site Franciscanos – Como formador que já foi, o sr. acha que existe uma crise vocacional na vida religiosa e na Igreja?
Frei Raimundo – Não acho que seja crise, mas um momento de dificuldade. Um momento de sombra. E também a mudança de época. Estamos no meio de uma revolução tecnológica. Lembro que quando era formador em Rondinha, num Conselho de Formação, nós discutimos o dia inteiro se o formando poderia ter ou não celular. E era época daqueles celulares grandes. Um ano depois, fui pregar um retiro para as Irmãs de Petrópolis. Quando cheguei lá, vi os estudantes do tempo da Teologia com celulares e notebooks. E é normal mesmo que tenha ocorrido, pois se trata de uma ferramenta de trabalho, necessária para os estudos, a comunicação e até oração.
Site Franciscanos – O que você diria a um jovem que deseja seguir os passos de Francisco de Assis?
Frei Raimundo – Eu diria que vale a pena. Ele vem para seguir Jesus Cristo ao modo de Francisco. Não precisa ser santo, mas mesmo com defeitos pode seguir a Francisco de Assis. Como lembra o “Espelho da Perfeição”, São Francisco descreve o frade perfeito citando a virtude de cada frade. Não existe um frade com todas as virtudes. É a virtude de cada um que vai formar o frade perfeito. Eu não vou poder exigir que todos tenham as dez virtudes. A perfeição é uma meta.
Nesses escritos, Francisco dizia que seria bom frade menor aquele que tivesse a vida e as qualidades destes santos frades: isto é: “a fé de Frei Bernardo, que a teve de forma perfeita com o amor à pobreza; a simplicidade e a pureza de Frei Leão, que foi realmente de uma pureza santíssima; a cortesia de Frei Ângelo, que foi o primeiro cavaleiro que veio para a ordem e que era ornado de toda a cortesia e bondade; o aspecto gracioso e o senso natural com a fala bonita e devota de Frei Masseo; a mente elevada em contemplação que Frei Egídio teve até a máxima perfeição; a virtuosa e constante oração de Frei Rufino, que rezava sempre, sem interrupção: mesmo dormindo ou fazendo alguma coisa tinha sempre seu espírito com o Senhor; a paciência de Frei Junípero, que atingiu um estado perfeito de paciência, por causa da perfeita verdade da própria vileza, que tinha continuamente diante dos olhos, e um ardente desejo de imitar a Cristo no caminho da cruz; o vigor corporal e espiritual de Frei João das Laudes, que, naquele tempo, ultrapassou todos os homens em força física; a caridade de Frei Rogério, cuja vida inteira e comportamento estavam no fervor da caridade; e a solicitude de Frei Lúcio, que teve grandíssima solicitude e não queria morar quase um mês no mesmo lugar, mas quando lhe agradava ficar num lugar, imediatamente se afastava e dizia: “Não temos morada aqui (cf. Hb 13,14), mas no céu”.
Moacir Beggo