OFS: Um laicato maduro construindo o Reino
Frei Almir Ribeiro Guimarães
Foi com grande alegria que recebemos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil o documento 105 sobre os Cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade. O texto foi aprovado na 54ª Assembleia Geral com a data de 14 de abril de 2016. Nosso intuito aqui é refletir sobre o laicato franciscano, de modo particular aquele vivido pelos membros da Ordem Franciscana Secular. Logo de início nossa atenção é despertada pela denominação recente conferida à terceira ordem de São Francisco: Ordem Franciscana Secular. Introduziu-se o precioso adjetivo secular. Um subtítulo do documento 105 da CNBB já nos diz com clareza a mística dos leigos: sal da terra e luz do mundo. Acrescentaria ainda fermento na massa. Estas são palavras chaves: luz, sal e fermento. Os franciscanos da Terceira Ordem vivem no mundo, nas coisas do século, executam primordialmente as tarefas missionárias e evangelizadoras na cidade, na família, no trabalho, na política, nos organismos civis. É aí que colocam o seu empenho de transformação da realidade. Fazem-no conscientes de que o carisma de Francisco pode restaurar o que parece em ruína. Podemos dizer que os leigos cristãos lutam pela transformação da realidade e os franciscanos seculares empenham-se em colorir esta transformação com as cores franciscanas, com o mais puro perfume do Evangelho.
Por vezes experimentamos, ainda em nossos dias, um certo mal-estar quando ouvimos a palavra leigo, em contraposição a padres e religiosos. Tal designação sempre acentuou de maneira exagerada a “separação” entre a hierarquia e o povo, entre os que sabem tudo e os que são leigos. Mais ainda: o leigo na Igreja seria feito para obedecer e não para agir e evangelizar. O clero manda e o leigo obedece. Os padres é que sabem tudo. Melhor denominação é, certamente, fiéis cristãos leigos. E chegam à nossa mente figuras exponenciais, conhecidas e desconhecidas, que viveram sua fé cristã no meio da realidade. Entre esses não podemos esquecer a figura de Alceu de Amoroso Lima, Tristão de Ataíde (e tantos outros) que, antes mesmo do Concílio do Vaticano II, se empenharam na linha da transformação dos ambientes. Leigo cristão é aquele que tem paixão pelo mundo e pelo Reino e não aquele que se entrega apenas às atividades internas da Igreja, presos demais ao altar. Há certamente um equívoco em se “usar” os leigos quase que somente para serviços do altar. Não é promoção do laicato fazer dele um mero auxiliar do clero. Leigo é leigo. Padre é padre.
“A sua primeira e imediata tarefa (dos leigos) não é a instituição e o desenvolvimento da comunidade eclesial – esse é papel específico dos Pastores – mas sim de pôr em prática todas as possibilidades cristãs e evangélicas escondidas, mas já presentes e operantes nas coisas do mundo. O campo próprio de sua atividade evangelizadora é o mesmo mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da economia, como também da cultura, das artes, da vida internacional, dos meios de comunicação e ainda, outras realidades abertas para a evangelização, como seja, o amor, a família, a educação da crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento (Evangelii nuntiandi, n.70).
Os leigos cristãos, através de seu gênero de vida, haverão de tornar crível a sua fé de modo especial através de uma conduta humana e cristã marcada pela coerência e transparência. Serão chamados a participar da ação pastoral primeiro pelo testemunho de vida, pela atuação nos campos assinalados por Evangelii nuntiandi, acima mencionados, e, em segundo lugar, com ações no campo da evangelização, da animação litúrgica e orante das comunidades. Falamos num laicato em processo de maturação.
Queremos agora nos deter no tema da maturidade. Maduro é um termo que vem da botânica. Depois da floração, os frutos começam a se formar. Com o sol, a chuva, os cuidados do agricultor vão se desenvolvendo e chegam à plenitude para qual existem. Podemos, então, falar de um laicato maduro ou em processo de amadurecimento. Para os cristãos, a verdadeira maturidade se chama santidade. Falamos de uma personalidade madura, de um cristão em processo de amadurecimento. Ainda se pode falar de um franciscano secular que vai colocando todas as condições para ser um homem, um cristão de valor para a Ordem e para a Igreja. Insistimos: o verdadeiro amadurecimento para cristãos e franciscanos se chama santidade.
Na medida em que leigos franciscanos vivem com alegria em suas fraternidades, quando se adentram na Regra de Paulo VI, quando vivem a tensão entre contemplação e ação, quando batalham pela conciliação, quando não deixam arrefecer o fogo do amor pelo Senhor Jesus e a vontade de cuidar dos leprosos de todos os tempos, quando dizem a si mesmos e aos outros que o Amor precisa ser amado, assim agindo, eles chegam à santidade e atuam evangélica e franciscanamente no mundo.
Queremos agora insistir no adjetivo maduro e no substantivo maturidade. Desnecessário dizer que vivemos o tempo das superficialidades. Por diferentes razões não conseguimos mais atingir esse nó interior a partir do qual somos nós mesmos, onde podemos nos encontrar com o Ausente-Presente, onde podemos dizer um sim à vida, aos outros e ao Outro. Somos apressados, não damos tempo ao tempo, os frutos são colhidos antes da hora e destarte perdem seu sabor. Padres e leigos podemos agir por agir, sem grandes convicções. Sendo assim, os franciscanos seculares haverão de querer chegar a uma maturidade humana, cristã e franciscana.
Precisamos de seres que assumam sua vida, sua história, a vida do mundo, pessoas que sejam elas mesmas e não robôs que repitam o passado sem sentido ou que pulem de um lado para o outro dizendo que estão construindo um amanhã. Precisamos de seres que vivam com alma. Urge que seja desenvolvido um trabalho de personalização. Não é fácil ser homem, ser cristão, ser franciscano num mundo que está em gestação e não temos clareza alguma a respeito do que dele sairá. “O capitalismo moderno precisa de homens … que queiram consumir cada vez mais e cujos gostos sejam padronizados… homens livres que não dependam de autoridade alguma, de princípios, nem consciência moral… homens que possam ser guiados de um lado para o outro, sem convicções, conduzidos sem líderes para não importa qual horizonte” (Erich Fromm).
Aqui vão elencadas algumas considerações a respeito de traços humanos de alguém que está em processo de amadurecimento humano. Os leigos cristãos e franciscanos sabem que o humano está na base de seu ser cristão. Hoje se fala mesmo da “humanização” como prioridade pastoral e evangelizadora:
O homem é mais do que sua aparência. Uma pessoa adulta não julga pelo que aparece e parece, nem a si nem aos outros. Sabe que seus verdadeiros valores pessoais e os dos outros têm sua fonte no interior, no coração, no mistério mais íntimo. As aparências enganam. Ser pessoa que viva com pessoas. Mistérios que vivam com mistérios.
Um traço humano de maturidade é a capacidade de relacionar-se. Será maduro aquele que tiver condições de conviver com o diferente e souber viver serenamente os relacionamentos humanos.
Maduro é aquele que consegue, de alguma forma, organizar um projeto de vida, alimentar um buquê de convicções, não se deixando atropelar por estados emotivos de exaltação, nem aferrar-se a caprichos teimosos.
Maduro é aquele que consegue desenvolver boa parte das dimensões de seu ser: inteligência, vontade, afetividade, profissão, arte da convivência. Adulta é a pessoa que sabe realizar projetos com os outros.
O adulto não tem comportamentos marcados por agressividade e suscetibilidade. Possui serenidade e segurança interiores.
A pessoa em processo de maturação não se considera o centro do mundo e das atenções. Vai aprendendo a fazer o êxodo de si e a ser solidária.
É persistente, perseverante, sem ser teimosa.
É criativa: não se contenta com a repetição do que foi visto e vivido. Sabe recolher as lições do passado e adivinha os passos a serem dados para apressar a chegada do futuro.
É capaz de buscar o silêncio e nutrir a reflexão. Viaja ao fundo do coração.
Não é ingênua. Tem certamente senso crítico e sabe discernir.
Tem senso de responsabilidade e aprendeu a assumir compromissos.
Tem senso de humor. É capaz de rir de si mesma. Sabe conjugar alegria e seriedade.
Madura é pessoa que não é doentiamente dependente, mas consegue ser autônoma. Respeita as pessoas e não está imbuída do desejo de posse.
Diante da realidade, usa de flexibilidade sem deixar que as coisas corram soltas.
Tem critérios de vida e de ação e não se deixa deslumbrar por modismos passageiros nem se entrega a fanatismos que apequenam as pessoas.
Maduro é aquele que tem capacidade de escutar, de dialogar, que se deixa esclarecer pela fala do outro, que dá o melhor de si para reverter situações aparentemente insolúveis.
Vejamos alguns traços do leigo cristão em processo de amadurecimento:
Fundamental que fique claro: clérigo é clérigo, religioso é religioso, leigo é leigo. Cada um tem sua especificidade, e consequentemente terão expressões diferentes em seu ser no mundo e na Igreja.
Pessoa cristãmente madura é aquela que se deixa guiar pelo Espírito, e não pela carne, que esforça-se por matar o homem velho. Que não costuma atribuir a si os resultados alcançados. O cristão é formado pela ação do Espírito em sua vida e na comunidade que frequenta. Não convém chamar um leigo sem profundidade para dirigir pastorais…
Trata-se de uma pessoa que foi e vai dando uma resposta pessoal e comunitária ao Evangelho e suas exigências. É pessoa coerente e não de “faz de conta”. Pode-se dizer que um leigo maduro é alguém que está em constante processo de conversão.
Pessoa que tem senso de comunidade. Viver em comunidade não quer dizer apenas viver momentos agradáveis uns com os outros e uns e outros. O cristão maduro não vive uma religião privada e particular. Sabe que o Ressuscitado se manifesta de modo particular no coração da comunidade cristã.
O leigo cristão em processo de amadurecimento procura levar uma sólida vida de oração. Tem preocupação com seu crescimento na intimidade com o Senhor, valoriza, de modo especial, a Eucaristia. Vive o dom de si com Cristo no mistério pascal renovado.
Cristão leigo maduro é aquele que não se atém a aspectos menos centrais do cristianismo: procissões, devoções particulares, apego exagerado aos santos. Leigo maduro é aquele que vive intensamente em seu caminhar existencial o mistério pascal: morte a si mesmo e vida em Cristo.
Está em crescimento cristão aquele que luta pela unidade. Não uniformidade, mas unidade na diversidade.
Leigo cristão maduro é aquele que sabe se re-situar. Enxerga os desafios, acolhe os obstáculos, mas tem confiança de que poderá superá-los. Penso no caso de alguém que é acometido de uma doença, de um fracasso, da perda de um filho.
Sabe unir-se à paixão de morte de Cristo, refaz em sua vida o espírito da entrega de Jesus ao Pai. Não desespera. Completa, por assim dizer, em sua vida a paixão do Senhor.
Mostra sintomas de amadurecimento cristão o que se coloca à disposição do Senhor em quaisquer circunstâncias existenciais.
Na tentativa de se identificar com Cristo em seu mistério pascal o fiel leigo cristão pode dizer com Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”.
Não se deixa levar por carismas exteriores, visíveis, aberrantemente visíveis. Faz tudo o que tem que fazer sem querer aplausos. Procura sempre uma postura discreta.
É perseverante em seus propósitos. As pessoas podem confiar nele.
Tem aguçado senso de Igreja, sobretudo do profundo mistério da Igreja como Esposa de Cristo e Corpo Místico do Senhor. Não jura pelo organizacional, mas finca-se nessa Igreja que continua, através dos seus membros, a obra de Cristo e do Reino novo.
O fiel cristão leigo maduro vive a dinâmica do ver-julgar-agir: “A missão do leigo na sociedade apresenta-se hoje à consciência cristã como uma forma de evangelização, em que diversos aspectos podem ser acentuados conforme os apelos das circunstâncias e a vocação pessoal de cada um: quer na transformação das realidades terrestres pela ação social e política quer no anúncio da mensagem evangélica pela palavra, pelo testemunho de vida e pelo diálogo sempre em atitude de serviço inspirado pelo Cristo que veio para servir (Missão e ministérios dos cristãos leigos e leigas , doc. CNBB 62, 103)
Vejamos algumas notas características do franciscano secular em estado de amadurecimento:
Os franciscanos seculares experimentam grande alegria de serem leigos e leigas e não têm “saudades” ou “desejo” de serem clérigos, de viverem apenas servindo às coisas do altar. Sabem perfeitamente que sua missão é colocar o dinamismo do Evangelho nas realidades as mais mundanas: no cuidar das crianças, na hora das eleições para cargos municipais, trabalhando com o computador ou vivendo a intimidade do amor conjugal.
Os franciscanos seculares se aproximam muito do jeito de ser e de agir da Ação Católica com seu famoso e bem testado método do ver-julgar-agir. São peritos na arte de examinar a realidade e tentam impregná-la de sua espiritualidade evangélico-franciscana. Assim, dão largos passos na linha de uma maturação. Costuma-se falar da militância dos leigos.
Os franciscanos seculares vivem em suas casas, em seu trabalho profissional, mas sobretudo vivem em suas fraternidades concretas. Vivem o fraternismo ad intra e ad extra. Dispõem-se a servir, a lavar os pés uns dos outros, a rezarem juntos, a carregarem os fardos uns dos outros. Vivendo em fraternidades que se reúnem regularmente, estudam o mundo atual, partilham sua vida e ideias. Nessas fraternidades estudam e perscrutam os grandes temas da atualidade, as orientações da fé como: O que é crer? Esperar o quê? O que significa escutar o Senhor hoje? As reuniões, as formações constituem convite ao discernimento. Não são adeptos de uma religião à la carte: vida em fraternidade, troca de ideias, tomadas de decisões a respeito da vida: sempre como pano de fundo a fraternidade. Os que os conhecem costumam dizer: “Vede como eles se amam!” Os franciscanos seculares não querem viver derramados nas coisas.
Fazem de sua casa uma verdadeira Igreja doméstica. Mas atenção, com uma madura espiritualidade leiga. Os leigos franciscanos gostam de sua família, cuidam de que seus membros se estimem, lembram aos filhos, pelo exemplo e pela vida, que precisam deixar as portas abertas para a visita do Senhor. Não impõem ritos. Seria altamente conveniente que nossas fraternidades franciscanas seculares tivessem um bom número de casais e que inventassem meios e modos de reunir famílias à sua volta. No meio de um mundo que perde o gosto pelo Senhor, sem piedade melosa, nossas fraternidades seriam espaço para crescimento de famílias novas.
Os franciscanos seculares mostram maturidade quando adotam posturas de simplicidade e pobreza evangélicas num mundo sofisticado, consumista, marcado pela gastança e pelo consumismo. Uma tal visão das coisas pode fermentar evangelicamente a realidade. Os leigos franciscanos mostram que compreenderam o sentido da pobreza evangélica, são felizes, têm sua única riqueza no Senhor.
Os franciscanos seculares se fazem presentes no mundo que os cerca, no bairro em que residem, junto de pessoas que vivem à sua volta. Exprimem assim seu desejo de estarem perto das pessoas.
Mostram maturidade quando são capazes de dar respostas adequadas e evangélicas aos questionamentos do mundo de hoje: novas formas de casamento, bioética, desrespeito pela vida. Por isso, os franciscanos estudam, leem, procuram formadores que os capacitem a serem protagonistas da transformação da história. Importante que sempre estejam cuidando de sua formação nas coisas do mundo com as quais estão em relacionamento. E serão maduros quando tiverem a audácia de abraçar a causa da preservação da natureza.
“Os franciscanos seculares estejam presentes… no campo da vida pública: colaborem quanto lhes seja possível, na elaboração de leis e de normas justas (cf. Regra 15). No campo da promoção humana e da justiça, as fraternidades devem empenhar-se com iniciativas corajosas, em sintonia com a vocação franciscana e com as diretrizes da Igreja. Tomem posições claras quando a pessoa humana é ferida em sua dignidade em virtude da opressão e da indiferença, qualquer que seja sua forma. Ofereçam seu serviço fraterno às vítimas da injustiça. A renúncia ao uso da violência, característica dos discípulos de Francisco, não significa renúncia à ação; os irmãos cuidem, no entanto, que suas intervenções sejam sempre inspiradas no amor cristão (Constituições Gerais da OFS, art. 22).
Os franciscanos seculares haverão de se fazer presentes nas diferentes frentes de pastoral. Muitos fazem parte do Conselho de Pastoral, seja de paróquias como de dioceses. Estarão sempre dispostos a trabalhar na catequese, na evangelização em geral, de modo especial no cuidado do crescimento da vida de fé de adultos, animarão grupos de reflexão em torno do Evangelho, porque optaram por seguir a vida do Evangelho. Fazem tudo, mas não podem perder sua laicidade. Não se deixam envolver por uma pseudopromoção pessoal ao estado clerical. Os párocos poderão contar com os terceiros desde que esses não percam as características de cristãos seculares. Mostram grande imaturidade os terceiros que mais se dedicam às ditas atividades pastorais e esquecem de construir sua identidade franciscana.
Não se pode qualificar e classificar a OFS como uma “pastoral”. Ela é um movimento suscitado pelo Espírito em vista de propagar um retorno à vida segundo o frescor do Evangelho e assim exercer influência sobre a pastoral.
Fala-se de conversão pastoral. Urge uma mudança no modo de se trabalhar. O Documento de Aparecida diz claramente e com todas as letras: “A conversão pastoral de nossas comunidades exige que se vá além de uma pastoral de conservação para uma pastoral decididamente missionária. Assim será possível que o único programa do Evangelho continue introduzindo-se em cada comunidade eclesial com novo ardor missionário, fazendo com que a Igreja se manifeste como mãe que vai ao encontro, como casa acolhedora, uma escola permanente de comunhão missionária (Doc. Aparecida, n. 370). Os franciscanos seculares que buscam a maturação de seu ir pelo mundo não poderão dar seu aval a uma pastoral sacramentalista e conservadora de um status quo. Precisarão “incomodar” no sentido de se refazer o tecido comunitário e fraterno e de se realizar uma evangelização em tais condições que atinja o nó das pessoas e as leve a abraçar a utopia da comunidade.
Um dos elementos fundamentais do ser e do agir do laicato é a realidade da família. Os terceiros franciscanos, normalmente falando, vivem em suas famílias. Fundamental a solidificação das famílias, mesmo diante de tantos desafios que surgem nesse campo. Podemos nos perguntar se como franciscanos com família não somos convidados a viver nossa família com cores evangélicas. Não daria uma maturidade aos franciscanos seculares a reflexão e o engajamento no cuidado pela família? Tantos espaços: grupo de jovens, preparação imediata para o casamento, atenção às mães sem marido, sem dinheiro, sem nada; acompanhando o processo doloroso dos que se separam; refletir com os pais sobre a “transmissão da fé”… vastíssimo e importantíssimo campo da evangelização e acompanhamento das famílias.
Concluindo
Propusemo-nos a refletir sobre o significado da Ordem Franciscana Secular, comunidades de leigos para o mundo. Temos plena consciência de não ter abordado todos os ângulos de maturidade dos membros da Ordem. Deveríamos nos deter mais nas manifestações práticas: respeito pela Criação e cuidado com os leprosos de nossos tempos. Certamente, respondemos parcialmente ao que foi proposto. Optamos por dissertar sobre a maturidade seja humana, cristã, bem como franciscana. Sem ter respondido plenamente à questão esperamos que uma leitura particular ou em grupo deste texto permitirá aos leitores vislumbrar a dimensão laical da Ordem Franciscana Secular. Há questões prévias que precisam ser resolvidas: nossas fraternidades estão envelhecidas, a formação dada nem sempre atinge o nó das pessoas, há dificuldade em descobrir o que seria um leigo franciscano no mundo de hoje. Certamente, não se tratará de ser um panfletário, mas de alguém que andou fazendo densas experiências evangélicas à maneira de Francisco. Fique claro: com Karl Ranher diremos que o cristão dos nossos tempos ou será um místico ou não será nada. Quem puder compreender que compreenda.
Anexo
Pareceu-me importante e mesmo fundamental ainda transcrever algumas linhas de Salvador Valadez Fuentes, sacerdote mexicano. Num capítulo de obra em que analisa a pastoral e coloca o dedo na ferida de uma pastoral sem alma, o autor fala de Paulo, como modelo de agente de pastoral. No final do capítulo procura elencar aprendizagens concretas que podemos haurir da figura do Apóstolo das Gentes. Valem para os fiéis leigos e para os pastores. Valem também para o ser e agir dos irmãos e irmãs da Ordem Franciscana Secular:
recuperar a radicalidade e a surpresa de ser cristãos e apóstolos;
cultivar o substrato de valores humanos onde se encarna a graça: coerência, sinceridade, lealdade, convicção, liberdade, desinteresse;
respeitar e alentar os ritmos nos processos de fé e de conversão pessoal e comunitária;
valorizar a cruz como elemento fecundo e que dá autenticidade à nossa missão;
saber viver no conflito;
promover a solidariedade eclesial em todos os níveis; centrar nossa vida cristã e ministério pastoral, na fé, na esperança e na caridade, traduzidas em atitudes concretas;
ter uma visão eclesial centrada na Trindade como fundamento último de todo ministério pastoral;
aprofundar e recuperar o valor da oração como alimento absoluto de toda vida cristã e pastoral;
urgir o aspecto missionário da fé;
entender e assumir a vida cristã como um combate;
encarnar, à maneira de Paulo, as atitudes fundamentais de um agente: força, valentia, liberdade, alegria, recuperar a consciência de ser envidado;
não alimentar cobiças nem pretensões de glória;
exercer a autoridade como serviço amável;
amar com um amor real até a morte;
prestar serviços de bom pastor à comunidade.
Salvador Valadez Fuentes,
Espiritualidade Pastoral.
Como superar uma pastoral sem alma?
Paulinas, São Paulo, 2008, p. 50