Moisés Sbardelotto lança “E o Verbo se fez Rede”
10/07/2017
Moacir Beggo
São Paulo (SP) – O mestre e doutor em Ciências da Comunicação, o gaúcho Moisés Sbardelotto, lançou nesta segunda-feira (10/7), em São Paulo, o livro “E o Verbo se fez Rede – Religiosidades em reconstrução no ambiente digital” (Paulinas e Sepac). Ele é também autor de “E o Verbo se fez bit: A comunicação e a experiência religiosas na internet (Santuário, 2012)”. Nos dias 24 e 25 de outubro, em Rondinha, ele será o assessor do Encontro da Frente de Evangelização da Comunicação desta Província da Imaculada Conceição.
Sbardelotto contou que concluiu o livro deixando uma provocação à Igreja de que é necessária essa encarnação digital como mostra o título de sua obra. “Se pensarmos em termos teológicos, a gente pode dizer que hoje somos essas mãos que continuam a criação. Essas presenças vivas de Jesus hoje. Nós, de certa forma, continuamos esse processo de encarnação da presença cristã no mundo. E a gente pode pensar também essa encarnação do ponto de vista digital. Como é que nós trazemos essa fé, essa experiência, esses valores, essa tradição, essa história para esse ambiente onde mudam as linguagens, mudam as relações, mudam as formas de perceber?”, explicou Moisés, que foi recebido pela coordenadora e orientadora pedagógica do Sepac (Serviço à Pastoral da Comunicação), Joana Puntel (na foto à esquerda), para uma palestra a alunos e interessados no tema da Comunicação Digital. Depois de um momento de partilha, Moisés reservou um tempo para autógrafos.
“O Verbo se faz rede justamente na encarnação digital das mais diversas expressões comunicacionais religiosas. Não é só o Papa no Twitter que faz esse processo, mas cada página que assim se assume como católica, que de certa forma promove essa encarnação ou bloqueia essa encarnação. São essas presenças que vão dando essa ideia de encarnação. Então, esse fazer-se rede não é apenas uma necessidade pastoral ou um desafio eclesial, mas também uma realidade. Fazer-se rede hoje é uma realidade: a saúde se faz rede, o esporte, a política. Então, é uma realidade sociocomunicacional já existente. Quer dizer, a Igreja, no fim das contas, está chegando atrasada neste processo. Está entrando no salão quando a festa já começou”, observou o professor, ponderando: “Talvez a Igreja ainda não é rede digital, mas ela é rede, comunidade de comunidades etc. A gente usa uma linguagem que já nos constitui como rede. A gente precisa traduzir essa rede na rede digital, esse é o problema”.
Nessa ecologia midiática, segundo o autor, é preciso abandonar em termos pastorais e eclesiais, leituras meramente funcionalistas do fenômeno comunicacional, quer dizer a comunicação vista apenas em função da maximização da Igreja. “Ah, por que a Igreja tem que estar presente na rede? Porque tem que ter mais seguidores, mais padres, porque tem que aumentar as vocações… Não; essa é uma leitura funcionalista, quer dizer, só quero comunicar porque quero obter algo em troca. Essa leitura não vai nos ajudar na atual cultura”, enfatizou Moisés. Para ele, é preciso abandonar leituras meramente funcionalistas, leituras instrumentalistas, a comunicação vista como instrumento para alcançar essa maximização dos fins eclesiais. “Por que a Igreja tem que estar na TV? Ah, porque a Igreja tem um bom meio para arrebanhar fiéis e conseguir vocações. Não, essa visão é instrumentalista”, enfatizou.
Depois, para Sbardelotto, é preciso pôr fim a leituras meramente tecnicistas. “A comunicação como mera solução tecnológica de problemas que, no fundo, são de outra ordem. Quer dizer, por que a Igreja teria que estar presente na rede? Ah, porque é a rede que vai nos dar uma resposta. Não é a rede como tecnologia que vai nos dar respostas para um problema que não é tecnológico. Falta de vocações, se é o caso, ou a falta de fiéis, não são problemas tecnológicos. São de outra ordem e a tecnologia não vai dar uma resposta eficaz para isso, tanto é que temos dezenas de canais católicos no Brasil e nem por isso o Brasil está se tornando um país mais católico, ao contrário, a cultura brasileira, as práticas políticas não são nada católicas. Então, não é a televisão, como mera tecnologia, que vai nos dar uma resposta que não é de ordem tecnológica”, reforçou.
Sbardelotto explicou que a comunicação eclesial não pode ser pensada apenas como “ad intra” ou “ad extra”, em que a instituição é sempre o ‘centro’ autorreferencial das relações e dos processos, que só teriam sentido em função dela. “Se a gente for pensar a comunicação como rede, não é mais possível delimitar um fora e um dentro eclesiais. Nem um início e um fim das ações comunicacionais, mas apenas relações de relações. O que é a rede? É uma relação de várias relações, entre hierarquia, a instituição, o povo, os fiéis, os infiéis, em que tudo está interligado. E aqui eu cito a frase do Papa Francisco na Laudato Sí: pensar a comunicação também do ponto de vista ecológico. Tudo está interligado e a gente não tem como escapar dessa rede. A gente tem que saber lidar com isso”, destacou. Para ele, a comunicação da Igreja deve ser pensada, também e principalmente, como “ad inter“, isto é, um ser estar entre, um voltar-se aos outros estando entre eles. Em que esses outros envolvem outros interagentes, outras interações, outros processos. Fora de tais relações, como ser autocentrado, a Igreja perde o seu sentido de existir”, observou.
Para o jornalista gaúcho, o conceito de rede também nos desafia como Igreja a repensar a nossa concepção de Igreja, concepção de comunicação eclesial, em que muitas vezes a gente se coloca no centro ou acima do mundo. “Eu me comunico com o mundo de cima do púlpito. Quer dizer, eu estou aqui no alto e me comunico com este mundo que está abaixo de mim. Mas em rede não tem abaixo, encima, fora e dentro, a rede é essa rede de relações. Então, é um desafio grande, é uma provocação grande para nós, comunicadores, e para os teólogos”.
Outro ponto importante para o professor é uma inculturação digital. “Se existe essa cultura digital, a Igreja precisa se inculturar também, conhecer os processos que estão aí presentes. E aqui eu retomo uma parte da Evangelii Gaudium: Diante da ‘reforma digital’, o desafio da Igreja, mas também de toda a sociedade, é ‘inculturar-se’ na cultura midiática emergente. A inculturação, em sentido eclesial, é o processo pelo qual a Igreja ‘introduz os povos com suas culturas na sua própria comunidade, porque cada cultura oferece formas e valores positivos que podem enriquecer o modo como o Evangelho é pregado, compreendido e vivido’.
Mas como Igreja, nós precisamos reconhecer esses valores que estão na cultura e introduzi-los na cultura eclesial. Para isso, é importante partir rumo às fronteiras digitais”, desafiou.
Sbardelotto concluiu sua apresentação tocando num ponto crucial e que é sempre muito lembrado pelo Papa Francisco: o testemunho. “O que a gente quer fazer em rede, qual a nossa missão em rede, por que nós estamos presentes nessa rede? Por uma questão de fama, por uma questão de número, por uma questão de interesse econômico, financeiro? E aqui, o Papa Francisco, na mensagem para o Dia Mundial das Comunicações, recordando o Papa Bento XVI, disse que a Igreja não cresce com proselitismo, mas por atração. E o Papa Francisco vai dizer que na rede a gente não deve fazer um bombardeio de mensagens religiosas. Não é essa a missão da Igreja, ou seja, ficar falando de si mesma, da Igreja como tal. Segundo o Papa, essa rede tornou-se parte integrante da vida humana. Então, se tem pessoas na rede, a Igreja tem que estar presente, porque a missão da Igreja é estar no meio do povo. Onde há ser humano, aí está a Igreja”, disse.
Para Sbardelotto, também em rede, a Igreja não faz proselitismo, ela cresce muito mais por atração. “Portanto, o desafio diante das mudanças comunicacionais é promover um diaconia da cultura no atual continente digital. O diácono é alguém que se coloca a serviço da cultura. Na cultura digital, a Igreja também se coloca a serviço para fomentar as formas e valores positivos que essa cultura já tem, ajudando a construir a cultura digital, que não está pronta. Ela está em evolução. Nós, como Igreja, somos chamados a contribuir com essa construção, que passa, segundo Bento XVI, pelo testemunho do Evangelho na era digital. E o valor do testemunho, na rede e fora dela – aqui eu cito o Papa Francisco -, tem mais força do que mil palavras, milhares de ‘curtidas’ ou retuitadas, de mil vídeos no youtube’”, recordou.
Para o autor, não adianta nada postar imagens de santos, de anjinhos, pensando que estou dando um bom testemunho. “É pela coerência de vida que dou testemunho. Não adianta a minha instituição, a minha diocese, eu mesmo, ter uma página lindíssima no Facebook mas, no dia a dia da Missa, acolher mal um fiel, ou então encontrar a igreja feia, as pessoas de caras amarradas, o padre rabugento. Pensar a comunicação em rede é como conseguir traduzir a prática em rede. Isso é muito mais complexo, desafiador. Fazer rede perpassa nossas realidades cotidianas. Como é que a gente faz rede coerentemente e testemunha a fé nos vários ambientes em que a gente se faz presente?”, indagou.
Para finalizar, Moisés citou uma frase de Santo Ambrósio, do século V: “Nova semper quaerere; parta custodire” (buscar sempre o novo e conservar as coisas do passado). “Sempre buscar as coisas novas – a internet, cultura digital -, conservando as coisas antigas, como a tradição da Igreja no sentido bonito, forte da Igreja. Não os tradicionalismos que empobrece a fé. Como a gente consegue conservar isso tudo buscando coisas novas? Uso a metáfora de uma árvore com suas raízes, mas ao mesmo tempo com suas asas. Quer dizer a gente não perde as raízes, mas ao mesmo tempo se dá o direito de ter asas. É um paradoxo, mas é necessário”, concluiu.