A passagem do grande passante
Festa de Francisco de Assis! O mundo devia parar e contemplar esse que é o Cristo redivivo, aquele que reescreveu em sua carne e em seu espírito a vida de Cristo Jesus. Um Cristo entre nós. O Papa Francisco está se deixando embeber do espírito do Poverello e anda cantando cantigas simples que respiram o ar de Assis.
Ele fora um homem das passagens. De lugar em lugar, sem domicílio, como forasteiro e peregrino, andando sempre em frente, ciente de que não é possível instalar-se. Caminhar por estradas interiores, sair de um estado de busca em busca para sempre contemplar mais nitidamente o semblante do Amado que ele beija no leproso, saboreia ao ouvir suas palavras, adora na Eucaristia.
Tantos irmãos e tantas irmãs. Os frades simples e humildes como Leão e Junípero, o culto e douto Antônio, professor, a irmã Clara. Todos foram se enfileirando atrás dele numa alegre procissão e num cortejo de gente nova.
Num determinado momento era a hora de acolher com respeito a chegada da irmã Morte que o levaria pela mão a fazer a última passagem e conduziria à terra dos vivos.
À notinha do dia 3 de um outubro de muitos anos e séculos passados, Francisco foi estendido em terra, na terra nua. À volta os frades todos.
“E eis que um esforço de voz, cortado de agonias, começa Francisco a entoar: A minha voz clama pelo Senhor, a minha voz sobe ao Senhor… Senhor, atende à minha prece, pois me sinto deveras abatido. Livra-me dos meus perseguidores que são mais fortes do que eu. Arranca a minha alma desta prisão para que eu louve o teu nome: os justos me coroarão quando me tenhas feito justiça”. Assim descreve Frei Fernando Félix Lopes, OFM (*).
E ele continua: “Frágil barquinha que a tempestade arrastou ao mar alto, e de destroça no embater com penedos solitários. Arromba-se o costado, caem rotas as velas, e em pedaços os mastros; e daquele ranger de destroços, voz de criança, argêntea e bela, ergue-se e voa; é a voz de tanta alegria que o mar se aquieta a escutar, como se um novo Orfeu tirasse dons inéditos de uma nova lira”.
Francisco termina sua peregrinação. É a celebração de sua última páscoa. “Daquele corpo em destroços, ali estendido no chão, cresce e sobe a apagar-se, na distância das Alturas a melodia do salmo. E, subindo, a voz como se fora de um homem renascido na justiça original, voz de criança, argêntea e bela, abre nas trevas da noite esteira de tanta luz que arrasta consigo um bando de cotovias entontecidas por aquela madrugada nova (…) Voara para os céus um homem, um poeta, uma visão nova da vida: um homem como este não apareceu mais sobre a Terra!”
(*) O Poverello S.Francisco de Assis, Pe. Fernando F. Lopes, OFM, Editorial Franciscana de Braga, p. 493
Frei Almir Guimarães