Carisma Franciscano – IX
Viver como Irmãos Menores
2021… Ano capitular para os frades da Imaculada! Todo Capítulo tem um antes, o momento em que se realiza e a implementação de suas conclusões em nível pessoal e comunitário. Vivemos como irmãos. Gostamos de dizer: “Meu irmão”… Você veio, meu irmão!”. Eles, os irmãos continuam chegando e dando sua adesão definitiva a Deus e à Ordem. Em Petrópolis, nesse tempo de pandemia, em dezembro, frades fizeram a profissão solene. Bela cerimônia, despida de muita pompa exterior. O Senhor continua nos dando irmãos.
Vivemos como irmãos, como frades, como aqueles que o Senhor continua dando a Francisco e a seus sucessores. Vivemos como frades ditos menores. “Província” significa bem mais do que um arcabouço organizacional e jurídico. Ela é antes o conjunto de vidas humanas, um corpo vivo. Espaço organizacional, sim. Mas vidas de homens, borbulhar de sonhos, desejos de atingir as estrelas. Homens que acertam e erram. Esperamos que esse espaço humano que se chama “Província” seja hospedaria do Senhor. O coração de cada frade é alojamento para o Senhor. Curiosamente, uma hospedaria que se desloca. Somos fraternidade em saída. Nossa casa é o mundo. Nosso claustro se situa nas esquinas do mundo e nas voltas da história. Seres despertos, acordados sobretudo nesse tempo e clima de Capítulo. Para onde vamos todos?
“Viver o Evangelho como irmãos no seguimento de Cristo é nossa forma vitae. Fundamentada na dimensão trinitária, a Fraternidade constrói-se no respeito à individualidade de cada irmão, dom de Deus, assim como é. Mediante esta aceitação, a Fraternidade torna-se teofania, lugar teológico em que Deus sempre pode revelar-se, “encarnar-se” e tornar-se presente em nosso mundo. “Nisso todos saberão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,35). Viver o relacionamento fraterno em comunhão e partilha significa sermos fieis à nossa vocação e missão” (Giacomo Bini, OFM- Relatório Min. Geral, cap. 2003, n.71).
Não somos monges. Não constituímos família de sangue. Não somos meros habitantes em residência comum, uma república. Gostamos de designar nossas casas de “fraternidades”. Empregamos menos a palavra comunidade, válida e tão usada pelos religiosos e fiéis (comunidade de vida consagrada, comunidade paroquial, etc). Vivemos, é claro, em espírito de família marcado por laços de afeição e de atenções e dizemos que constituímos fraternidades.
Os fundamentos de nosso “fraternismo” são conhecidos: um Pai de toda bondade cria agora a todos e somos filhos desse Pai e, portanto, irmãos com tudo que daí decorre; somos uma fraternidade porque Deus resolveu dar irmãos a Francisco e aos seus sucessores e que eles inventassem um modus vivendi de irmãos (e fossem pelo mundo afora). Não existimos apenas como fraternidade para dentro, mas denominamo-nos fraternidade em estado de missão. Isso nos faz felizes. Um duplo movimento: chamado para estar juntos e ir pelo mundo afora. Fraternidades em saída… Tudo isso porque o Ressuscitado que nos chama de amigos se faz presente quando estamos juntos.
Por diferentes caminhos e inusitadas situações tivemos a certeza de um chamamento para viver a aventura de Francisco e de seus primeiros companheiros que chamamos de vocação. Fomos acompanhados durante um tempo e formadores e confrades puderam nos iniciar na arte de amar a vida ad intra e ad dextra. Pertencemos a uma Província ainda numerosa. Vivemos aqui. Vivemos acolá. No meio de diferenças. No meio de compromissos reais e outros inventados. Por vezes convivemos uns com os outros com lucidez. Outras vezes parecemos uma equipe de trabalho, mal ou bem-sucedida. Por vezes, as coisas “funcionam”, outras vezes o “carro” emperra. Há uma certa descrença. Nem sempre acreditamos na vida. Exagero nas busca de sucessos individuais. O carro, de fato, emperra. Na Província rasgamos nossa história com irmãos. Não vivemos a partir de estratégias. O que leva para frente é esse somatório de vidas de irmãos que vivem à luz do Mistério e de seus projetos. Será que nossa obra é aquela que o Senhor sugere e deseja? Que horizonte estamos mostrando aos irmãos que chegam? O que eles desejam do fundo do coração? Nossos projetos coincidem com os deles?
O ser com os outros estrutura nosso modo de viver. Trazemos no fundo do coração o desejo de sermos irmãos de todos e até do pássaro que canta com os pés no fio da rua e mesmo do ipê que atapeta o chão de amarelo. Quando lemos a parábola do Bom Samaritano ficamos com vontade de resgatar todos os trapos humanos. Será que os frades jovens pensam assim? E os mais avançados em idade? Será que há um movimento “fraterno” animando nossa vida e a vida da Província? O Capítulo é sempre tempo de lucidez.
Conhecemos os instrumentos de construção da fraternidade franciscana: mesma mesa, mesma casa, momentos de recolhimento e de silêncio, serviço mútuo, uns socorrendo as necessidades dos outros, caixa comum, oração em comum. Não apenas para cumprir um dever. Retiros, colóquios, capítulos sobre nosso gênero de vida e não apenas para resolver se vamos construir isto ou aquilo, comprar e vender, e a que horas vamos rezar o ofício. Fazer aparecer o “todos vós sois irmãos”. A vida límpida, fraterna, alegre, laboriosa é o primeiro e vigoroso anúncio da Boa Nova. Será que não precisamos fazer de nossos capítulos locais momentos que deixam em nós um sabor, um desejo de “quero mais”, que aconteça o mais brevemente um outro?
Nossa fraternidade é constituída de homens provenientes de meios culturais, sociais e religiosos diferentes que se esforçam por criar laços de amizade, de respeito, de aceitação mútua. Não se trata de uma mera equipe de trabalho. Irmãos, ministros, servidores ad intra e ad extra. Procuram o que agrada ao Senhor, “limitando sua liberdade com a liberdade do outro”, submetendo-se às exigências da vida comum (cf. A caminho … Doc. OFM, Roma, 2005).
“A vida de comunhão fraterna exige que os irmãos observem unanimemente a Regra e as Constituições; tenham um modo de viver semelhante; participem dos atos da vida da Fraternidade, sobretudo a oração em comum, da evangelização e dos trabalhos domésticos; e ponham à disposição da Fraternidade todos os emolumentos que a qualquer título tenham recebido” (CCGG 42,2).
Somos irmãos e irmãos menores lá onde estivermos: ouvindo confissões numa capela do interior, na qualidade de ministro dos irmãos em casa, na administração do Santuário da Penha, no atendimento do Convento do Largo de São Francisco em São Paulo, nos livros que escrevemos, nos sucessos obtidos e nos fracassos acontecidos. Estimamo-nos como irmãos, diletos irmãos, queridos irmãos, diletíssimos irmãos, queridos irmãos, prezados irmãos. Menores: irmãos sem qualquer indício de superioridade em relação aos outros. Os “maiores” revelam superioridade, juízos demasiadamente fáceis dos outros, palavras altaneiras. Vivemos uns em dependência dos outros e isto alegremente. Viver como menores é viver sem apropriação de coisas e de pessoas. Aceitar tudo com espírito de gratidão.
O nome de Frades Menores que usamos exige fraternidade é claro, mas também serviço e serviço humilde. Colocaremos de lado toda vontade de poder e de domínio. “Em relação a todos, submissos a qualquer criatura, por causa de Deus, devemos apresentar-nos, em comunidade e individualmente, como pequeninos, como servos que ninguém teme, porque servos esforçam-se por servir e não por dominar, ou por se impor, sobretudo para fins espirituais. Uma semelhante atitude exige o espírito de infância, a pequenez, a simplicidade, um otimismo decidido perante os homens e os acontecimentos. Há que aceitar a insegurança no plano das instituições e as ideias, a incerteza em relação ao futuro. Há que reconhecer que somos fracos e vulneráveis, servos inúteis e que ninguém é forte senão Deus. Contribuiremos assim, pelo nosso lado para fazer resplandecer o rosto da comunidade cristã, que é também o rosto do Senhor, o qual veio “para servir e não para ser servido” (Doc. OFM: Rumo ao Capítulo Geral Extraordinário, 2004, p.21).
Ser menores com relação aos nossos co-irmãos: Não há dúvida de que isso pode significar coisas diferentes e em Fraternidades distintas: mas certamente significa comportamento que tenha indícios de “superioridade” em relação aos outros. São várias as atitudes que revelam um sentido de superioridade: os juízos demasiadamente fáceis sobre os outros, talvez acompanhados de gestos sarcásticos; as expectativas ou os pedidos explícitos dirigidos aos frades, pretendendo que a ajuda que os outros nos dão ou o serviço que nos prestam seja um “direito”, em vez de aceitar tudo com espírito de gratidão e de reconhecimento. (cf. “Todos vós sois irmãos”, Doc. OFM, 2004, p. 123-124)
No final desta meditação podemos pedir que venha em nosso auxílio reflexões de Giacomo Bini, nosso ex-ministro geral:
◊ A minoridade é um dos critérios na escolha de um serviço ou de um trabalho?
◊ A vida fraterna em minoridade caracteriza realmente nossa identidade, nossas relações com as pessoas que contatamos? Existe um estilo franciscano bem conhecido e bem caracterizado que muitos irmãos nos transmitiram e do qual o mundo está sedento.
◊ O modo de evangelizar remete imediatamente para nosso estilo vida em fraternidade e minoridade? Muitas vezes não somos críveis, apesar da generosidade de nosso esforço; nossa palavra ressoa no vazio porque não corresponde à nossa atitude interior, ao nosso comportamento, às nossas estruturas que, ao contrário, exprimem poder, grandiosidade, eficiência. (Relatio Ministri Generalis, Capítulo de 2003, p. 83, Capítulo de 2003, p. 83)
Frei Almir Ribeiro Guimarães