Projeto Amazônia da Ordem: primeiras impressões
21/03/2012
Quero partilhar um pouco as primeiras impressões e experiências em terras peruanas. Está sendo um momento muito rico de formação, de vida fraterna, de convivência com os frades, de conhecimento da realidade e da história da presença franciscana no Peru, especialmente da Província Missionária de São Francisco Solano. O Ministro Provincial, Frei Mauro Valejjo nos acompanhou até Requena (sede da Missão Amazônia da Ordem dos Frades Menores); é atencioso e presente, aliás, todos os frades têm sido atenciosos e acolhedores.
Todos os seis missionários da nova fraternidade chegamos na data prevista. Alguns até chegaram antes. A chegada e acolhida em Lima foi muito simples, mas muito fraterna e cordial. Já no dia da chegada, um frei já bem idoso nos presenteou um livro de mais de 700 páginas, o VII volume de uma coleção sobre a “História das Missões Franciscana no Oriente do Peru”. Nossa hospedagem foi no “Centro Missional”. Logo me chamou a atenção o fato de a Província ter criado uma estrutura (faz parte do estatuto da Província) própria para acolher, hospedar e apoiar missionários e missionárias dos três vicariatos da selva peruana, confiados à Província. Ao mesmo tempo que tem uma privacidade e independência física, favorece a convivência fraterna com a comunidade.
Encaminhamos a documentação necessária, participamos do encontro de formação permanente dos frades da Província, com o tema “A Nova Evangelização com enfoque franciscano”, fizemos exames médicos, tomamos as vacinas recomendadas, visitamos as fraternidades de Lima, e realizamos alguns passeios para conhecer a cidade. O Convento onde estamos (provincialado e casa de formação) teve como primeiro guardião São Francisco Solano. Aliás, Lima deu para a Igreja cinco santos, logo nos inícios da Evangelização. Santo Toribio de Mogrovejo (+ 1606), São Francisco Solano (+ 1610), Santa Rosa de Lima (+ 1617), São Martin de Porres (+ 1639) e São João Macias (+ 1645). Visitar o lugar onde nasceram e viveram (São Martin e Santa Rosa nasceram na mesma rua) é impressionante. É preciso “tirar as sandálias”, porque este chão é sagrado.
Uma visita que quero destacar foi ao Convento de Santa Rosa de Ocopa, na cordilheira dos Andes. Viajar pelos Andes é um espetáculo à parte. Ocopa está situado no Vale do Rio Mantaro (que faz parte das nascentes do Amazonas), distante 290 km de Lima e há 3.300 metros de altitude. Mantaro é um grande vale na cordilheira, de 80 km de comprimento, muito fértil, muito verde e frio, habitado pelos descendestes do povo de cultura Wanka, salpicado de pequenos povoados, cultivado por camponeses com agricultura artesanal, em canteiros, que vistos de cima dos morros formam verdadeiros mosaicos com variados tons de verde. Permanecemos em Ocopa uma semana, bebendo da mística, da espiritualidade, da cultura, da história missionária e da beleza de sua geografia. Ocopa foi fundado em 1725, como escola de “Propaganda Fidei”, com o objetivo de ser um centro missionário. De fato, formou gerações e gerações de missionários. De lá partiram centenas de missionários para as selvas peruanas, mas também para a “sierra” (cordilheira), para a Bolívia, Equador, Chile, Argentina.
Para se ter uma ideia do que representa Ocopa para as missões e para a história do Peru, na capela dos Mártires há uma galeria com mais de 80 frades, de 1532 a 1925 (em torno de 50 só os que partiram de Ocopa). São considerados mártires os frades que tiveram mortes violentas nas missões (flechados, afogados, por picaduras de serpentes, mordidas de feras, ou perdidos na selva). Os missionários de Ocopa foram fundadores de cidades, construtores de caminhos, escolas, igrejas, geógrafos, cartógrafos, historiadores, botânicos, linguistas e desbravadores do solo peruano. Foram os missionários que criaram consciência da “peruanidade”, conquistaram territórios e impuseram limites às fronteiras brasileiras.
Até hoje esse mérito é reconhecido com gratidão pelo governo peruano. Os missionários de Ocopa criaram até um porto – Porto Ocopa – num dos afluentes do Amazonas, para terem acesso à selva. Ocopa estava ligado diretamente ao Governo Geral da Ordem e à Congregação da Propaganda Fidei. Teve sua história violentamente interrompida, após a independência, no dia 1º de novembro de 1824, por conta de um decreto de Simón Bolívar, decretando sua suspensão, transformando-o numa escola para os filhos dos caídos na guerra de independência. Foi restaurado 20 anos depois, com a chegada de novos missionários. Com a criação da Província Missionária de São Francisco Solano, em 1908, foi incorporado à nova Província. De 1928 a 1972 funcionou como Casa de Estudos Superiores de Filosofia e Teologia. Hoje é casa de noviciado.
Frei Atílio Battistuz