Papa: tornamo-nos aquilo que escolhemos, tanto no bem quanto no mal
22/11/2020
O Papa Francisco celebrou a missa na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, na Basílica de São Pedro, na manhã deste domingo (22/11), e de entrega dos símbolos da JMJ dos jovens do Panamá aos jovens de Portugal.
“A página que acabamos de ouvir é a última do Evangelho de Mateus antes da Paixão: antes de nos doar o seu amor na cruz, Jesus transmite-nos suas últimas vontades. Ele nos diz que o bem que fizermos a um dos seus irmãos mais pequeninos, famintos, sedentos, estrangeiros, necessitados, doentes e encarcerados, será feito a Ele”, disse o Pontífice no início de sua homilia.
Segundo o Papa, “deste modo o Senhor nos entrega a lista dos dons que deseja para as núpcias eternas conosco no Céu. São as obras de misericórdia que tornam eterna a nossa vida. Cada um de nós pode interrogar-se: coloco-as em prática? Ajudo alguém que não me pode restituir? Sou amigo de uma pessoa pobre?”. “Eu estou ali”, diz Jesus, nos pobres. Eu estou ali, diz Jesus também aos jovens que “procuram realizar os sonhos da vida”.
Realizar os sonhos de Deus neste mundo
Eu estou ali: disse Jesus, séculos atrás, a um jovem soldado. Era um jovem de dezoito anos, ainda não batizado, que cortou o seu manto e deu metade ao pobre, suportando a zombaria de alguns ao redor. Esse jovem era são Martinho que, na noite seguinte, teve um sonho e viu Jesus com a parte do manto que ele tinha coberto o pobre. “São Martinho era um jovem que teve aquele sonho porque o viveu, mesmo sem saber, como os justos do Evangelho de hoje”, sublinhou o Papa. A seguir, Francisco disse:
Queridos jovens, queridos irmãos e irmãs, não renunciemos aos grandes sonhos. Não nos contentemos com o que é devido. O Senhor não quer que restrinjamos os horizontes, não nos quer estacionados nas margens da vida, mas correndo para metas elevadas, com júbilo e ousadia. Não fomos feitos para sonhar os feriados ou o fim de semana, mas para realizar os sonhos de Deus neste mundo. Ele tornou-nos capazes de sonhar, para abraçar a beleza da vida. E as obras de misericórdia são as obras mais belas da vida. Se você tem sonhos de verdadeira glória, não da glória passageira do mundo, mas da glória de Deus, esta é a estrada; pois as obras de misericórdia dão mais glória a Deus do que qualquer outra coisa.
Escolhas banais levam a uma vida banal
“Mas, donde se começa para realizar grandes sonhos?”, perguntou o Papa. “Das grandes escolhas. Hoje, o Evangelho também nos fala disto. No momento do juízo final, o Senhor se baseia nas nossas escolhas. Quase parece que não julga: separa as ovelhas dos cabritos, mas ser bom ou mau depende de nós. Ele apenas tira as consequências de nossas escolhas, as traz à luz e as respeita. Assim a vida é o tempo das escolhas vigorosas, decisivas e eternas.”
Escolhas banais levam a uma vida banal; escolhas grandes tornam a vida grande. De fato, tornamo-nos aquilo que escolhemos, tanto no bem quanto no mal. Se escolhemos roubar, tornamo-nos ladrões; se escolhemos pensar em nós mesmos, tornamo-nos egoístas; se escolhemos odiar, tornamo-nos furiosos; se escolhemos passar horas no celular, tornamo-nos dependentes. Mas, se escolhermos Deus, nos tornamos mais amados a cada dia e, se optarmos por amar, nos tornamos felizes. Sim, porque a beleza das escolhas depende do amor. Jesus sabe que, se vivermos fechados e na indiferença, ficamos paralisados; mas, se nos dedicarmos aos outros, nos tornamos livres. O Senhor da vida nos quer cheios de vida e nos dá o segredo da vida: só a possuímos doando-a.
“Mas existem obstáculos que tornam as escolhas difíceis: com frequência, são o medo, a insegurança, os porquês sem resposta”, disse ainda o Pontífice, ressaltando que “o amor pede para ir além, não ficar agarrados aos porquês da vida, esperando que chegue do Céu uma resposta. Isso não. O amor impele a passar dos porquês ao para quem: do porque vivo, ao para quem vivo; do porquê me acontece isto, ao para quem posso fazer o bem. Para quem? Não só para mim; a vida já está cheia de escolhas que fazemos para nós mesmos: ter um diploma, amigos, uma casa; satisfazer os próprios passatempos e interesses. De fato, corremos o risco de passar anos a pensar em nós mesmos, sem começar a amar”.
Escolher o que lhe faz bem
Segundo Francisco, “não existem apenas as dúvidas e os porquês a insidiar as grandes escolhas generosas; existem muitos outros obstáculos”.
Existe a febre do consumo, que narcotiza o coração com coisas supérfluas. Existe a obsessão pela diversão, que parece o único caminho para fugir dos problemas, quando, ao invés, é apenas um adiamento do problema. Existe a fixação nos próprios direitos de reivindicar, esquecendo o dever de ajudar. E, depois, há a grande ilusão do amor, que parece algo a ser vivido ao som de emoções e likes, quando amar é principalmente dom, escolha e sacrifício. Sobretudo hoje, escolher é não se fazer domesticar pela homogeneização, é não se deixar anestesiar pelos mecanismos de consumo, que desativam a originalidade, é saber renunciar às aparências e à exibição. Escolher a vida é lutar contra a mentalidade do usa-e-joga-fora e do tudo-e-imediatamente, para orientar a existência rumo à meta do Céu, rumo aos sonhos de Deus.
“Todos os dias se apresentam muitas opções no coração”, disse ainda o Papa, dando um último conselho para se treinar a escolher bem.
Se olharmos dentro de nós, veremos que muitas vezes surgem duas perguntas diferentes. A primeira: o que me apetece fazer? É uma pergunta que engana frequentemente, porque insinua que o importante é pensar em si mesmo e satisfazer todos os desejos e impulsos que me vêm. Mas a pergunta que o Espírito Santo sugere ao coração é outra: não aquilo que lhe apetece, mas aquilo que lhe faz bem. A escolha diária situa-se aqui: escolher entre o que me apetece fazer e o que me faz bem. Desta busca interior, podem nascer escolhas banais ou escolhas vitais.
Angelus: seremos julgados com base no amor
Hoje, celebramos a Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, com a qual se encerra o ano litúrgico, a grande parábola em que se desdobra o mistério de Cristo. Ele é o Alfa e o Ômega, o início e a realização da história; e a liturgia de hoje se concentra sobre o “ômega”, ou seja, na meta final.
Estas são as palavras iniciais do Papa Francisco no Angelus deste domingo (22/11), Solenidade de Cristo Rei.
Segundo o Papa, “o significado da história pode ser compreendido mantendo diante dos nossos olhos o seu ponto culminante: o fim é também a meta. E é isto que Mateus faz, no Evangelho deste domingo, colocando o discurso de Jesus sobre o juízo universal no epílogo da sua vida terrena: Ele, que os homens estão prestes a condenar, é de fato o juiz supremo. Na sua morte e ressurreição, Jesus se mostrará o Senhor da história, o Rei do universo, o Juiz de todos. Mas o paradoxo cristão é que o Juiz não é um temível rei, mas um pastor cheio de mansidão e misericórdia”.
Nesta parábola do juízo final, Jesus usa a imagem do pastor, recordando as profecias de Ezequiel, que falou da intervenção de Deus em favor do povo, contra os pastores maus de Israel. Estes tinham sido cruéis e exploradores, preferindo pastorear a si próprios em vez de pastorear o rebanho. Por isso, o próprio Deus promete cuidar pessoalmente do seu rebanho, defendendo-o das injustiças e dos abusos. Esta promessa de Deus ao seu povo foi plenamente cumprida em Jesus Cristo, que diz de si mesmo: “Eu sou o bom pastor”.
No Evangelho de hoje, Jesus se identifica não só com o rei-pastor, mas também com as ovelhas perdidas. Poderíamos falar de uma “dupla identidade”: o rei-pastor, Jesus, também se identifica com as ovelhas, ou seja, com os irmãos pequeninos e necessitados. E assim ele indica o critério do julgamento: será com base no amor concreto dado ou negado a estas pessoas, porque Ele mesmo, o juiz, está presente em cada uma delas. Ele é juiz, Ele é Deus-homem, mas Ele também é o pobre, Ele está escondido, Ele está presente na pessoa dos pobres que Ele menciona. Jesus diz: “Em verdade eu lhes digo: tudo o que vocês fizeram ou não fizeram a um desses meus irmãos pequeninos, foi a mim que fizeram ou não fizeram.” Seremos julgados com base no amor. O julgamento será sobre o amor. Não sobre os sentimentos, não: seremos julgados sobre as obras, sobre a compaixão que se torna proximidade e ajuda atenciosa.
“Aproximo-me de Jesus presente na pessoa dos doentes, dos pobres, dos que sofrem, dos encarcerados, dos que têm fome e sede de justiça? Eu me aproximo de Jesus ali presente? Essa é a pergunta de hoje”, disse o Papa.
“O Senhor, no final do mundo, irá avaliar o seu rebanho, e o fará não só do lado do pastor, mas também do lado das ovelhas, com as quais Ele se identificou. Ele nos perguntará:
Você foi um pouco pastor como eu? Você foi meu pastor quando eu estava presente nessas pessoas necessitadas, ou você foi indiferente?” Irmãos e irmãs, tenhamos cuidado com a lógica da indiferença, com o que nos vem logo à mente: olhar para outro lado quando vemos um problema. Recordemos a parábola do Bom Samaritano. Aquele pobre homem, ferido por bandidos, atirado ao chão, entre a vida e a morte, estava ali sozinho. Um sacerdote passou, viu, e foi embora, olhou para o outro lado. Um levita passou, viu e olhou para o lado. Eu, diante de meus irmãos e irmãs necessitados, sou indiferente como este sacerdote, como este levita, e olho para o outro lado? Serei julgado sobre isto: sobre como me aproximei, como olhei para Jesus presente nos necessitados. Esta é a lógica, e não sou eu quem digo, Jesus o diz: “O que vocês fizerem a este ou aquele, vocês fizeram a mim”. E o que vocês não fizeram a este ou aquele, não fizeram a mim, porque eu estava ali”. Que Jesus nos ensine esta lógica, esta lógica da proximidade, de nos aproximarmos dele, com amor, na pessoa dos que que sofrem.
Francisco concluiu, pedindo “à Virgem Maria que nos ensine a reinar no servir. Nossa Senhora, elevada ao Céu, recebeu do seu Filho a coroa da realeza, porque o seguiu fielmente no caminho do Amor. Aprendamos com ela a entrar desde agora no Reino de Deus, através da porta do serviço humilde e generoso”.
Após a oração mariana do Angelus, o Papa Francisco saudou recordou as populações da Campania e Basilicata, “quarenta anos após o desastroso terremoto, que teve seu epicentro em Irpinia e semeou morte e destruição. Já se passaram quarenta anos! Esse acontecimento dramático, cujas feridas também materiais, ainda não foram curadas completamente, evidenciou a generosidade e a solidariedade dos italianos”.
Francisco concluiu, saudando de modo especial as famílias que estão em dificuldade neste momento, “porque não têm trabalho, perderam seus empregos” e às vezes, por causa da vergonha, “não dizem isso a ninguém”.
Fonte: Vatican News (texto de Mariangela Jaguraba )