Estigmatização
Francisco viveu experiência mística e pungente no Monte Alverne, dois anos antes de sua morte. Vamos acompanhar a tocante descrição que faz do acontecido Eloi Leclerc:
“O silêncio e a majestade do lugar se apoderaram da alma de Francisco. Do alto podia deixar seu olhar se perder de vista num imenso panorama. Porém, na montanha, procurava lugares retirados e selvagens e não tanto os vastos horizontes. Penetrava na cavidade dos rochedos buscando abrigo, longe de qualquer olhar, para alimentar a chama interior que o queimava. Queria estar completamente só. Travou amizade com um falcão que, à noite, o acordava com seu grito e o chamava à oração.
O que se passava na alma de Francisco? Qual o assunto de sua meditação? Tinha sido celebrada a Festa da Exaltação da Santa Cruz. Era a festa da cruz gloriosa. A liturgia nesse dia associa os sofrimentos da Paixão à glória da Ressurreição. Canta a cruz como ascensão para o Deus imortal, como exaltação. O pensamento da cruz vitoriosa invadia o coração de Francisco e o iluminava. Certa manhã, muito cedinho enquanto rezava diante da montanha, percebeu vir até ele um ser alado, um ser de fogo e de luz: um serafim com suas asas reluzentes. Como na visão do profeta Ezequiel, duas asas se elevavam acima da cabeça, duas outras se desdobravam para o voo e duas outras cobriam todo o corpo. Era um desses espíritos que se postam diante do trono de Deus e que são irradiação de sua glória e de sua imortalidade. Desconcertante e incompreensível, no entanto, era ver esse espírito glorioso e luminoso que sofria: suas asas cobriam o rosto de um homem crucificado. Mãos e pés estavam presos a uma cruz.
Diante deste espetáculo, a alma de Francisco se rasgava e sentimentos contraditórios se debatiam dentro dele. A inefável beleza do serafim e seu olhar cheio de graça o fascinavam e o enchiam de alegria. Ao mesmo tempo o sofrimento do Crucificado o aterrorizava. Perguntava-se então como um espírito glorioso podia sofrer a mais cruel agonia? Não sabia o que pensar. A agonia estava junto com o êxtase. A Paixão e a Glória associadas de uma maneira estranha, pareciam cair sobre ele como um passo de rapina.
Aos poucos a visão se diluiu e a angústia se acalmou. Abaixando os olhos para a terra, viu em suas mãos as marcas dos cravos. A Glória de Deus acabara de tocá-lo, de transpassa-lo. Era um ser ferido. E como Jacó, depois do combate com o anjo, caminhava com muita dificuldade”
Eloi Leclerc, Francisco de Assis, O Retorno ao Evangelho – Vozes/ CEFEPAL, Petrópolis, 1983, p. 107-108
Frei Almir Guimarães