“Madalena, o Filme e a Prostituta!”
08/04/2018
Frei Jacir de Freitas Faria, OFM (*)
Nas telas do cinema, em vários continentes, na quaresma de 2018, está sendo projetado o filme “Maria Madalena”. Dirigido por Garth Davis, essa produção britânico-australiana procura resgatar o papel originário de Maria Madalena, a de apóstola.
Madalena, o filme! Sim. Madalena, a prostituta! Não. Os cristãos acreditam no equívoco cometido pelo papa Gregório Magno (540-604) na catedral de Milão, interpretando Lc 7,36-50, que fala de uma prostituta que unge os pés de Jesus, e afirma que tal prostituta seria Madalena arrependida. Os milaneses pervertidos se converteram e a apóstola Madalena passou a ser aquilo que nunca foi, prostituta.
A partir daí, o inconsciente coletivo guardou na memória a figura de Maria Madalena como mito de pecadora redimida. Nas sociedades patriarcais antigas, a mulher era identificada com o sexo e ocasião de pecado por excelência. Lc 8,2 cita nominalmente Maria Madalena e diz que dela “haviam saído sete demônios”. Ter demônios, segundo o pensamento judaico, era o mesmo que ser acometido de uma doença grave. No cristianismo, o demônio foi associado ao pecado. No caso da mulher, o pecado era sempre o sexual. Nesse sentido, a confusão parece lógica.
Madalena, a apóstola de Jesus e líder entre os homens apóstolos. Testemunha da ressurreição. Mulher que esteve à frente de seu tempo. Não prostituta. Uma outra Madalena! E é isso que Garth Davis soube explorar bem em seu longa-metragem. O espírito mau que estava dentro dela era justamente o de não querer seguir os ditames da cultura judaica: toda mulher tinha que ter um marido e servi-lo, como queria o seu pai. Maria Madalena, protagonizada por Rooney Mara, decide seguir Jesus, que ao passar por Magdala, sua cidade, ganha uma apóstola.
O filme vem em boa hora. Tempo de quaresma e de violência. Não por mera coincidência, Madalena de Magdala e Marielle do Rio de Janeiro são exemplos de lideranças que abrem caminhos de liberdade e esperança.
Faltou mencionar, no fim do filme, o pedido de perdão da Igreja a Madalena, em 1969, quando a Igreja retira de Madalena os atributos de penitente e pecadora (prostituta). No filme, Pedro não acredita em Madalena e tem ciúme de sua liderança, tema inspirado no evangelho apócrifo de Maria Madalena. Além disso, faltou explorar, também, a relação, não menos importante, de Madalena com Jesus. Relação de cumplicidade e de amor diferenciado. Essa temática poderia ter dado mais vivacidade ao filme, que em determinado momento chega a ser moroso.
O grande mérito do filme é o de apresentar Madalena como liderança apostólica. Davis ultrapassa dezenas de filmes que apresentaram Madalena como prostituta, o que pode ser visto em A Paixão de Cristo e A última Tentação de Cristo. A Madalena do filme é a mulher redimida hipoteticamente pela história. Ela é a Apóstola dos Apóstolos, como ensinou a Igreja no início do cristianismo, mas feita prostituta pelo papa Gregório e resgatada como apóstola por outro papa, Francisco, em 2016.
(*) Frei Jacir de Freitas Faria, OFM, é autor dos livros: As origens apócrifas do cristianismo: comentário aos evangelhos de Maria Madalena e Tomé (Paulinas) e O outro Pedro e a outra Madalena segundo os apócrifos (Vozes).