"Estamos formando adeptos ou discípulos?"
21/07/2018
Érika Augusto
Aparecida (SP) – A provocação veio de Dom Leomar Brustolin, bispo auxiliar da Arquidiocese de Porto Alegre (RS). “Estamos formando adeptos ou discípulos? Seguidores de Jesus ou fãs que O curtem, mas não O seguem?”, questionou aos participantes do 6º Encontro Nacional da Pastoral da Comunicação (Pascom), que acontece de 19 a 22 de julho no Centro de Eventos Padre Vitor Coelho de Almeida, em Aparecida (SP).
Na parte da manhã de hoje, 21, os participantes acompanharam a palestra de Dom Leomar, que abordou o tema da Comunicação e Igreja no contexto atual, relembrando o capítulo X do Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil, documento 99 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Em sua fala, ele foi enfático ao afirmar que o mais importante não é a geração de conteúdo ou o domínio das novas tecnologias, mas o que é comunicado. “A coisa mais fácil é colocar fotos e impressões no site, Facebook, Twitter. O difícil é forjar conteúdo que transforme vidas. Estamos informando ou formando? Conseguimos mudar a sociedade? Conseguimos fazer com que a fé transforme a política, economia, cultura, educação?”, provocou. E afirmou que esta não é uma questão simples e tampouco existem respostas prontas para estas perguntas.
O bispo, que é professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e coordenador da pós-graduação da Faculdade de Teologia, trouxe um dado alarmante. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 800 mil pessoas cometem suicídio por ano. Segundo ele, um dos fatores para as altas taxas de suicídio, que têm aumentado entre os jovens brasileiros, é a falta de sentido da vida. “É a fruição de nada valer, perda de referências, identidade e segurança”, acrescentou.
Segundo ele, existe hoje uma “privatização da fé”, onde as pessoas procuram as igrejas para atender às demandas pessoais, não comunitárias. “O objetivo da religiosidade é fazer a pessoa sentir-se bem, mas o vínculo de pertença diminui. O centro não é mais a comunidade ou Deus, mas o eu. A minha religião sou eu, muitos dizem”, apontou.
Não ser uma Pastoral que “pesca no aquário”
Para Dom Leomar, é necessário comunicar-se com as pessoas de fora de Igreja e não somente as de dentro. Para isso, é necessário atenção com a linguagem utilizada, que pode fazer muito sentido para quem pertence à Igreja, mas comunica pouco para quem é de fora. “Pescar no aquário significa não ir ao encontro dos que estão fora e nós não queremos isso”, explicou. Ele afirmou que é preciso abandonar a pastoral de manutenção e assumir uma pastoral missionária. “Quem crê, anuncia. Quem não crê, só informa”, provocou.
Outro ponto importante levantado pelo palestrante foi o excesso de atividades, reuniões e pouca profundidade no que se vive. “É muito fazer e pouco ser. Não sei se precisamos de tantos fazedores numa sociedade como essa. Tem gente que faz melhor que nós. O ser tem que ser prioridade”, salientou.
Em seguida, Moisés Sbardelotto, mestre e doutor em Ciências da Comunicação, retomou alguns aspectos do Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil. Ele iniciou sua fala com um trecho da Exortação Apostólica Gaudete et Exsultate, que aborda a questão da violência nas redes sociais.
Pode acontecer também que os cristãos façam parte de redes de violência verbal através da internet e vários fóruns ou espaços de intercâmbio digital. Mesmo nos media católicos, é possível ultrapassar os limites, tolerando-se a difamação e a calúnia e parecendo excluir qualquer ética e respeito pela fama alheia. Gera-se, assim, um dualismo perigoso, porque, nestas redes, dizem-se coisas que não seriam toleráveis na vida pública e procura-se compensar as próprias insatisfações descarregando furiosamente os desejos de vingança. É impressionante como, às vezes, pretendendo defender outros mandamentos, se ignora completamente o oitavo: «não levantar falsos testemunhos» e destrói-se sem piedade a imagem alheia. Nisto se manifesta como a língua descontrolada «é um mundo de iniquidade; (…) e, inflamada pelo Inferno, incendeia o curso da nossa existência» (Tg 3, 6).” (nº 115).
Para ele, o fato do Papa dedicar a este assunto três parágrafos inteiros em um documento magisterial, que não é dedicado à Comunicação, é algo muito significativo, que alerta para uma realidade preocupante e desafiadora.
Em sintonia com o que foi dito pelos demais palestrantes, Sbardelotto falou da importância de um estilo cristão-católico de comunicar. “Não é o conteúdo que nos define como comunicadores católicos, mas como a informação se transforma em experiência de vida”, afirmou.
A relação entre comunicação e vida, segundo o Diretório, se dá em três âmbitos: dignidade da pessoa, direitos humanos e bem comum. “A comunicação católica e cristã, para ser tal, em nenhum momento pode envolver questões de discriminação, racismo, xenofobia, descarte e descrédito do outro”, apontou Sbardelotto.
Sobre a busca do bem comum, Moisés afirmou que esta deve ser o diferencial dos comunicadores católicos. “Grande parte da comunicação brasileira não está interessada em justiça e paz. Ao contrário, quer a justiça só para os seus interesses e dos patrocinadores e paz para uma parcela da população”, acrescentou.
Para Sbardelotto, a pluriculturalidade do Brasil é um desafio e uma riqueza para os comunicadores. O Diretório aponta três sujeitos importantes que devem estar presentes neste estilo cristão-católico de comunicar: povos e culturas; Igrejas e religiões; pobres e periferias. “Se vivemos uma experiência de fé, bonita e louvável dentro dos nossos templos, mas não prestamos atenção na carne de Cristo do lado de fora, a nossa comunicação não está atenta a essa verdade. A missão essencial é essa, o serviço aos pobres. Não só para ouvi-los, mas para usá-los como conteúdo das nossas comunicações, para que eles sejam sujeitos da comunicação e participem dos nossos processos comunicacionais”, alertou.
A seguir, o Pe. Rafael Vieira, assessor de Imprensa da CNBB, falou sobre a assessoria de imprensa na Igreja, diferenciando o trabalho dos agentes de pastoral e do assessor. Ele falou também dos ataques que as redes sociais da CNBB vêm sofrendo por parte de grupos católicos tradicionalistas e recordou uma frase dita por Dom Leomar na parte da manhã: “onde não há caridade, não há verdade”, referindo-se aos ataques.
Um visitante ilustre
Na parte da manhã, uma visita muito especial alegrou os organizadores e participantes do Encontro Nacional, um dos maiores comunicadores da Igreja do Brasil: Padre Zezinho.
Ele falou do seu novo livro, que abordará a questão da profecia entre os jovens. O sacerdote dehoniano, que também marca presença nas redes sociais e, por sua postura, muitas vezes é atacado, afirmou que diante das ameaças, os comunicadores não podem recuar. Ele pediu também que os agentes de pastoral não deixem os padres comunicarem sozinhos. “Ao comunicar só, sem os leigos, nós vamos errar. Porque vocês têm algo a dizer e nós queremos ouvi-los”, afirmou ressaltando que na Igreja não pode haver uma comunicação clerical.
Prêmios de Comunicação da CNBB
Na noite de ontem, 20, aconteceu a gravação da entrega dos Prêmios de Comunicação da CNBB. O programa vai ar ao na noite da próxima quarta-feira, 25, nas emissoras de TV católicas (Rede Vida, TV Aparecida, Canção Nova). A Província Franciscana da Imaculada Conceição concorre na categoria Iniciativa em redes sociais, com a WebTV Franciscanos.