Irmãs Clarissas – Elementos de Formação – IV
JESUS RESSUSCITOU! – Abriu-se uma brecha
O tema da ressurreição do Senhor é fundamental. Se Cristo não ressuscitou todo o edifício da fé desmorona. Paul Ghérin, num antigo número da extinta revista Fêtes et Saisons (fev.1982), fala da ressureição do Senhor como um brecha, uma abertura, uma fenda.
Jesus ressuscitou! O que isso quer dizer? Percorrendo os evangelhos e as cartas de São Paulo não deparamos com nenhuma descrição do momento da ressurreição. Esses documentos falam de aparições e mencionam o túmulo vazio. As duas primeiras gerações de cristãos que testemunharam que Jesus estava vivo, fizeram-no em função de responder a interrogações que lhes eram feitas, ataques que lhes eram dirigidos e problemas debatidos no interior das comunidades. Quando aparece a acusação de que os discípulos haviam roubado o cadáver de Jesus, falam de soldados que guardavam o túmulo. Quando se levantou a hipótese que os cristãos estariam sendo vítimas de alucinações, lembrarão as chagas no corpo do Ressuscitado. Quando se afirmava que Jesus estava em Deus apenas com aparência humana os escritores haverão de mostrá-lo partilhando as refeições com os apóstolos.
A literatura, na época de Jesus, alude a pessoas que morreram e retomaram a vida como fora o caso de Lázaro. Neste caso, tratava-se da reanimação, retorno à vida que precedeu à morte. Jesus não retomou a vida que tinha anteriormente, mas entrou numa existência nova, a própria existência de Deus.
Muitos judeus esperavam para o fim dos tempos a ressurreição dos justos. Os apóstolos anunciam que Jesus inaugurou esta nova era. Para eles, afirmar que Jesus ressuscitou quer dizer que a história do mundo pendeu para a vertente de Deus. Começou uma nova criação e um mundo novo toma o lugar do mundo velho.
Esta humanidade, renascida de Jesus, havia inaugurado por sua luminosa maneira de viver: cada página do evangelho conserva ainda seu esplendor. Penetrou a vida humana naquilo que ela tem de mais profundo, abrindo-a para o ar puro de Deus. Mostrou a riqueza dos pobres, a miséria dos ricos, a agilidade dos paralíticos, a alegria dos que choram, a patética bem-aventurança dos que são torturados e os movimentos de inveja, de ódios e de todos medos surdos que foram se organizando contra ele. Sinal de fracasso? “Deus o ressuscitou”, declarou Pedro. Esta fé significa que Deus não abandonou o justo esmagado e que Jesus está na plenitude da vida, na glória.
Costumamos, por vezes, projetar na consciência dos apóstolos de Jesus nossos questionamentos, preocupações e abordagens das coisas sem levar em conta o contexto e universo deles. Eles simplesmente ignoravam o mundo científico e técnico no qual nós estamos imersos. Esperavam ardentemente o surgimento de um outro mundo.
De repente, um fogo começou a se alastrar na sociedade das margens do lago de Tiberíades até a esplanada do Templo em Jerusalém. Esse homem bem parecia o herdeiro de uma espera secular e ao mesmo tempo perturbava essa espera. Parecia que tinha vindo de um Alhures, mas situava-se no coração da vida mais cotidiana e da qual tirava um gosto de viver desconhecido. O relacionamento do homem com o homem e do homem com Deus encontravam-se profundamente transformados. Esse mundo novo tão, desejado não estaria se despertando e nascendo nos sulcos do velho mundo? Quem teria vivido como ele? Quem morreu como ele? Ele convidava à fé. Propunha que o homem desse grandes passos em frente: amar, amar os inimigos, de pressionar a ousadia de se crer amado por Deus de tentar pagar-lhe com a mesma moeda, aceitar de estar sempre reconciliado pelo amor.
“Jesus vivo”, “Jesus ressuscitado”, quaisquer que possam ser as expressões preferidas pelos primeiros cristãos, consistiam em dizer que o caminho de Jesus era o mesmo de Deus, o caminho das realizações supremas. Cuidado!!! Não se acredita na ressurreição de Jesus sem a fé em tudo o que foi sua vida. Seria negá-lo mais uma vez, matá-lo ainda. É o mesmo Jesus que irrompeu na glória de Deus e que transformou a vida humana. Não acreditamos de verdade em sua existência de Ressuscitado se não empenharmos todas as nossas forças para fazer nossa sua maneira de viver, ao longo do Evangelho.
A fé na ressurreição de Cristo não consiste apenas em proclamar a vida celeste de Jesus. Não é apenas uma afirmação tranquilizante que nos dispensaria de lutar para mudar nossa vida ou simplesmente a vida. Para poder dizer com toda verdade: “Creio em Jesus ressuscitado” será preciso correr o risco de viver a partir do Evangelho, colaborou com coragem no mundo novo que ele abriu. A ressurreição de Jesus não nos é dada como uma dessas cômodas certezas que fazem parte de nossa existência. Como o Evangelho de Jesus, ela reclama os dinamismos mais essenciais de nossa vida. A inteligência e o coração, a lembrança e a expectativa, o passado e o porvir não são dissociáveis. Trata-se de todo o homem e da luz mais penetrante do universo.
A fé dos primeiros cristãos em Jesus ressuscitado era uma queimadura, uma erupção, uma brecha. Para nós também Jesus e seu Evangelho continuam a atravessar parede, abrir túmulos e ressuscitar a humanidade de Deus.