Irmãs Clarissas – Elementos de Formação – V
A RESSURREIÇÃO DE CRISTO – Centro de nossa fé
Mesmo neste tempo de pandemia, neste tempo de reclusão e de incertezas, é bom refletir sobre a ressurreição do Senhor.
Eis agora a Páscoa, nossa festa,
em que o real cordeiro se imolou:
marcando nossas portas, nossas almas,
com seu divino sangue nos salvou.
Esta é, Senhor, a noite em que do Egito
retiraste os filhos de Israel,
transpondo o Mar Vermelho a pé enxuto…
Só tu, noite feliz, soubeste a hora,
em que Cristo da morte ressurgia
e é por isso que de ti foi escrito:
A noite será luz para o meu dia!
(Liturgia da Noite Pascal)
Celebrar a Páscoa
No coração da Noite pascal, centro do ano litúrgico, o Precônio canta a libertação da humanidade por Cristo ressuscitado. Não se trata do aniversário de uma vitória ( independência do Brasil, proclamação da República…) porque Jesus não é um personagem do passado, nenhum ex-combatente. Ele é o VIVO, é contemporâneo de todas as gerações. A força que ressuscita Jesus atinge hoje a todos os seus membros. Cristo ressuscitado está aí: “e ressuscitaste com ele”, diz São Paulo. “…estáveis mortos, agora estais vivos porque a energia de seu Espírito vos transforma”. Está nascendo um mundo novo. A ressurreição é renascimento, recriação (João 3,5).
O batismo
O batismo de Jesus tinha sido um gesto simbólico, um ato profético, revelador de sua missão. Entrando nas águas do Jordão, ele “mimava” seu mergulho na morte, solidarizando-se com os pecadores, e saindo da água, anunciava sua ressurreição da morte, enquanto que o Pai o declarava como seu Filho muito amado, primogênito de uma multidão de irmãos. No fim do evangelho de Mateus, é o Ressuscitado que envia seus discípulos a “ensinar e batizar” todas as nações (Mt 28,19). A partir de então o batismo, em nome de Jesus, é participação em sua morte e sua ressurreição. “Ou ignorais que todos nós, batizados para Cristo Jesus, fomos batizados na sua morte? Pelo batismo fomos sepultados com ele na morte para que assim, como Cristo ressuscitou dos mortos pela glória do Pai, também nós andemos em novidade de vida” (Rm 6,3-5).
Um texto do Conselho ecumênico das Igrejas recorda: “Pelo batismo, os cristãos mergulham na morte libertadora de Cristo, onde seus pecados são sepultados, onde o “velho Adão” é crucificado com Cristo e onde o poder do pecado é destruído. Desta forma, os batizados não são mais escravos do pecado, mas pessoas livres”.
Uma vida de ressuscitados
A fé no Cristo ressuscitado, na sua força atual e permanente, está bem no âmago da fé cristã. “Eu sou a ressurreição e a Vida. Aquele que crê em mim viverá” (Jo 11, 25). Esta fé faz com que o homem se volte para o futuro, transforma-o e justifica-o: “Meu Senhor e meu Deus”, confessa Tomé (Jo 20,28). Os primeiros cristãos confessam que Jesus é Senhor, sob a ação do Espírito (1Co 12,3). Esta morte batismal e esta vida nova não preenchem o campo da existência de uma só assentada. Esta vetustez devida ao pecado, o velho fermento do mal não desaparecerão como num golpe de mágica. As zonas de resistência interior ao Espírito são fortes. “Mortificai, pois aquela parte de vós que pertence à terra…revestistes do homem novo” (cf. Col 3,5-10).
Paulo convida Gálatas e Romanos a caminhar em novidade de vida sob o impulso do Espírito. Mas atenção: nada de falso ascetismo, nem falsa liberdade. O empenho cristão, a moral cristã explicitam e exprimem o mistério de morte e ressurreição: “Embora vivos, estamos sempre morrendo por causa de Jesus, para que a vida de Jesus se manifeste também em nossa carne mortal” (2Co 4, 11). João completa: “Sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos nossos irmãos. O que não ama permanece na morte” (1Jo 3,14).
Eucaristia, sacramento pascal
O batizado encontra o Ressuscitado quando parte o pão. Come e bebe com ele, como Pedro e as testemunhas da primeira hora no cenáculo, em Emaús ou às margens do lago da Galileia. Paulo designa a eucaristia “mesa do Senhor”, “o pão e o cálice do Senhor”, ou “ a mesa do Senhor”. “O cálice de bênçãos que abençoamos não é a comunhão com o sangue de Cristo? O pão que partimos não é a comunhão com o Corpo de Cristo? (1Co 10,16).
O autor das cartas às sete igrejas do Apocalipse faz com que o Ressuscitado fale: “Já estou chegando e batendo à porta. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e juntos faremos a refeição. Ao vencedor concederei sentar-se comigo em meu trono, assim como eu também venci e estou sentado com meu Pai em seu trono” (Ap 3,20-21).
A eucaristia é o memorial do Cristo crucificado e ressuscitado, quer dizer o sinal vivo e eficaz de seu sacrifício, realizado um vez por todas na cruz e sempre agindo em favor de toda a humanidade. A concepção bíblia do memorial aplicada à Eucaristia a eficácia atual da obra de Deus quando celebrada pelo seu povo em forma de liturgia.
O dia do Senhor
Pelo fato de Jesus ter ressuscitado no primeiro dia da semana (Mc 16,2), os cristãos vão celebrar seu memorial no primeiro dia de cada semana (Jo 20, 19,26; At 20,7; Ap 1,10). A Boa Nova anunciada às nações é precisamente esta: a participação de todo homem na Ressurreição do Filho, no Espírito. Se Cristo não ressuscitou, vã é nossa fé: Paulo não se cansa de repetir em suas cartas. O Cristo ressuscitado que ele encontrou no caminho de Damasco não era visível para todos. Sua vinda se faz esperar e sua manifestação é objeto de fé e de esperança. É o tempo da paciência e da vigilância, esperando a vinda do Senhor e a dilatação da ressurreição a toda criatura.
Cada domingo, a comunidade celebra o Senhor. Ela antecipa na Eucaristia o banquete dos novos céus e na nova terra quando o Cristo ressuscitará toda a humanidade, seu corpo. “Faze, Senhor, com que apareça teu dia e o tempo da tua graça, de tua glória. Dá-nos hoje o pão daquele em que serás tudo em todos”.
Nota:
Este texto apareceu numa revista francesa “Les Dossiers de la Bible”, março de 1989,
François Tricard, seu autor, escreveu na qualidade de biblista com o titulo de: “La résurrection du Christ, centre de notre foi”.