Em Rondinha: “A crise é uma chance e não uma ameaça”
02/08/2016
Rondinha (PR) – A frase de Frei Volney Berkenbrock, diretor da Editora Vozes, no final do primeiro dia do 4º Encontro da Frente de Comunicação da Província da Imaculada Conceição, em Rondinha (PR), serviu de resumo conclusivo de todas as reflexões que abordaram o tema “Comunicar e evangelizar em tempos de crise”.
Só na parte da manhã, o tema foi abordado por três diferentes aspectos. Frei Vagner Sassi, professor e doutor em Filosofia, abordou a crise no campo da ética; Élson Faxina, jornalista e professor da Universidade Federal do Paraná, falou sobre a crise nos aspectos político, econômico e social; e Moisés Sbardelotto, doutor e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), inseriu a crise no grande redemoinho de transformações que sofre a sociedade com as novas tecnologias e de como elas mexem com a comunicação.
ÉTICA MAIS HUMANA
Segundo Frei Vagner, hoje em todas as pautas são tantos os “usos e abusos” do termo ética. Para ele, é importante conhecer bem o seu significado, já que na práxis humana ele pode significar “casa, habitação” ou “usos e costumes”. “Essa segunda significação é mais corrente e traz o nome de ‘moral’. Usos e costumes são sistematizados em códigos morais (mandamentos, regras, princípios etc), sejam religiosos ou laicos”, explicou, acrescentando que quando se fala de ‘crise no campo da ética’, num primeiro momento, toma-se ética por moral.
“Essa abordagem é válida, correta e necessária. Diante de uma economia que desconsidera o humano, há que se fazer alguma coisa. Diante de um procedimento médico que desumaniza, há que se fazer alguma coisa. Diante de um meio de comunicação de massa que aliena as pessoas, há que se fazer alguma coisa… Mas há que se atentar para o modo como se há de fazer tudo isso, justamente para não se recair na mesma lógica que se combate, para não se entrar no mesmo jogo, ‘olho por olho, dente por dente’…”, alertou o frade.
Para ele, é então que surge uma outra situação de crise: a ausência e o esquecimento do significado originário do termo ética, que diz respeito não a um “juízo/julgamento da razão”, mas ao que chamaria de uma “prática de inclusão”, onde se acolhe o outro como que “em casa” (ethos)”. “Tenho para mim que, no encontro com Jesus, sua ‘prática de acolhida’ falava mais alto do que seu ‘discurso moralizante’, se é que este existia…”, emendou.
Segundo o frade, parece que essa foi a metodologia ética de Jesus e de São Francisco. “Quando Jesus não joga pedra na pecadora, ele não está compactuando com ela? Eu acredito que não. Ele está sendo humano com ela. Será que não foi isso que mudou a vida dela?”, perguntou. Para Frei Vagner, as pessoas se transformavam a partir do encontro com Ele. “Essa crise ética, no fundo, tem uma resposta e essa resposta, certamente, não passa pela moralização. Tem que passar por uma prática de transformar as nossas práticas educativas, as nossas atitudes na comunicação. “Como é que, a partir disso, a gente pode trocar uma atitude de poder, de mando, de força, por uma estrutura mais humana e sensível?”. Para ele, há pistas para uma nova metodologia ética mais livre, menos condicionada e menos moralizante.
O COMEÇO DA SOLUÇÃO
Neste quarto encontro provincial, o professor Faxina voltou a dar a sua contribuição na formação de profissionais e pessoas ligadas à comunicação da Província, já que participou do segundo encontro. Ele lembrou logo no início de sua palestra que não é economista, político, filósofo, sociólogo, mas jornalista e professor da Universidade Federal do Paraná. Faz parte de um grupo de estudos que tenta fazer essas reflexões sobre esse momento que se vive no Brasil. “Mas quanto mais a gente estuda, mais a gente faz perguntas, porque mais dúvidas aparecem”, ressaltou.
Segundo o professor, sintetizar alguma coisa nas áreas como política, social e econômica é muito complexo. Mas ele acredita que o Brasil, assim como a América Latina, vive um “momento de pêndulo”, que por um tempo pendeu mais para a esquerda e está agora voltando para a direita.
“Como a esquerda na América Latina não conseguiu dar respostas a todas demandas históricas da sociedade – deu parte, não deu tudo que precisava – busca agora soluções em outro lado. Daqui a um tempo, o pêndulo volta. É assim que funciona a política”, explicou, especialmente porque ela está muito vinculada à economia no mundo ocidental. “E a economia capitalista não vive sem crise. É da natureza do capitalismo. Ele precisa da crise”, enfatizou, citando exemplos de crises produzidas como o boom imobiliário etc. Esse é um momento de refluxo.
Faxina pergunta qual a forma de se tentar entender essa crise, especialmente num momento que tem muito mais gente falando pelas mídias sociais. “É muito difícil, em tempo de crise, ter em quem confiar porque são muitas verbalizações. Qualquer babaca (sic) entra na rede social, posta alguma coisa e viraliza”, disse, citando que no último domingo, em Curitiba, um grupo pequeno pregava a volta ao regime militar com argumentos como: “Nós tínhamos melhor educação etc…”.
Para ele, esse é o grande problema: Quais são as fontes confiáveis para se buscar? Nesse momento, mais do que a gente botar fogo – “vamos tirar governo, vamos botar governo” -, é hora de tentar devolver para a sociedade as informações corretas sobre economia, política e repensar como nós orientamos as massas: como sujeitos de transformações ou massas de manobra?
Para o jornalista, toda crise é o começo da solução. “Não é o fim dos tempos. Toda crise vem nos alertar: ‘olha, algo precisa ser transformado’. É hora de buscar informações corretas e confiáveis e desenhar um novo futuro”, completou, lembrando que nenhum problema é rápido de se resolver, mas é preciso entender a crise para se construir lá na frente.
O DESAFIO DAS MÍDIAS
O também jornalista Moisés Sbardelotto fechou a manhã abordando outro aspecto de crise. O doutor e mestre na linha de pesquisa da midiatização e processos sociais, e autor do livro “E o Verbo se fez bit: A comunicação e a experiência religiosas na internet” (Editora Santuário, 2012), lembrou que as tecnologias invadiram a vida das pessoas e das famílias. Não tem mais como fugir disso: Mudou-se a forma de aprendermos e de se relacionarmos. “É preciso estar atentos para responder melhor a esses desafios”, disse o colaborador do Instituto Humanitas Unisinos (IHU).
Moisés deu um panorama de como estamos vivendo como sociedade e depois passou a falar especificamente sobre a revolução digital, que no Brasil registra os dados de 110 milhões de usuários de internet e 96 milhões de pessoas utilizando as mídias sociais, só para citar alguns.
Moisés reconhece que essa mudança rápida gerou uma crise na sociedade. “Ela nos tomou e mudou a nossa forma de conexão, a nossa forma de entrar em contato com a informação, então muitas coisas estão em cheque. Mas não temos muitos horizontes para saber onde vai dar isso, que desdobramentos vai gerar”, ponderou, frisando que é preciso estar sempre atento às pequenas mudanças que vão acontecer em nosso cotidiano e de como isso nos afetará, especialmente para as crianças: “A questão é mais profunda. A vida delas está mudando também. Essas crianças aprendem de um modo diferente, se relacionam de modo diferente. Isso afeta tudo. É um choque cultural mesmo. Mas isso não significa que é uma geração pior, mas uma geração que desafia a nós mesmos”, explicou.
Moisés abordou também a questão comunicacional do Papa Francisco e lembrou que ele vem fazer a gente acordar para um mundo mais plural. No final, ele apresentou algumas luzes que o Pontífice lança:
- Dentro da ecologia integral. Pensar a comunicação a partir dessa perspectiva. Não dá mais para pensar a TV, o rádio nos seus quadrados; se a gente não pensar isso integrado, como disse na Laudato Sí, vai ser difícil sobreviver na complexidade midiática de hoje; 2. Processos tentativos. Ninguém tem a fórmula, a receita dourada para dar de como agir no mundo contemporâneo. Pode haver seus erros e acertos; 3. Um processo de experimentação/invenção. O Papa vai dizer que dar prioridade ao tempo é ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir espaços (Evangelii Gaudium); 4. O jornalista tem o papel de transformar o caos no cosmos. Precisamos harmonizar as diferenças por meio de formas de diálogo que nos permitam crescer na compreensão e respeito.
Moisés voltou na parte da tarde para fazer as considerações finais antes de viajar para São Leopoldo, onde reside.
COMO A CRISE DESAFIA NOSSA EVANGELIZAÇÃO
Na segunda parte desta terça-feira, Frei Volney Berkenbrock, professor de Teologia e diretor da Editora Vozes, e Frei Neuri Reinisch, diretor da Fundação Celinauta, abordaram o tema no contexto da evangelização na Província.
Falando da experiência da Fundação Celinauta, Frei Neuri lembrou que iniciativas voltadas para o bem também dão audiência e ajudam nas transformações sociais. Citando o Papa Francisco, lembrou que podemos e devemos julgar situações de pecado – violência, corrupção, exploração -, mas não podemos julgar as pessoas porque só Deus pode ler o coração delas.
Frey Volney encerrou o dia fazendo uma avaliação teórica da crise nas instituições religiosas. Sem fazer citações de locais, informou que gostaria de fazer uma leitura da ideia da crise como descompasso entre a realidade e organização e como se poderia pensar essas duas coisas juntas de alguma forma.
“O mundo é uma construção social de sentido. Isso não sou eu que digo. É o sociólogo da religião Peter Berger. Eu queria utilizar um pouco a teoria dele para inspirar esse momento”, propôs. “Da mesma forma, uma instituição é um pequeno mundo, que se mantém coeso por ser uma estrutura de sentido socialmente construída. Ou seja, é uma instituição que depende totalmente do espírito de seus participantes”, disse, citando alguns livros do autor publicados pela Editora Vozes no Brasil, como “A construção social da realidade”, “O dossel sagrado”, “Um rumor de anjos”, “Os muitos altares da pós-modernidade”, “O Imperativo herético”.
O processo dialético da sociedade define-se para Berger em três momentos: exteriorização, objetivação e interiorização. “Se uma instituição se constitui através destes três momentos, ela se mantém somente enquanto esta estrutura for plausível para as pessoas que fazem parte da instituição”, disse. O frade disse que exteriorizar não é voltar atrás, voltar às fontes. “É ter novamente a clareza sobre o que inspira a instituição hoje, ou seja, qual projeto que ela deseja ver realizado”.
“O primeiro elemento de análise de uma instituição em crise, não seria analisar a crise, mas buscar a atualização do projeto inspirador”, completou, frisando que a crise é a chance de se reinventar.
O encontro na Fraternidade São Boaventura, em Rondinha, vai até esta quarta-feira ao meio-dia e reunirá profissionais e pessoas ligadas à comunicação em diferentes áreas da Província: Pró-Vocações, Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras), Fundação Celinauta de Pato Branco, (TV e Rádio), Fundação Frei Rogério (Curitibanos), Editora Vozes, Associação Bom Jesus e FAE, Universidade São Francisco, Comunicação do Instituto Teológico Franciscano (ITF) e Comunicação da Sede Provincial. Além deste encontro provincial, são realizados encontros regionais de comunicação. A Frente de Evangelização da Comunicação é coordenada por Frei Gustavo Medella.
FESTA FRANCISCANA
O Encontro de Comunicação, na verdade, começou cedo com a celebração festiva da Missa de Nossa Senhora dos Anjos, a festa franciscana da Porciúncula, presidida por Frei Gustavo Medella e concelebrada por Frei Rodrigo da Silva Santos e pelo aniversariantes Frei Valdir Laurentino, que fez a homilia do dia e explicou que “aquela pequena porção” de Assis foi desígnio divino, o berço da Ordem Franciscana.
“Ali o Senhor foi dando para Francisco confrades”, disse. “Neste lugar de minoridade, Francisco busca o Sumo Bem. O bem é difusivo. E ele é um comunicador. São Francisco queria ver comunicado o Reino de Deus para todos. E ali ele clama o perdão para todos. E conseguiu através da indulgência plenária no ano de 1216”, acrescentou.
Por Moacir Beggo e Érika Augusto (fotos)
Produção dos vídeos: Juscimari dos Santos, Frei Augusto Luiz Gabriel e Frei Roger Strapazzon